1/ Coluna importante do Pastore, pelo o que reconhece, pelo o que propõe como solução e, sobretudo, pelo o que demonstra desconhecer ou não concordar. Vamos por partes
2/ Em primeiro lugar, Pastore corretamente aponta que a deterioração fiscal começou em 2012. Isto é importante, pois vários “pastoretes” ainda insistem que a política fiscal piorou a partir de 2006.
3/ Já apontei que 2012 foi o ano decisivo, quando a situação interna mudou e, entre ajustar a política fiscal e fazer reformas, o governo decidiu manter as metas fiscais e usar operações não recorrentes...
4/ ... apostando que a situação melhoraria rapidamente, como ocorreu em 2008-10. A situação não melhorou e o choque de 2012 provou ser bem maior e longo do que o de 2009. Agora a divergência.
5/ Como sempre, Pastore dá a entender que, diante das mudanças de tendência em 2012, a saída deveria ter sido arrocho fiscal e reformas, para continuar “entregando” resultado primário, mesmo sob recessão.
6/ Em contraste, eu e alguns outros economistas defendíamos que a resposta deveria ter sido flexibilização fiscal, para acomodar o choque, com reformas de longo prazo (previdência, tributária, etc), para garantir a estabilização.
7/ O resultado foi flexibilização fiscal envergonhada –mantendo meta de primário com operações não recorrentes- e quase nenhuma reforma. Em 2012 houve Funpresp, fim do piso da poupança e da guerra dos portos e... parou!
8/ Minha divergência com Pastore nisto está na insistência dele em achar que, seja na expansão ou na recessão, arrocho fiscal resolve tudo. É aquela piada do cara que só tem martelo, logo tudo se parece com prego.
9/ Mas nisto Pastore não está sozinho, ele “apenas” reproduz o argumento da austeridade expansionista e fada da confiança, um mantra antigo (vejam Hoover vs Roosevelt em 1932) que quase destruiu o Euro em 2011-12, por exemplo...
10/ em 2011, Trichet declarou: “As regards the economy, the idea that austerity measures could trigger stagnation is incorrect” in.reuters.com/article/idINIn…
11/ Segundo Trichet: “I firmly believe that in the current circumstances, confidence-inspiring policies will foster and not hamper economic recovery, because confidence is the key factor today.”
12/ Com a saída de Trichet e entrada de Draghi, felizmente o ECB mudou de posição e prometeu fazer “whatever it takes” para salvar o Euro. A ação evitou o pior, mas não resolveu o problema por que política monetária não pode tudo.
13/ Mas vamos ao momento Trichet de Pastore, sobre o teto Temer: “Se tudo ocorresse como planejado, o aumento da arrecadação vindo do crescimento econômico transformaria os déficits em superávits, e a relação dívida/PIB voltaria a cair.”
14/ E Pastore continua: “Mas antes que o ciclo de reformas necessárias fosse concluído, fomos atingidos pela pandemia, o que obrigou o Brasil a elevar os gastos primários, com a relação dívida/PIB saltando 10 pontos porcentuais”
15/ Mas faço uma pausa para mostrar a contradição de Pastore:
Para ele a política econômica de 2017-19 estava certa, o problema foi o Covid-19. Porém, ao analisar 2012-16, Pastore não dá o mesmo peso para fatores exógenos, que foram muitos.
16/ Este tipo de análise “dois pesos, duas medidas” de Pastore e cia revela seu viés político (“é tudo culpa do Petê”) e ideológico (“fatores externos só prejudicam a estratégica com a qual eu concordo”). Mas vamos em frente:
17/ A coluna de Pastore é importante ao dizer que:
Estava tudo dando certo em 2017-19, apesar de a economia ter crescido, em média, apenas 1,1% aa
Pois os resultados só apareceriam quando acabasse o ciclo de reformas, logo ali .. no infinito.
18/ Não existe melhor exemplo da visão de “ajuste fiscal permanente”, baseado em “reformas estruturais de longo prazo”, sendo o longo prazo definido tautologicamente como período de tempo para os resultados aparecerem.
19/ Outro importante é que Pastore parece condenar medidas temporárias para manter o teto Temer, mas acaba endossando a estratégia Guedes de “quebrar o piso” baseado na hipótese de “crowding out” total.
20/ Nas palavras de Pastore: “Se na busca do crescimento econômico o governo aumentar os gastos, furando o teto, acentuará a depreciação cambial e reduzirá a eficácia da política monetária.”
21/ E chegamos no ponto principal: em 2017-18 a política econômica seguiu a visão de Pastore, o juro caiu e... o crescimento não decolou! Para Pastore isto ocorreu por que o ciclo de reformas não foi completado. Mas pode ser outra coisa.
21/ Pode ser resultado de consolidação fiscal prematura, que matou a recuperação da economia em 2017-18. Assim voltamos ao debate de 2012. Diante de um choque recessivo, como o de 2012, 2014-15 e o de agora, o que fazer com a política fiscal?
23/ Aprofundar a recessão com política contracionista em uma versão moderna do “Mellonismo” que quase destruiu os EUA nos anos 1930. Ou flexibilizar a política fiscal para acomodar o choque?
24/ E para não cair no sofismo dos “pastoretes” (Pastore é melhor que seus seguidores e não faz isso), a opção de flexibilização fiscal no curto prazo não impede (e pode até ajudar) a realização de reformas de longo prazo.
25/ Traduzindo para o Brasil de hoje, flexibilização fiscal transparente e bem focada pode recuperar o crescimento da economia e ajudar, em vez de impedir, a aprovação da reforma tributária, administrativa, etc.
26/ No resto do mundo, depois do fiasco da austeridade expansionista em recuperar o crescimento pós crise de 2008, o debate macroeconômico já mudou para como a política fiscal pode ser acionada, mesmo no mainstream.
27/ No Brasil ainda estamos presos em um “monetarismo de museu”, baseados em propostas mais ideológicas do que econômicas.
No mais, o artigo de Pastore está correto em dizer que o risco aparece em algum lugar, no câmbio ou na curva...
28/ Mas faltou dizer que o risco também não é eliminado por política fiscal que impede ou atrasa a recuperação da economia, enquanto esperamos os efeitos das reformas de longo prazo. Sem crescimento não há reequilíbrio fiscal e, como disse Keynes... (imagem abaixo)
FIM
*outro ponto importante
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2/Toda regra fiscal deve conter cenário de dívida pública e resultado fiscal (primário, corrente, operacional, nominal, estrutural, etc).
Mas meta de dívida pública é mais complicado, pois ela depende de juro e crescimento (r menos g), além de variações cambiais e esqueletos.
3/Colocar meta de dívida como gatilho para medidas automáticas de receita (tarifaço ou desoneração) e gasto (shutdown ou festa do centrão) é convidar problema.
Imagina uma variação súbita da dívida causada por choque cambial, ou por decisão do supremo.
"O professor da Universidade de São Paulo (USP) José Pastore afirma que a sanção da prorrogação da desoneração ainda neste ano é importante para não comprometer os planos de investimentos das empresas no ano que vem." g1.globo.com/politica/notic…
Há 10 anos: mudança da base de contribuição patronal ao INSS, da folha para o faturamento, inicialmente com desoneração. Na nova realidade do mundo do trabalho, esse é o caminho para evitar o fim do emprego formal. E em vez de debater o fim do sistema...
... seria mais útil discutir a elevação gradual da alíquota sobre o faturamento, de modo a aumentar os recursos para previdência social. Para quem acha que isso é coisa só do Brasil, segue o que o Japão fez em 2019 (depois de medida similar em 2014).
Regra fiscal problemática
+
Recusa em corrigir regra fiscal problemática enquanto havia tempo
=
Acúmulo de pressões econômicas e sociais que, quando explodem, geram saída desorganizada da regra fiscal problemática
Sobre tamanho do Estado do Bem Estar e nível de renda:
"There is no clear net GDP cost of high tax-based social spending on GDP, despite a tradition of assuming that such costs are large."
Do Peter Lindert, no NBER
rhttps://www.nber.org/papers/w9869
E o Lindert escreveu um livro sobre isso (por que tamanho de carga tributária e rede de proteção social é escolha política sem efeito negativo sobre nivel de renda)
Spoiler: democracias controlam excessos, para um lado ou para o outro.