Não é uma tarefa fácil alimentar 1.4 bilhão de seres humanos. Os números são descomunais.
Por ano, os chineses consomem 8 milhões de toneladas de carne bovina, 15 milhões de toneladas de peixe, 60 milhões de toneladas de porco e 143 milhões de toneladas de arroz.
Colocar comida na mesa de tanta gente exige muita logística. E é ainda mais difícil na China.
A China tem 9,6 mi de km², mas uma área cultivada de apenas 1,27 mi.
Ou seja, embora 18% da população mundial seja chinesa, a China só atende por 7% da área cultivada total do planeta.
Essa limitação tem sido um imenso desafio ao longo da história chinesa, levando à escassez crônica de alimentos e fome generalizada.
A China enfrentou 6 crises de fome entre 1907 e 1961, responsáveis pela morte de dezenas de milhões de pessoas.
A boa notícia aos chineses é que o cenário mudou radicalmente desde as reformas de Deng Xiaoping em 1978, que extinguiu as fazendas coletivas de Mao, levando a agricultura para o mercado privado.
Desde então, a produtividade agrícola chinesa vem aumentando consistentemente.
Desde 1978, com o aumento da produtividade no campo, a porcentagem da população chinesa que depende da agricultura para sobreviver caiu de 70% para 35%. Esse é o resultado do aumento da riqueza no país.
A maior parcela da população chinesa hoje vive em centros urbanos.
Duas décadas atrás, a classe média chinesa contava com apenas 2,5 milhões de pessoas. Esse número aumentou mais de 100 vezes desde então - e deverá crescer ainda mais nos próximos anos, atingindo 950 milhões de pessoas em 2030, quase três vezes a população atual dos EUA.
Jovens chineses urbanos fazem compras em supermercados modernos. E eles não possuem demanda apenas por arroz e vegetais.
Pelo contrário: quanto maior é a renda da população urbana chinesa, mais exigente é o seu paladar.
O que isso significa? Mais consumo de carne e laticínios.
Essa é a razão por que a China importa tanta comida. Apesar do notável sucesso na melhoria da produtividade do setor agrícola, a China provavelmente conseguirá atender apenas 74% da sua demanda até 2030.
O restante virá de onde? Dele mesmo: o comércio internacional.
As importações chinesas de carne de porco, por exemplo, aumentaram de 136 mil toneladas em 2000 para 1,62 milhão de toneladas em 2016.
Não é uma logística simples.
Há 677 milhões de porcos no mundo: 310 milhões deles estão na China.
Como você alimenta tantos porcos? É aqui que o Brasil entra na história.
Desde 2009, a China é nosso maior parceiro comercial. Em 2020, nós somos o 7º maior exportador no mercado chinês.
E no topo do que vendemos a eles está um produto crucial à dieta de porcos: a soja.
A China consome ⅓ da soja mundial. Mesmo que todas as terras aráveis do norte e nordeste do país fossem usadas para produzir soja, ainda não seria suficiente.
Essa é a razão por que ninguém importa mais soja no mundo do que eles, o produto agrícola mais importado da China.
Esse aqui é o mapa mundial distorcido dos países que mais forneceram soja aos chineses em 2017.
Entre janeiro e maio de 2020, o Brasil enviou 74% de suas 49 milhões de toneladas de soja exportadas para a China.
Nós terminaremos 2020 como o país que mais exporta soja no mundo.
Depois da gente, os Estados Unidos passarão a ocupar a segunda posição.
Quanto maior é a guerra comercial entre Washington e Pequim, maior é a importância da nossa soja para o mercado chinês.
E esse gráfico aqui ajuda a entender o que isso representa:
A China consumirá perto de 110 mi de toneladas de soja entre outubro de 2019 e setembro de 2020. A estimativa é que o Brasil exporte 55 mi de toneladas de soja à China nesse intervalo - o mesmo peso de 25 milhões de rinocerontes.
E essa demanda aumentará nos próximos anos.
Em 2020, o cenário é radical.
Com a aversão ao risco causada pela pandemia, o US$ subiu e o R$ caiu. Assim, produtos produzidos em R$ ficaram mais baratos no exterior.
A China aproveitou essa desvalorização para estocar alimento.
E não apenas de soja.
Em 2020, os chineses respondem por 49% do volume exportado pelo Brasil de carne suína, 41% de carne bovina e 17% de carne de frango.
Nos últimos dias, a cotação da arroba do boi gordo atingiu R$ 238, maior valor em 20 anos.
Em 2020, os preços dos alimentos subiram em todo o mundo.
E aqui, um parêntese:
No caso do arroz, uma commodity (ou seja, cotado em US$), países produtores tiveram problemas de safra enquanto outros, graças à pandemia, resolveram não exportar por segurança.
O preço explodiu.
Quem saiu pra vender? O Brasil.
No acumulado de janeiro a agosto deste ano, o Brasil vendeu ao exterior 1,15 milhão de toneladas de arroz (81,5% a mais que no mesmo período do ano passado).
E nesse caso, nossos maiores clientes estão na própria América Latina.
Com menos arroz disponível, maior procura pela nossa produção no mercado internacional, R$ desvalorizado em relação ao US$, auxílio emergencial estimulando aumento no consumo, numa pandemia com estoque de alimentos no mundo, o resultado é perceptível na gôndola do supermercado.
Mas o arroz, apesar dos memes, não é o único item de alimentação que encareceu em 2020.
Com a valorização do US$, para que as empresas brasileiras deixem de exportar e mantenham a produção de alimentos no país, é necessário pagar a mais por isso.
E quem paga?
Isso mesmo: você.
O arroz é apenas uma pequena parte da história.
Antes, durante ou depois da pandemia, nosso agro depende da China.
A cada US$ 3 que recebemos fora, US$ 1 é deles.
É como um casamento: a cada ponto percentual de queda no PIB chinês, a gente perde 0,2 do nosso.
Todo esse capital econômico ajuda a construir capital político.
A Bancada Ruralista é a maior frente parlamentar do Congresso Nacional, composta na atual legislatura por 226 deputados e 27 senadores.
É esse grupo o mais organizado politicamente para fazer lobby por Pequim.
Toda essa grana influencia diretamente como o debate público é travado no Brasil e nos pressiona a aceitar parcerias com os chineses em diferentes áreas, do 5G à Nova Rota da Seda.
Ao fim, nenhum país influencia tanto o seu salário e as decisões em Brasília quanto a China.
Parte importante disso graças ao nosso papel de servir forragem a porcos que estão a 16 mil quilômetros de distância.
Na nossa relação com o mundo, todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros.
Eis a nossa revolução dos bichos.
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Nesse final de semana haverá eleições na Alemanha.
Eu preparei essa thread sobre a Alternativa para a Alemanha, para que, daqui a um tempo, você não seja pego de surpresa sobre quem manda na AfD:
Em abril de 2024, a justiça da República Tcheca anunciou o congelamento dos bens de dois homens acusados de dirigir uma operação de influência para a Rússia na Europa. Os seus nomes eram Viktor Medvedchuk e Artem Marchevsky.
Se você acha que a Rússia não é uma ameaça à segurança mundial, e que todas as acusações recentes contra Moscou não passam de propaganda, russofobia ou histeria, você definitivamente precisa se informar melhor.
Aqui embaixo, revelo por que você está errado:
Nessa semana, publiquei essa thread, em que conto como a inteligência de diferentes nações europeias detecta a ambição russa de atacar países membros da OTAN nos próximos anos – o que poderia provocar uma guerra aberta na Europa.
Nela, disse que a principal ambição política de Vladimir Putin é a restauração dos territórios perdidos na dissolução da União Soviética. cambridge.org/core/journals/…
Putin lamenta repetidas vezes a derrocada da condição imperial russa, e chama a dissolução da União Soviética de “maior tragédia geopolítica do século”. nbcnews.com/id/wbna7632057
Ele entende que esse foi um processo de “desintegração da Rússia histórica sob o nome de União Soviética”. reuters.com/world/europe/p…
Abandonar a Ucrânia não é uma opção para a Europa. O risco de realizar esse movimento é a história se repetir e outros países europeus serem engolidos pela ambição de um ditador imperialista.
Qual a chance disso acontecer e por que isso é tão importante?
Conto aqui embaixo:
Nesse final de semana, numa entrevista para a Economist, Zelensky acusou Moscou de trabalhar na formação de 10 a 15 divisões militares, com mais de 100 mil soldados, com a intenção de enviá-los à Bielorrússia para atacar um país-membro da OTAN.
Você provavelmente já sabe o que é o TikTok, então não preciso perder muito tempo explicando.
Mas de forma resumida: o TikTok nasceu em 2016, como um app para gravar e compartilhar vídeos com sincronização labial. Nada muito revolucionário, mas sucesso imediato.
O conteúdo evoluiu bastante desde então – das dancinhas às análises políticas.
No passado, ele só existia na versão chinesa, chamada Douyin (抖音). Até hoje o Douyin é o aplicativo disponível na China.
Sim, são dois apps. Douyin e TikTok pertencem à mesma empresa, são praticamente a mesma coisa, mas os seus conteúdos são completamente diferentes.
O TikTok que você conhece é bloqueado na China.
Douyin e TikTok são da chinesa ByteDance.
A ByteDance foi fundada pelo chinês Zhang Yiming. Em 2024, Yiming virou o homem mais rico da China. bbc.com/news/articles/…