Um jogo morno, um gramado péssimo, uma derrota decepcionante e uma lição: o futebol é o esporte de uma bola.
O Flamengo precisa jogar mais do que jogou, mas também precisa reencontrar a sua força mental.
Segue o fio...
O primeiro tempo foi mais chato do que horroroso.
O Flamengo mantinha seus dois pontas bem abertos e procurava o jogo por ali. Até os encontrava, mas a marcação dobrava, o gramado atrapalhava e a noite estava pouco inspirada…
Quando saía alguma coisa dali, o Ceará defendia bem a área e neutralizava o perigo. O sistema defensivo como um todo foi bem, mas Luiz Otávio e Tiago, os zagueiros alvinegros, fizeram um primeiro tempo de almanaque.
O Ceará se fechava, até subia a marcação de vez em quando e, quando retomava a bola, restavam as duas alternativas clássicas de escape...
Primeiro, o contra-ataque… Mas, ao contrário dos jogos anteriores, a defesa do Fla não ficava muito exposta.
Segundo, a bola longa... Com o gigante Cleber no ataque, o time de Guto Ferreira abusava da ligação direta em busca da segunda bola. Mas a defesa rubro-negra também era soberana nesse quesito.
Em uma dessas bolas longas, inclusive, o Flamengo conseguiu atacar rapidamente e quase abriu o placar com Gabigol.
O primeiro tempo foi morno, as duas defesas levaram vantagem sobre os ataques, mas o Fla tinha a dinâmica do jogo razoavelmente controlada.
Não dominava, não criava muitas chances, não tinha seus principais jogadores inspirados, mas ficava com a bola e forçava por uma brecha.
Mas é aí que entra a lição: o futebol é o esporte de uma bola.
Levar o primeiro ponto no vôlei ou a primeira cesta no basquete não faz a menor diferença. O primeiro gol no futebol, no entanto, muda tudo. Condiciona o resto do jogo.
Dá para escrever um fio inteiro sobre a bola parada defensiva do Flamengo, a marcação por zona, o papel dos zagueiros, os méritos da batida do Ceará etc.
Mas o fato é: o Ceará achou o primeiro gol e mudou o jogo.
Se o Flamengo tivesse feito o primeiro gol — e não seria nenhum absurdo sair do primeiro tempo com uma vitória parcial — o jogo teria sido completamente diferente, o resultado possivelmente seria diferente e a análise seria diferente.
Mas o "se" não existe no futebol e, quando digo que um gol muda tudo, não quero dizer que o efeito é sempre o mesmo. Cada time reage de uma forma ao primeiro gol do jogo.
E é esse ponto, mais do que a atuação do primeiro tempo ou a falha pontual no gol, que levanta preocupação.
Um dos principais méritos do Flamengo de 2019 era justamente a força mental. Não foram poucas vitórias de virada naquele campeonato. Era impressionante, aliás.
A questão, então, é como o time reage.
E o Flamengo derreteu depois do primeiro gol do Ceará de uma maneira estarrecedora.
Assim como derreteu no segundo tempo contra Atlético-MG e Grêmio, quando foi para o intervalo perdendo.
Veja bem, nada disso é tão simples. Falar do sofá é sempre muito fácil.
No Brasil, viradas de placar são raras. É realmente difícil sair atrás, até porque os times aqui treinam para se fechar.
Mas um time que pretende ser dominante precisa lidar bem com essas situações.
Afinal, um time que se arrisca pode sempre sofrer o primeiro gol, mesmo quando joga muito bem. Certas coisas fogem do controle.
Ontem, mais do que uma atuação ruim de fulano ou beltrano, uma falha individual ou um gol perdido, o importante alerta fica por conta da queda depois de sofrer o gol. Se isso se repetir sempre, aí sim o futebol vira verdadeiramente o esporte de uma bola só. É sempre gol de ouro.
É natural que a gente esteja chateado. O time parecia estar engrenando.
Mas a avaliação geral continua a mesma de antes: ainda é um time melhor que os outros, mas longe do auge técnico, tático, físico e mental, que ainda oscila dentro dos jogos e tem alguns jogadores em má fase.
O importante agora é voltar a se acostumar a ter as rédeas do jogo.
Ditar melhor o ritmo, deixar o adversário desconfortável, jogar com coragem e, se tomar um gol (nenhum time é infalível), agarrar as rédeas ainda com mais força.
O Flamengo não pode morrer por uma bola só.
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Um pequeno país em um canto da Europa tem um peso surpreendente na forma como a gente pensa e sente o futebol. Saíram da Holanda algumas das ideias mais importantes para a nossa compreensão do esporte.
Se hoje falamos tanto em espaço no jogo, é muito graças aos holandeses.
Como já falei aqui, tive a honra e o privilégio de ser o tradutor do livro @Zonal_Marking, do grande Michael Cox, lançado em pré-venda na semana passada pela @EdGrandeArea.
O livro começa falando sobre a influência holandesa no futebol europeu do início dos anos 1990 através de seu principal clube — o Ajax — e de dois ex-jogadores e então treinadores — Cruyff e Van Gaal.
O mais interessante, no entanto, é o mergulho no modo de pensar holandês.
Por que o Flamengo goleia tanto? - PARTE 3: O QUE OS NÚMEROS DIZEM
Os números não são o jogo em si, mas ajudam a entender o que se passa dentro de campo. É preciso ter cuidado, colocar tudo em contexto, mas dá para entender muita coisa a partir deles. Vamos ao mergulho!
Dos 14 jogos disputados pelo Flamengo sob o comando de Renato Gaúcho, 7 foram pelo BR21 e 7 em competições de mata-mata (Libertadores e CdB). Como o time tem se comportado de maneira diferente, a ideia aqui é olhar para esses números de maneira separada.
Por que o Flamengo goleia tanto? - PARTE 2: PORTEIRA QUE PASSA BOI
Meu antigo professor de história tinha uma espécie de frase de efeito. Não importava o assunto que estávamos estudando, em algum momento ele sempre dava um jeito de dizer: "porteira que passa boi, passa boiada".
Nesta série, pretendo explorar por diferentes ângulos a rotina atual de goleadas do Flamengo. Na PARTE 1 (
), detalhei as mudanças de estilo trazidas por Renato Gaúcho até aqui. Hoje quero falar sobre os contextos criados dentro dos jogos.
O 4x0 em cima do Grêmio é um bom ponto de partida. No fim de um primeiro tempo bastante instável, o Flamengo perdeu Bruno Henrique por lesão e Isla recebeu o vermelho. Parecia um cenário terrível, se encaminhando para um segundo tempo sofrido.
Por que o Flamengo goleia tanto? - PARTE 1: CONTROLE E AGRESSIVIDADE
O assunto do momento é aquele: como o Flamengo consegue golear em jogos que nem parece estar dominando durante a maior parte do tempo?
Há muita coisa para falar, então decidi fazer uma série. Começa aqui!
De fato, é quase inacreditável.
Em 14 jogos desde a chegada de Renato Gaúcho, o Flamengo teve 12V 1E e 1D. Mais incrível que isso: fez 45 gols (3,2 por jogo) e sofreu 10 (0,71 por jogo)!
Das 12 vitórias, 8 foram por 3 gols de diferença ou mais.
É normal que um retrospecto como esse gere admiração, um certo choque e até mesmo confusão.
Primeiro, porque são números simplesmente altos demais. Quase impossíveis de se ver por aí — e de se manter no longo prazo.
Gabigol está imparável. Fez 7 gols nos últimos 5 jogos que disputou. Dois de pênalti (ele simplesmente não perde) e outros cinco gols com a bola rolando.
Todos seriam considerados fáceis. Mas será que são simples?
Além do segundo e do terceiro gol contra o Santos, há mais três nos dois jogos contra o Olimpia. Cinco gols depois da marca do pênalti, todos finalizados com apenas um toque! A marca de um artilheiro letal!
Em um mesmo lance, ele faz três, quatro, cinco movimentos. Sabe exatamente o momento em que o passe pode sair, sabe exatamente como os zagueiros tendem a se comportar.
Futebol não é sobre estar no lugar certo. É sobre chegar no lugar certo, na hora certa, do jeito certo.