"Puxa, mas como você pode reivindicar a Revolução Chinesa, olha o tanto de gente que morreu".
(alerta de gatilho)
Bom, é complexo. Eu reconheço que os erros cometidos ao longo da Revolução são terríveis, com alto custo humano. Mas reconheço também que...
...a situação da China, sem revolução de 1949, era muito pior. O quão pior?
Bem, só para tocar na questão da fome. É consensual para o próprio governo chinês que a política desastrosa do Grande Salto Para Frente matou 20 milhões de pessoas.
Mas as cifras variam conforme o método dos historiadores. Frank Dikköter, por exemplo, estima em 45 milhões - mas é acusado de inflar os números com estatísticas pouco ou nada confiáveis. Yang Jisheng fala em 36 milhões, mas há desconfiança também: sci-hub.st/https://www.js…
Para não ficar numa contagem macabra de corpos, de 20 a 45 milhões de mortos em um espaço de quatro anos. Um horror.
Mas a fome era uma realidade chinesa antes do desastroso Grande Salto...
Durante a rebelião Taiping (1850-1871), se acredita que 10 a 30 milhões de pessoas morreram, numa estimativa que inclui vítimas de fome e doenças relacionadas.
Entre 1876-1879, a Grande Fome no Norte da China ceifou de 9 a 13 milhões de mortos.
Em 1907 uma fome generalizada matou algo em torno de 25 milhões de pessoas.
Tem também as fomes no período republicano chinês, mas essas são muito difíceis de encontrar registros demográficos apurados, afinal, desde 1916, o Estado chinês se fragmentou em senhores da guerra.
Em escala, o Grande Salto pode ter matado mais ou menos a mesma cifra desses anos específicos do imperialismo chinês, com o problema de fazer isso num curtíssimo espaço de tempo (4 anos). Foi uma política desastrosa, baseada na ideia de...
...superar o desenvolvimento tecnológico inglês por meio de um salto industrial que começaria do campo para a cidade. Muito voluntarismo, pouco planejamento, tensões entre poderes locais e centrais e uma dose de confiança na infalibilidade do líder.
Deu errado? Deu muito errado! Deu tão errado que Mao chega, no início dos anos 1960, completamente desprestigiado...e, em certo sentido, a Revolução Cultural acabou sendo uma resposta da sua ala, mais escanteada nos debates internos do partido, para que ele retomasse o poder.
Essas idas e vindas e suas consequências são fruto da revolução? Sem dúvida. Mas até que ponto a fome do Grande Salto, aplicada por políticas tenebrosas e mal feitas, pode ser atribuída ao socialismo? As fomes do século XIX e XX podem ser atribuídas ao capitalismo?
Se sim, o que nos resta é só a contagem macabra de corpos para saber qual sistema é superior?
Nesse aspecto, me parece que a grande força do maoísmo está menos nas suas políticas de Estado - às quais tenho poucos acordos - e mais na sua teoria revolucionária.
Teoria essa que inspirou a luta de libertação nacional ao redor do planeta. Sem a Revolução Chinesa de 1949, teríamos um mundo todo em luta aberta contra o imperialismo, como foi ao longo das décadas seguintes?
É difícil saber.
Da mesma forma, é difícil separar o quanto certos crimes não foram cometidos em prol do compromisso da "luta anti-imperialista".
Mas que estes sejam julgados com mais dureza do que os crimes do imperialismo só mostra aí uma desproporção estratégica.
PS: Se me perguntarem onde me situo com esse legado todo, eu tô do lado da inspiração de que os subalternos do mundo podem e devem fazer a história, sem a permissão do partido ou da vanguarda. E a hora é agora.
Dormi mal ontem por causa do horror do que houve ontem em Gaza, do massacre de civis que buscavam alimentos.
Parece que segundo os monopolizadores da memória do holocausto, não se pode fazer comparações com o nazismo.
Beleza. Vou lembrar do que houve na Índia, em 1919.
Nesse ano, os ingleses praticamente sepultaram todas as conversas com os líderes indianos para um plano de independência. E, tão logo a 1ª GM acabou, os ingleses promulgaram o Rowlatt Act, uma lei que permitia que o governo colonial britânico prendesse qualquer pessoa...
...suspeita de participar de qualquer atividade contrária ao governo colonial. E mais: elas sequer teriam acesso aos processos. Kafka é fichinha.
Na região do Punjab, ao longo dos meses de março e abril, uma série de protestos contra a lei deixaram os governadores e chefes...
É preciso que se diga uma coisa sobre negacionismo do holocausto.
Um dos maiores nomes críticos a esse negacionismo foi um historiador francês e judeu chamado Pierre Vidal-Naqet.
Vidal-Naqet escreveu, em 1987, um livro chamado "Os assassinos da memória", onde desfere duras críticas a acadêmicos e a imprensa por darem palco aos chamados intelectuais negacionistas.
Baseada numa falsa ideia de "arena pública", muita gente acabou abrindo espaço para negacionistas preferirem as maiores mentiras sobre a Shoah. E, em alguns casos, com o aval de intelectuais renomados (como Noam Chomsky, p. ex.).
Por ocasião do conflito, tenho tentado retomar leituras sobre movimentos israelenses e palestinos que lutaram contra o sionismo ao longo do século XX.
Um dos mais interessantes foi o Matzpen:
Durante a Guerra dos Seis Dias, o Matzpen se aliou com grupos palestinos para denunciar a guerra e exigir a "des-sionização" de Israel. A defesa era da criação de um Estado único e secular para árabes e israelenses.
Na verdade, nos anos 1960 e 1970, uma parcela significativa da esquerda israelense era anti-sionista. A Guerra dos Seis Dias foi determinante nesse sentido, mas os "rachas" entre a esquerda (inclusive os comunistas) era anterior.
Em 1967, as cortes israelenses criaram dois sistemas jurídicos distintos. A jurisprudência dos territórios ocupados é coordenada por tribunais militares.
Ontem eu postei um mapa que o Irgun divulgava sobre o projeto de Erez Israel, na década de 1930 - e que manteve-se fiel a ele em 1940.
Fui acusado de antissemitismo por isso. Mas antes de dar processo a rodo, vou dar aula de história.
A história do Irgun remete ao sionismo revisionista de Ze'ev Jabotinsky. Na formação do sionismo político israelense após 1917, Jabotisnky liderou um grupo de sionistas que contestava o pragmatismo de líderes como Ben Gurion.
Para eles, a Palestina deveria ser conquistada...
...militarmente. E isso implicava (nos anos 1930, ao menos) num governo militarista e autoritário. Jabotinsky era um grande admirador do fascismo italiano e de Benito Mussolini.
Mas para além da conquista da Palestina, Jabotinsky defendia a criação da "Grande Israel".
7 livros que fundamentaram as minhas concepções sobre a questão Palestina:
1) "A questão da Palestina", de Edward Said. Um livro inescapável. A partir da história da colonização israelense na Palestina durante os anos do mandato britânico, o autor mostra como a identidade palestina se construiu num "não-direito" à terra.
2) "The Palestine Nakba", de Nur Masalha. Infelizmente, sem tradução, mas um livro poderoso que retoma a importância de entender um projeto de História decolonial por meio da memória dos palestinos sobre a Nakba, a "catástrofe", ocorrida em 1948.