Thread by @talitastt

🇨🇱 Plebiscito no Chile:

A vitória de ontem é contundente. 80% dos eleitores decidiram que uma nova constituição será redatada em um processo constituinte com paridade entre homens e mulheres. Mas o que isto significa e o que vem pela frente? +

Significa substituir uma constituição que tem um problema de legitimidade de origem. De uma democracia "semissoberana" ou "protegida". De um neoliberalismo que seria, no máximo, "corrigido" ou "com rosto humano". É devolver o poder constituinte ao povo. Isto não é pouca coisa. +

Os derrotados são Piñera - a coalizão Chile Vamos - e os apoiadores do Rechaço. Além das 3 comunas mais ricas de Santiago e onde vive toda a cúpula política, militar e empresarial do país, eles triunfaram na Antártica e em Colchane, onde há forte presença das Forças Armadas. +

Quer dizer, o Rechaço triunfou em apenas 5 das 346 comunas do país e o Chile não é um país dividido como eles quiseram fazer crer. O apoio ao Aprovo foi expressivo entre jovens e mais pobres. A participação eleitoral aumenta nas comunas populares e diminui nas comunas ricas. +

É uma derrota para a direita chilena e para o seu programa político. Bachelet ensaiou um processo constituinte que Piñera, ao tomar posse, interrompeu. Os empresários a que ele se reportou ficaram felizes, mas e a população? A resposta veio nas ruas. +

Mas não nos enganemos. A direita chilena é EXTREMAMENTE forte e não pode ser subestimada. A convergência entre os seus dois principais partidos (União Democrática Independente e Renovação Nacional) é forte e eles juntos detém o poder político, militar e empresarial do país. +

Depois da alegria vem a reflexão. A participação foi de 50,9%. É a votação mais massiva desde 2012, apesar da pandemia e dos 14 mil mortos por Covid-19. Mas ainda assim é um problema. Para a legitimidade do processo, é fundamental mobilizar esta metade que não votou. +

O que vem pela frente? Em 11 de abril de 2021 é a eleição para definir quem serão os constituintes. São 9 meses para redatar uma nova constituição e o prazo é prorrogável por 3 meses. O texto será submetido a um plebiscito ratificatório com voto obrigatório. TEM UM PORÉM. +

Em 2021 são as eleições municipais e para governadores regionais (neste mesmo 11 de abril). E também presidenciais e para o Congresso Nacional. Com 3 processos ocorrendo no mesmo ano, a coordenação política eleitoral é IMPERATIVO ao exito tanto da esquerda quanto da direita. +

Elenco 3 desafios da esquerda:

1) Estão sendo discutidas as reservas para povos originários no processo constituinte. Eles são 12,8% da população e demandam 12 vagas. Garantir esta representação é fundamental para a legitimidade da Constituição e para a inclusão destes povos. +

2) Já pontuei que a esquerda chilena tem um problema imenso de legitimidade e enraizamento. Ela foi sacudida em 2019 e tá tentando responder a isso. É fundamental que Frente Ampla, ex-Nova Maioria e Partido Comunista tenham coordenação - os riscos de uma divisão são imensos. +

3) Esta jornada precisa se converter em um grande processo deliberativo constituinte. Que gere adesão e legitimidade. É preciso diminuir a distância entre a sociedade e a política. Gonzalo Delamaza explica bem o que está em jogo no artigo abaixo: +

eldesconcierto.cl/2020/10/24/pro…

Eu me emociono diariamente com Gustavo Gatica. Ele perdeu a visão nos dois olhos durante os protestos de 2019 e tem sido um exemplo de firmeza e de esperança. A sua mensagem de ontem sintetiza o que é preciso fazer neste caminho que está apenas começando. +

Não há garantia que o Chile tenha uma Constituição como a do Brasil - ela é a inspiração. Mas a democracia é a incerteza organizada e isto para os chilenos é inédito. Eles tem direito a escrever a sua própria história. A minha torcida? Está sintetizada na imagem abaixo.