1/ Segue minha avaliação sobre o estudo da #nitazoxanida publicado (ainda sem revisão por pares) hoje.
Estudo com vieses e limitações importantes e algumas inconsistências nos resultados.
Acompanhe👇. medrxiv.org/content/10.110…
2/ Ensaio clínico randomizado (1:1), multicêntrico (5), duplo-cego controlado por placebo em pacientes com covid-19 leve com objetivo de avaliar efeito do tratamento com nitazoxanida na resolução dos sintomas em 5 dias (desfecho primário de questionável relevância clínica).
3/ Primeiro problema sério: desfecho primário registrado no ClinicalTrials.gov NCT04552483 e no material suplementar é outro: TEMPO de febre, tosse e fadiga em 8 dias; ou seja, inconsistência na informação e aparente modificação não registrada do desfecho primário
4/ Inclusão: um ou mais dos sintomas: tosse seca, febre ou fadiga. Sintomas iniciados a <=3 dias. Após contato telefônico para os pacientes com PCR+, eles deveriam retornar ao hospital para serem randomizados (viés de seleção)
5/ Exclusão: PCR negativo; comorbidades preexistentes que “impedem o uso seguro” da droga (doença renal, cardíaca, respiratória ou hepática severas, ou doenças auto-imunes, ou câncer nos últimos 5 anos. Doença severa sem definição.
6/ Cegamento: dúvida quanto a formulação do placebo. Nitazoxanida solução via oral é amarelo rosada, contém essência de morango e sucralose. Placebo pelo descrito só teria cor semelhante. Isso pode interferir no duplo cegamento e consequentemente na avaliação de alguns desfechos>
7/ ...incluindo resolução dos sintomas e na própria coleta do material para avaliar carga viral, já q condições pré-analíticas são essenciais p este tipo de exame.
Tamanho da amostra: realizado p/ redução de dias livres de sintomas, q é o desf 1o registrado, mas ñ o do estudo.
8/ 58 (12,2%) pacientes excluídos pós-randomização, sendo que 41 por “descontinuação do tratamento”, “efeitos adversos” (n=7) e “hospitalização” (n=10)! Procedimento inadequado--> excluir pós randomização. Não realizada análise por intenção de tratamento.
9/ Total: 392 pacientes analisados: 194 nitazoxanida/198 placebo
População predominantemente de brancos, jovens (~2/3 <40 anos e ~95% com menos de 60), sem comorbidades, e não obesos. --> Confirmando limitação na validade externa esperada pelos critérios de inclusão/exclusão.
10/ Mediana (intervalo interquartil) do início dos sintomas para tratamento= 5 (4-5) dias ambos grupos.
Carga viral (log) em nasofaringe na base muito semelhante: 7.06 (5.77-8.13) e 7.49 (6.15-8.32). Laboratoriais de base sem maiores alterações.
11/ Desfecho primário: resolução dos 3 sintomas (tosse, febre, fadiga): 70% no grupo nitazoxanida e 74% no placebo (diferença sem significância estatística, p=0.42). Resoluções de tosse, febre e fadiga não definidos por critérios objetivos, mas por questionário auto administrado.
12/ ...Limitação fica menor se cegamento adequado, mas muito comprometida se problemas no cegamente como anteriormente comentado.
13/ 2 dias depois (D7) [desfecho NÃO registrado no protocolo], e aqui aparece aspecto confuso/inconsistente do estudo, os autores reportam que 38 (78% de que?) pacientes com nitazoxanida e 26 (57% de que?) no placebo reportaram resolução completa nos sintomas, p=0.048.
14/ Além de não estar registrado, parece ter sido um desfecho enxertado pós-análise, ele não inclui a totalidade de pacientes no 7º dia, mas aparentemente é uma análise das diferenças daqueles que não tinha melhorado até o 5º, porém, não encontrei consistência nos números.
15/ Desfechos secundários previstos para serem avaliados no dia 8 conforme registro no clinicaltrials.gov e no material suplementar foram todos avaliados no dia 5. Não explicado motivo. Problema importante que deverá ser apresentado na versão final do artigo.
16/ Desfechos secundários favoráveis à nitazoxanida: 1) carga viral (log) em 5 dias, mediana (IIQ): nitazoxanida 3.63 (0-5.03) e placebo 4.13 (2.88-5.31) p= 0.006 diferença de 0,5 log em 5 dias.
17/ Desfecho sem relevância para o paciente e mínima, se existente, relevância para controle da epidemia: Improvável que efeito dessa magnitude possa reduzir a transmissão do vírus.
18/ Proporção de % de positivos em 5 dias: nita 70%/ placebo 82% p<0.01. Idem comentários anteriores. Lembrando que esse desfecho era previsto para o D8.
Em relação aos desfechos 1arios registrados, grafico abaixo auto-explicativo
19/ Única menção encontrada sobre modificação do protocol não muito esclarecedora: Material suplementar: “Initially, we planned on following patients until D8, regardless of final RT-PCR test result. However, the follow-up period was revised: patients who remained symptomatic 1..
20/ ...day after completion of the 5-day course of therapy were followed for a further week, then contacted by telephone for assessment of clinical criteria and medical advice”. Não explica modificação do primário para % em 5 dias e inclusão do % de sem sintomas em 7 dias.
21/ Efeitos Adversos: semelhantes entre os grupos. Tendência a sintomas gastrointestinais mais frequentes no grupo nitazoxanida e maior número de pacientes com alteração da cor da urina.
22/ Impressão geral: sem diferenças clínicas e laboratoriais. Efeito em CV c/ mínimo, se não irrelevante, significado clínico. Diferença em 7 dias em favor de nitazoxanida carece de explicações pois desfecho não registrado no protocolo e com inconsistência nos números absolutos.
23/ ADENDO importante 👉 a carga viral no baseline é 0,43log SUPERIOR no placebo e no D3 é 0,50log. Descontado isso, a diferença inexiste: 0,07log!
O ideal seria fazer uma regressão linear simples e comparar os coeficientes beta. Dificilmente teríamos diferença.
*há
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