Como se consegue uma vacina contra o SARS-CoV-2 num ano em vez de dez anos? - Uma breve explicação (1/9)
O processo de desenvolvimento de vacinas não apresenta a mesma dificuldade para todos os vírus. Há casos, como o do sarampo e da rubéola, em que o processo é mais linear. Recorre-se a vírus no estado inativado ou atenuado, ou a fragmentos (proteínas) dos vírus. (2/9)
Outros são mais desafiantes. É o caso de vírus que (i) sofrem muitas mutações (HIV-1 e o vírus da gripe), que (ii) se escondem e ficam adormecidos até serem reativados (HIV-1 e herpes), e/ou (iii) com fraca imunogenicidade. Por reunir estas três características, (3/9)
é que o desenvolvimento de uma vacina para o HIV-1 se tem revelado tão desafiante apesar de anos de pesquisa. Pelo que se sabe até agora, o vírus SARS-CoV-2 responsável pela pandemia COVID-19 tem uma taxa de mutação modesta e bastante imunogenicidade, (4/9)
o que o torna num bom candidato ao desenvolvimento de uma vacina. O facto de se terem desenvolvido várias vacinas, num curto intervalo de tempo, deve-se não só a estas características, mas também ao facto de se terem transferido tecnologias que foram sendo aprimoradas (5/9)
nas últimas décadas no desenvolvimento de vacinas para o HIV-1. Para além disso, o desenvolvimento de vacinas para o SARS-CoV-2 beneficiou também de todo o trabalho de investigação que foi feito em 2003/2004 aquando do surto pelo vírus SARS. (6/9)
Nessa altura os cientistas identificaram o melhor antigénio a proteína “spike” para induzir a produção de anticorpos protetores. Graças ao esforço da comunidade científica o “spike” do SARS-CoV-2 foi sequenciado em tempo recorde permitindo o desenvolvimento célere de candidatos
a vacinas. Por último houve uma simplificação da burocracia no processo de avaliação das vacinas, sem, no entanto, comprometer o seu rigor, e a par de um enorme investimento financeiro pelas companhias farmacêuticas. A vacina não começou a ser desenvolvida há 10 meses...
O seu desenvolvimento teve início há ~15 anos quando se identificou o antigénio que a ser usado nas vacinas dos vírus da família SARS. Começaram também nessa altura, a serem testadas as formulações que estão a neste momento a ser usadas pelos principais candidatos a vacinas.
Um muito obrigada à @mserranocorreia pela edição do texto original. O texto neste thread sofreu ainda mais uns cortes.
🇵🇹: Com o avanço da vacinação acho que seria inevitável. Nos últimos dias, várias pessoas me têm perguntado se a toma da vacina resulta em testes de diagnóstico ao SARS-CoV-2 positivos. A resposta é não, quer se trate de testes moleculares (pcr) ou de antigénio (1/n).
E a primeira razão para isso é que a vacina (qualquer uma das que estão disponíveis) só usa um fragmento do vírus: a proteína "spike" (ou, espícula em português) e os testes de diagnóstico detectam outras partes do vírus que não estão contidas na vacina (2/n).
A segunda razão, prende-se com a via de administração da vacina (parentérica), com a dose e com o facto de todas as vacinas serem não replicativas. Conjuntamente, estas razões tornam altamente improvável a detecção de componentes da vacina nas vias áereas superiores (3/n).