Bom dia. Vou finalizar o fio que iniciei ontem sobre as gestões Dilma Rousseff. Antes, farei um pequeno resumo do que já postei. Lá vai (com enumeração nova)
1) O que procurei demonstrar é que Lula forjou uma lógica de gestão profundamente complexa, atualizando o modelo rooseveltiano de fomento ao desenvolvimento interno (sendo que Roosevelt foi muito mais impositivo que Lula) que se articulou ao presidencialismo de coalizão
2) Somente alguém muito hábil teria como gerir uma rede tão complexa de relações, fóruns e negociações de interesse. A montagem dos seus ministérios, quase sempre bifrontal, alimentava tensões em que o líder maior se apresentava como tercius nas contendas
3) Procurei demonstrar que Dilma Rousseff não tinha este perfil. Seu perfil foi sempre de tecnocrata, de ação nas áreas técnicas, não nas de estratégia ou arranjos políticos. Seu estilo sempre foi autocrático, quase selvagem, adotando uma forma extremamente agressiva
4) A resultante foi que, após a posse como Presidente da República, passou a mudar o rumo a cada ano: daquela que ouvia a oposição e imprensa e demitia ministro como se troca de roupa para a que pende à esquerda para, logo no outro ano, pender muito à direita. Chegamos a 2014
5) Aqui, inicio os dois anos da tragédia anunciada. Se seguirmos o Datafolha, a avaliação positiva do governo de Dilma, que havia despencado de 65% para 30% no período das manifestações de 2013, recuperou no final do ano, chegando a 41%
6) O gráfico que ilustra esta nota ajuda a perceber que o problema se manteria ao longo de 2014, com aprovação oscilando muito, mas despencaria nos primeiros três meses de 2015. Vou analisar mais de perto.
7) 2014 foi um ano importante para a política nacional. Foi o ano em que sediamos a Copa Mundial de Futebol. O primeiro semestre foi todo dedicado a criar as bases para forjar um país "paz e amor". Leis draconianas, Manual de Garantia da Lei e da Ordem, padrão FIFA de lucros...
8) E muita paulada de PMs sobre manifestantes. Os protestos contra a forma como se impôs a lógica FIFA no Brasil foi organizada por comitês da Copa organizadas nas 12 cidades-sede dos jogos. Aqui em BH, o nome do comitê foi mais nítido: Comitê dos Atingidos pela Copa
9) (fiz uma parada para receber meu netinho que toda manhã fica conosco) Retomando.... Se você olhar atentamente a aprovação do governo ao longo de 2013 e 2014, perceberá que não há uma tendência de queda, mas de oscilação num patamar mais baixo do que ocorria anteriormente
10) Então, a tese que 2013 foi uma manipulação da direita não se sustenta. Se tivesse sido, teria sido muito frágil porque não derrubou o governo, embora tenha abalado a confiança nos patamares Lula de aprovação. Lembremos que Dilma venceu as eleições de 2014.
11) O que fez Dilma Rousseff conquistar a reeleição? Uma potente capacidade técnica de agir nas redes sociais. Este é outro mito que gente desinformada do próprio campo progressista vem alimentando: a que a esquerda não sabe atuar nas redes sociais. Uma bobagem sem tamanho
12) Postei aqui os áudios que Franklin Martins fez para um grupo de whatsapp que coordeno. Vou postar novamente nesta nota. Ele foi o artífice principal da vitória de Dilma. Aqui está o áudio: soundcloud.com/user-778786675…
13) Com base em uma farto arsenal de dados quantitativos, qualitativos e leitura de algoritmos, destruíram a candidatura de Marina Silva e, já no segundo turno, a de Aécio Neves. Comentei este fenômeno na Folha de São Paulo: www1.folha.uol.com.br/paywall/login.…
14) A campanha de 2014 foi um primor de estratégia, habilidade política, capacidade de leitura dos dados e construção de consensos. A vitória foi tão desconcertante que provocou a reação - que sempre existe em política - nas mesmas proporções.
15) Aécio Neves, de aliado preferencial de Lula durante suas gestões - há deputados do PT que lamentam serem censurados pelo governo federal toda vez que criticavam o governador mineiro - passou a ser adversário e, depois de 2014, inimigo. Escrevi um livro a respeito
16) Contudo, Dilma se reelege e dá um "chega pra lá" na coordenação de campanha. Rejeita 5 indicações de ministros feita por Lula. E desarticula um acerto envolvendo Rede TV, BNDES e Folha de São Paulo que daria projeção à Franklin Martins. Dilma decidiu fazer carreira solo
17) Já contei aqui que em meados de 2014, fiz análise de conjuntura para a CNBB, em Brasília. Neste dia, movimentos sociais de destaque, como MST, Marcha das Margaridas, além de organizações como CIMI, pastorais, as duas frentes pela reforma política estavam presentes
18) Fiz uma análise da conjuntura com tom moderado e fui surpreendido por falas de todas organizações muito mais ácidas à performance de Dilma Rousseff. Todos diziam que Dilma escolhia o caminho da direita, que não apoiariam a eleição de Aécio, mas que avaliavam o estrago
19) Dilma Rousseff já não tinha o apoio dos movimentos sociais do país. E também tinha perdido apoios importantes na esquerda partidária, incluindo o PT. Lula se afastava, irritado, das decisões. Não somente Lula, mas a cúpula histórica do PT, como Zé Dirceu.
20) Dilma toma posse em 2015 e comete uma das maiores derrapagens políticas que presenciei na minha vida. Durante toda a campanha, tinha afirmado que em momento de crise, a escolha do PT era ficar com os pobres. Era uma diferenciação nítida em relação ao pacto de austeridade
21) Havia uma gritaria sobre a retomada da inflação. O IPCA, que mede a inflação oficial, fechou o ano de 2014 com uma taxa de 6,41%. O índice estava abaixo do teto da meta de inflação do governo federal (6,5%), mas maior que a de 2013 (5,91%)
22) Em 2015, o IPCA continuou crescendo e Dilma arriou. Cedeu ao discurso do mercado. Fez algo parecido com sua prática política em 2011: aproximou-se perigosamente de adversários e inimigos.
23) A política levyana que adotou foi um desastre. Levy, homem do Bradesco formado em Chicago, tinha sido secretário do Tesouro Nacional e assumiu o Ministério da Fazenda de Dilma Rousseff. Mais tarde, iria para o governo Bolsonaro
24) A adoção de medidas de austeridade que fizeram a alegria de especuladores e o desespero de pobres (com taxas de juros elevadas, acabava o crédito popular e com desvalorização do real, destruía seu poder de compra). Dilma capitulava e se fragilizava junto aos eleitores
25) O PT e Lula se desesperaram no período. Tive uma conversa com um dos petistas mais próximos de Lula em meados de 2015. Percebi a gravidade da situação. Neste momento, Temer articulou uma reunião em sua residência oficial com mais de uma dezena de lideranças partidárias
26) Nesta reunião na residência de Temer, estava um representante do PT RS, um deputado nitidamente de esquerda, ex-dirigente da CUT. Temer foi claro: governaria com os partidos presentes. Em plena gestão Dilma. O governo estava totalmente isolado. Perderia a base em cascata
27) Já disse que fazer este fio não me deixa tranquilo. Mas, acho necessário. Há teses absolutamente furadas sobre a queda de Dilma. Teorias conspiratórias, acusação sobre manifestantes de 2013, machismo e outros argumentos muito frágeis e que fogem da leitura sobre nossos erros.
28) Chegou a hora de avaliarmos com rigor e a partir de vários ângulos, sem qualquer viés de convicção. Somente assim, poderemos evitar liberalismos na esquerda e retorno aos erros crassos, quase infantis, que nos levaram ao atual estágio (FIM)
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Bom dia. Venho alertando para um certo oba-oba que envolve o campo progressista brasileiro (em especial, a base social-militante do lulismo, que vai além do PT) com a denúncia da PGR contra Bolsonaro et caterva. O fio é sobre isso: uma explicação sobre este alerta.
1) Quanto ao julgamento pelo STF, a grande imprensa ventilou a possibilidade de tudo ser finalizado ainda neste semestre. Considero um desatino típico da linha editorial sensacionalista em busca de likes. O mais provável é a sentença ser proferida em setembro ou outubro.
2) Se minhas projeções são razoáveis quanto ao calendário de julgamento, teremos um longo intervalo de 7 a 8 meses de muita turbulência pela frente. Já se esboçam algumas frentes da ofensiva bolsonarista: uma de massas e outra política, além da jurídica.
Bom dia. Postarei um fio sobre o "equilíbrio dinâmico" da política nacional. A fala de Hugo Motta sobre o ato terrorista de 8 de janeiro gerou grande agitação nas redes sociais. Contudo, a intenção não parece ter sido muito além disso: agitação. Vamos ao fio:
1) Vou começar com a "régua ideológica" da política brasileira. Para tanto, começo diferenciando esquerda de direita e ambas do extremismo. Esquerda é denominada a força (ou forças) política que luta pela igualdade social.
2) Já a direita enfatiza a diferença entre indivíduos (forte de fracos, inteligentes de pouco inteligentes, ambiciosos de indolentes) que eles classificam como base da "liberdade individual". Por aí, direita justifica a desigualdade social como fundada na diferença.
Bom dia. Inicio um fio sobre o livro de Leonardo Weller e Fernando Limongi, “Democracia Negociada”, que trata do período que vai do final da ditadura militar à queda de Dilma Rousseff. Lá vai:
1) O livro se constitui numa ilustração da encruzilhada que vive a sociologia brasileira. No século passado, grande parte da produção sociológica voltava-se para a leitura dos pares. Já no século 21, ficou patente que ser reconhecido pelos pares não bastava.
2) Dada a banalização da carreira, sociólogos passaram a buscar o grande público, cortar os excessos em citações, adotar títulos e capas chamativas, para além dos muros das universidades e think tanks muito especializados.
Bom dia. Prometi um fio sobre os atos terroristas de 8 de janeiro. E, também, sobre a origem de certo descaso popular em relação aos riscos à nossa democracia. Acredito que a fonte para as duas situações é a mesma. Lá vai:
1) Acredito que o ponto de convergência é o legado de 300 anos de escravidão no Brasil. De um lado, forjou uma elite nacional socialmente insensível e politicamente violenta, sem qualquer traço de cultura democrática
2) Nosso empresariado é autoritário e autocrático, como demonstram tantos estudos acadêmicos. Além de majoritariamente com pouca instrução, nosso empresariado desdenha eleições e procura se impor pelos escaninhos dos parlamentos e governos
Bom ida. Começo o fio sobre o futuro presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Mais um que tem seu poder local pavimentado pelas emendas parlamentares, a base do poder do Centrão. Lá vai:
1) Alcolumbre tem 47 anos e nasceu em Macapá. Trabalhou no comércio da família. Se elegeu vereador pelo PDT em 2000. Foi secretário de obras do município e em 2002 foi eleito deputado federal, sendo reeleito por 2 vezes. Em 2006, foi para o DEM
2) Em 2014, conseguiu a proeza de se eleger senador pelo Amapá, até então, um quase-protetorado dos Sarney. Aí começa sua saga nacional. Em 2019 é eleito presidente do Senado Federal, se reelegendo em 2022.
Bom dia. Aqui vai o fio sobre Arthur Lira. Daqui um mês, Arthur Lira deixa a presidência da Câmara de Deputados. Ele foi mais um da sequência iniciada com Severino Cavalcanti que passou a assombrar o establishment desta casa parlamentar
1) Severino foi apenas um susto. Mas, logo depois, veio o bruxo que alteraria de vez não apenas a lógica de lideranças e poder na Câmara de Deputados, mas a relação com o governo federal: Eduardo Cunha.
2) Lira entra nesta sequência, dando mais um passo na direção da subversão da lógica entre os três poderes: avançou sobre os governos Bolsonaro e Lula, chantageou à céu aberto e enfrentou o STF.