Em 1966 a Inglaterra ganhava a sua única Copa do Mundo. Batman e Star Trek estreavam na televisão. Na França, as pessoas ainda iam à guilhotina (a última foi em 1977)
Na França foi descrito um temido ritmo cardíaco. Dessertenne deu-lhe um nome em seu idioma: Torsades de Pointes.
Dessertenne descreveu esse ritmo em uma senhora de 80 anos em seu artigo “La tachycardie ventriculaire à deux foyers opposes variables” na Arch Mal Coeur.
O traçado desse artigo está em meu livro, no capítulo “Arritmias Ventriculares”.
Ao bater o martelo sobre o nome, Dessertenne usou um dicionário* que acabara de ganhar como presente da sua esposa.
Lá, ele viu três definições para “Torsades”.
* Livro que os antigos usavam para saber o significado e a ortografia de palavras.
A que gostou mais foi a definição “ornamento que imita tranças de cabelos em colunas de construções clássicas”. A figura mostra o exemplo de um “Torsades”.
Mas ele foi além.
Dessertenne achava que olhar para um eletrocardiograma com essa arritmia era como ver uma presilha de cabelo sendo retorcida em seu próprio eixo.
E assim o fez. Com a presilha de cabelo da sua esposa.
A TdP é uma grave arritmia/síndrome clínica. É uma reentrada funcional tridimensional que ocorre no coração. Não se sabe porquê, mas ela não se sustenta: ou ela volta a ritmo sinusal (e vida que segue) ou ela evolui para FV, levando à parada cardíaca (linha inferior da figura).
Pessoas com TdP podem viver sem sequer ter sintomas. Ou podem apresentar a síndrome clínica que é basicamente de síncope (desmaios) - quando ela é longa o bastante pra levar à hipoperfusão cortical e da substância reticular ativadora ascendente. Ou morrem subitamente.
O TdP está intimamente relacionado ao alargamento do intervalo QT, que pode ocorrer pela Síndrome do QT longo congênito ou secundário ao uso de drogas (sotalol, amiodarona, anti-depressivos, hidroxicloroquina, entre outros) ou substâncias (alcaçuz/regaliz).
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É a queridinha da alta classe. É quase um símbolo de status. É também símbolo da perda de dignidade profissional.
Eu estou falando de uma grande picaretagem, um golpe tão bem aplicado que tem paciente que jura que melhorou com isso.
Entenda TUDO sobre “SOROTERAPIA” neste fio.
A reposição/aplicação de micronutrientes por via endovenosa não possui nenhuma boa evidência clínica de benefício.
Quando eu falo em “evidência clínica”, quero dizer algum estudo que se prestou a observar melhora do sintoma ou da doença dos pacientes.
Todas as afirmações dos defensores da soroterapia são baseada em ciência pré-clínica, que são estudos básicos de fisiologia e farmacologia, mas que não se prestam a observar melhora real em humanos.
No campo pre-clínico, o estudo de micronutrientes é promissor. Apenas promissor.
Uma pesquisa daquelas que mudam tudo foi lançada hoje na New England Journal of Medicine.
Um grupo de pesquisadores italianos demonstrou, de maneira muito elegante, que micro e nanoplásticos podem estar associados a eventos cardiovasculares adversos. 🧵
Em pacientes assintomáticos que iriam fazer endarterectomia de carótida entrariam no estudo. Sua placa depois era avaliada em microscopia eletrônica.
Além disso, o paciente seria seguido por vários meses para avaliar a incidência de eventos cardiovasculares adversos.
O que os pesquisadores queriam era comparar, ao longo do tempo, se quem tinha micro e nanoplásticos em sua placa de carótida teria um futuro com mais eventos: infarto, AVC ou morte.
Nesta importante pesquisa, eu e meus colegas investigamos qual a acurácia diagnóstica de um dos sinais mais importante (se não “o” sinal mais importante) da Medicina:
O supradesnivelamento do segmento ST no eletrocardiograma para infarto.
E esse sinal erra. E muito 🧵
Esse não parece um tema assim tão novo ou uma análise tão importante, afinal o “supra”, como é chamado o sinal, está aí desde sempre.
Na verdade, nossa pesquisa é inovadora, a começar pelo fato de que existe um forte viés no nome desta doença.
É que quando a comunidade médica aceitou nomear, lá nos anos 2000, uma doença pelo resultado do seu index test (“supra”), foi criado um viés de incorporação que varre para baixo do tapete os falso-positivos e os falso-negativos.
Ms. Bristol recebeu um xícara de chá e foi um tanto indelicada ao recusá-la porque o leite foi servido depois do chá. Segundo ela, o sabor seria diferente.
Quem lhe serviu o chá foi Ronald Fisher, um estatístico que decidiu testar isso.
Esse teste é usado até hoje em Medicina 🧶
No experimento, conhecido como The Lady Tasting Tea, Fisher mandou preparar oito xícaras, quatro em que o chá havia sido servido antes e quatro em que o leite havia sido servido antes
A distribuição binomial calcula a probabilidade de sucessos em ensaios binários (sucesso/falha)
Fisher queria tirar o fator "sorte" ou "acaso" da jogada. É que uma ou outra xícara ela acertaria como acertamos cara/coroa. Mas qual a probabilidade de acertar todas?
Fisher calculou que essa probabilidade era de 0,14%.
Davide Austori, zagueiro da Fiorentina na Itália, morreu subitamente.
Foi por causa da vacina?
Bem, acho que todos concordamos que não porque isso ocorreu em 2018.
Se mortes súbitas sempre existiram, por que muitos insistem em insinuar que as mortes súbitas foram por vacina?
Há duas respostas para a pergunta que fundamenta o fio.
A primeira é desconhecimento científico básico e envolvimento com terroristas anti-vacinais. Se tudo o que você lê no zap é isso, você tende a pensar que só existe isso.
A outra é mau-caratismo mesmo.
Se já havia mortes súbitas em jovens antes da vacinação para COVID, nós temos que ter metodologia para verificar se essas mortes aumentaram desproporcionalmente ao aumento da população e se podemos culpar as vacinas por isso.
Ednaldo vai ao PS com tromboembolismo pulmonar e o médico não faz essa hipótese. Ao invés, pensa em síndrome coronária, e solicita uma troponina. Se este exame for positivo, a ele será dado o diagnóstico de “infarto sem supra”, mesmo que as coronárias sejam normais. Segue o fio.
Afinal, para o diagnóstico de IAMSSST, a troponina é o exame que define a síndrome. Isto gera um viés chamado “incorporation bias”.
O incorporation bias aumenta falsamente a sensibilidade e a especificidade de um teste, afinal, se o exame define a doença, quando haverá erro?
Neste cenário que eu demonstrei, a troponina aumentou por TEP. Mas, os médicos não pensaram em TEP.
O resultado desta troponina será ilusoriamente verdadeiro para sempre.
Detalhe: se esse paciente estivesse em um estudo, entraria na planilha do acerto.