Vamos a uma thread sobre a curiosa história da Dívida Pública Brasileira (com pitadas de sistema bancário, política monetária e tudo mais).
Tudo o que ninguém quer ler numa sexta-feira.
Ok, a história da dívida do Brasil começa lá atrás, quando isso aqui ainda era colônia (1500~1808).
Os governadores (que eram tipo uns reizinhos na época) pegavam empréstimos como dívida pública. Como isso aqui é Brasil, obviamente o público já se confundia com o privado.
Daí, em 1808, vem a galera lá de Portugal pra cá com corte e tudo e você imagina: "vão por fim à baderna!"
De forma alguma.
Ok, eles até criaram a Caixa de Amortização pra cuidar da dívida pública e separaram o que é dívida do governante e o que é dívida do país.
O problema é que eles também criaram o famigerado Banco do Brasil (naquela época, ele bancava oficialmente os gastos do governo).
E pra dar uma mãozinha ao primogênito, praticamente impediram que qualquer outro banco aparecesse por aqui.
O resultado? Um sistema financeiro patético.
A vida dá voltas. Chega a República e rola o óbvio: o governo quer gastar, mas não tem dinheiro.
A alternativa? Dívida.
Acontece que... praticamente não tem sistema financeiro. Então, quem vai comprar os títulos da dívida?
Inclusive, esse é um exemplo curioso de como dá pro governo não conseguir se financiar internamente.
Bom, sem conseguir dinheiro emprestado e sem poder aumentar os impostos (tempos agitados, qualquer coisa poderia terminar numa revolta), só restou emitir moeda.
A questão é: quem vai emitir a moeda? (segura aí que essa é boa)
"O Banco do Brasil"
Depois vocês não sabem por que até hoje esse negócio é uma suruba. Ah, 1923 isso aí, só pra situar. Ano seguinte e os EUA vê o sistema financeiro quebrar. A gente era malandro e nem tinha😎
A gente demorou pra cacete pra ter Banco Central.
Em 1945 criaram a SUMOC (ver algum livro de Roberto Campos), que junto com o Banco do Brasil fazia o papel de Banco Central.
Nessa época aí quem emitia moeda era o Tesouro (não vejo como pode dar errado).
Pra quem não tá muito acostumado com essa história, os bancos (Itaú, Bradesco, Santander) têm contas no Banco Central, que é o banco dos bancos.
É o Banco Central quem emite moeda e faz política monetária (em geral, controlar a taxa de juros).
Naquela época:
- As contas eram no Banco do Brasil
- A emissão de moeda era feita pelo Tesouro
- A política monetária (ridícula) era feita pela SUMOC
Óbvio que ia dar merda.
Quando a SUMOC tentava reduzir a quantidade de dinheiro em circulação (pra controlar a inflação) por meio do aumento dos depósitos compulsórios, o Banco de Brasil ficava com mais reservas (sim, nenhum sentido) e emprestava mais dinheiro, fudendo tudo.
É aí, meus caros, que a inflação começa a sair do controle.
Claro, leva um tempo até chegar naquele ponto que todo mundo fala "cacete, que inflaçãozona" (~1980). Outras coisas também ajudam o negócio a degringolar.
Se você acha que o Brasil hoje é meio bizarro, eu te garanto que há 70 anos era bem pior.
Existia, por exemplo, a Lei da Usura: qualquer taxa de juros acima de 12% a.a. era proibida (não preciso nem dizer que isso destruiu as chances de alguém pegar empréstimo).
Eis que em 1965 cria-se o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo). Com ele:
- Criação do Banco Central
- Criação de um título chamado ORTN, que corrigia o dinheiro pela inflação (e só a alimentou ainda mais)
Isso tudo foi uma tentativa de criar um mercado de dívida pública
Afinal, como que o governo vai gastar mais sem imprimir dinheiro se não tem como emitir dívida direito?
É legal lembrar que política monetária se faz através da dívida pública e, bom... é difícil fazer isso sem um mercado de dívida pública.
Agora sim, com a casa arrumada, a dívida pública saiu de míseros 0,5% do PIB em 1965 para 4% em 1969.
Ah, caso você esteja pensando em comentar "o erro começou aí, era pra ter continuado com 0,5% PIB!!!", já posso te adiantar que isso não faz sentido nem para empresas privadas.
O problema da ORTN (posfixado) é que ele era um título de longo prazo.
Ótimo pra financiar dívida, péssimo pra fazer política monetária.
Por isso, em 1970 eles criam a LTN (essa vocês conhecem). Prefixado, prazo menor.
Acontece que pela Lei Complementar nº 12 de 1971, quem ficou com a responsabilidade de emitir e administrar a dívida pública foi o Banco Central.
Com isso, a LTN, que foi criada pra política monetária, acabou sendo usada pra financiar o governo.
Daí vem algo curioso.
- Em 1971 teve o choque dos juros internacionais com o fim do sistema Bretton Woods.
- Em 1973 o 1º choque do petróleo
- Inflação cantava solta no Brasil e "risco fiscal" já era palavra da moda
Com tantos riscos ao mesmo tempo, adivinha o que rolou? Ninguém queria "emprestar a longo prazo" aqui pro governo do Brasil.
Daí o prazo da dívida ficou cada vez menor
Depois disso, a coisa mudou um pouco.
- Puseram fim à ORTN e criaram 2 títulos: a OTN (de prazo 1~20 anos) e a LBC (tipo uma LFT, atrelada a taxa selic) que era só pro Banco Central fazer política monetária.
- Acabou que em 1987 a LBC já correspondia a 71,3% da dívida.
- Em 1987 finalmente criaram a LFT, pra substituir a LBC.
- Em 1989, se preparem, 98% da dívida era em LFT.
- Isso fez com que a dívida parasse de ser indexada à inflação (ORTN) e passasse a ser indexada à taxa selic overnight.
Pra dar um descanso na mente, dá uma olhada em como a dívida interna foi evoluindo como % do PIB
1988, ano da Constituição. Nela, fica registrado que o Banco Central está impedido de financiar o Tesouro.
Ótimo passo pra acabar com a impressão adoidada de dinheiro.
Como vocês viram no gráfico, a dívida tava indo ao infinito e além.
Collor, criativo como era, congelou 80% dos ativos financeiros do país. Aproveitando que já tinha feito merda, trocou na marra os títulos de dívida que estavam no mercado pelo Bônus do Tesouro Nacional (BTN)
O BTN dava uma correção de 6% a.a. (bem menos do que os investidores ganhavam antes quando investiam na LFT, que rendia Selic).
O Brasil reduziu a dívida, mas perdeu toda a credibilidade.
Sem credibilidade, rolar a dívida não estava sendo a coisa mais simples do mundo.
É aí, em 1991, que eles criam as NTNs:
- NTN-D: indexada ao dólar
- NTN-C: indexada ao IGPM
- NTN-H indexada à Taxa Referencial (aquela TR da poupança)
Depois de 5 mil planos pra tentar controlar a inflação, finalmente, em 1994, vem o Plano Real.
Não vou entrar a fundo aqui, daria pra fazer uma thread inteira só sobre isso.
O fato é que o plano exigia que o câmbio fosse "fixo". Isso significa que o BC aumentava o juros para manter o dólar num patamar baixo.
Pra você ter ideia, entre 1995 e 1999 o juro básico foi em média 34,15%.
E a gente reclamando de um aumento de 0,75%.
Com a casa arrumada, o perfil da dívida melhorou um pouco.
O governo conseguiu emitir LTNs com prazo de 2 anos (lembrando que antes quase toda dívida era em LFTs).
Infelizmente, em 97 tem crise da ásia e dps crise russa. Isso faz o governo voltar às LFTs.
Problema: LFT = retorno em Selic. Selic estava alta pra segurar o dólar.
O que isso significa? Dívida cara pra cacete e de curto prazo, o que faz ser difícil de rolar.
Felizmente, em 1999, o regime cambial saiu de fixo pra flutuante (isso também fazia parte do majestoso, incrível e espetacular Plano Real)🙌
Ok, demorou pra Selic cair, todo mundo tinha trauma de inflação. Mas melhor do que fixo.
Ah, desde 1998, o governo passou a ter metas de superávit primário (gastar menos do que arrecada). Em 2000 ainda teve a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Isso passou aos investidores uma visão de que as contas públicas iam se ajeitar aqui no Brasil (tadinhos, inocentes)
2003 pra frente é aquela maravilha.
Ciclo de commodities sai da jaula com a fúria de 10 ursos pardos pós hibernação, China puxando o mundo inteiro no muque, Brasil voando por ser exportador.
Tudo isso faz com o que o milagre aconteça...
Em 2007, após 500 ANOS, o Brasil consegue emitir o 1º TÍTULO PREFIXADO C PRAZO DE 10 ANOS (NTN-F 2017).
Pra você ter ideia, os EUA emitiu a T-Note 10Y pela 1ª vez em 1976.
Agora, por que eu escrevi isso tudo?
Porque hoje de manhã eu acordo e leio um artigo do Andre Lara Resende onde ele diz que:
Eu não tenho a menor pretensão de sugerir que eu saiba mais que o ALR, seria ridículo.
O cara viveu boa parte do que eu descrevi aqui e fez parte da criação do Plano Real.
No entanto, eu jamais vou concordar com alguém por medo ou admiração. O que importa são as ideias.
Por isso, fica aqui minha discordância: não vejo o menor sentido nessa afirmação que prazo da dívida não importa.
Dá pra citar 10 exemplos de como o prazo da dívida é relevante. Vou citar um simples.
Um mercado de dívida pública de longo prazo é essencial pra existência de um mercado de dívida privada de longo prazo.
Crédito de longo prazo é essencial para investimento privado. E investimento privado é essencial pro crescimento do país.
Quem analisa empresas sabe que até ~2015 era lugar comum empresas pegarem empréstimo lá fora, porque não se conseguia aqui dentro (a não ser BNDES).
Extra: evolução da composição da dívida por indexador
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Os 10 Melhores Livros de Valuation e Análise de Ações (imo) 🧵
1/ Narrative and Numbers - Aswath Damodaran
É o melhor livro não técnico que você pode ler para colocar o pé nesse mundo de análise fundamentalista, sem ter que se preocupar com matemática/contabilidade.
Damodaran, além de papa do Valuation, escreve de forma muito carismática.
2/ Competition Demystified
Este é um dos melhores e mais enxutos livros para explicar análise setorial que eu conheço.
É o conteúdo de um livro de microeconomia filtrado, condensado e com exemplos de empresas reais.
Quando a gente ouve falar do setor de telecomunicações na bolsa, muitas vezes o papo fica concentrado nas gigantes Vivo, TIM e Oi.
Entretanto, existem outras formas interessantes de se expor a esse setor no Brasil.
Este é o nosso Guia Completo de Telecom. 🧵
Nesse thread, você aprenderá:
1) Como funciona o mercado brasileiro de telecom; 2) Quem são as grandes operadoras (VIVT3, TIMS3 e OIBR3); 3) Quem são as provedoras de Internet, conhecidas como ISPs (BRIT3, DESK3 e IQE3); 4) O que determina o crescimento do setor; 5) Os riscos.
O mercado de telecom no Brasil é dividido em 2 grandes áreas:
No dia 1º de março de 1993, o Brasil testemunhou o nascimento da Unidade Real de Valor (URV), marcando 30 anos de uma estratégia revolucionária.
Entenda como essa "quase-moeda" conseguiu reduzir a inflação em mais de 95%. 🧵
A URV foi o prelúdio do real, levando uma economia asfixiada por uma inflação estratosférica, superior a 40% ao mês, a uma era de estabilidade, com taxas muito mais baixas.
Tudo isso sem recorrer a choques ou congelamentos de preços, traumas de programas dos governos anteriores.
O contexto político e econômico da época era complexo.
Collor acabara de renunciar e Itamar assumiu o país em frangalhos.
Seu governo começou mal, com 3 ministros da Economia derrubados em pouco tempo.
No entanto, um tal de FHC chegou ao cargo... e aí tudo mudou.
Em 2019, a C&A fez IPO e suas ações chegaram a ser cotadas a mais de R$ 18.
Três anos depois, elas haviam derretido e valeram menos de R$ 2.
Agora, a ação caminha para os R$ 10 – uma alta de quase 400%.
Essa é a história por trás dessa epopeia 🧵
A C&A é uma empresa holandesa criada em 1841.
O nome dela vem das primeiras letras dos nomes de seus fundadores: os irmãos Clemens e August Brenninkmeijer.
Naqueles tempos, comprar roupas prontas era coisa de rico. Dessa forma, a C&A vendia rolos de tecidos.
Tudo mudou quando os irmãos Brenninkmeijer conheceram a máquina de costura, acelerando a confecção.
Já a massa de trabalhadores que acumulara dinheiro durante a primeira revolução industrial, porém não o suficiente para contratar um alfaiate, acabou tornando-se cliente da C&A.