No dia 2 de Abril, celebrou-se o Dia Mundial da Conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), e o fio da noite é todo dedicado a trazer algumas infos sobre esse transtornos e um pouquinho da minha linha de pesquisa🧩!
Bora?
Por muito tempo, a primeira descrição desse transtorno foi creditada a Leo Kanner, apesar de muita gente achar que Hans Asperger também teria feito essa descrição em momento próximo.
Pois bem, nem um nem outro, o autismo tem uma "mãe"! E o nome dela é Grunya Sukhareva!
Eu conto a história da Grunya na coluna que escrevi na @fontebr_ homenageando algumas das grandes mulheres que tanto contribuíram para a ciência - e por muito tempo foram esquecidas por ela fontebr.jor.br/2021/02/11/o-p…
O TEA é o que chamamos de transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, quando fatores que ainda precisam ser elucidados interferem em algum momento do desenvolvimento do sistema nervoso do indivíduo, e presume-se que ocorram ainda durante a gestação
Na classificação anterior do DSM (um manual importantíssimo para auxiliar no diagnóstico de transtornos e desordens do sistema nervoso), o TEA ainda era dividido em 4 categorias conforme mostra a figura. No DSM-V (atualizado) temos o agrupamento em Transtorno do Espectro Autista
Isso porque o TEA é bem consistente com um espectro. Há pessoas que podem apresentar algumas características em maior ou menor intensidade em relação a outras. Não há 2 pessoas com autismo com as mesmas alterações, inclusive! Faz sentido o termo espectro, né?
Para o diagnóstico do TEA, além de uma série de alterações comportamentais que precisam estar presentes, podemos agrupá-las em 2 grandes domínios:
🔵Alterações na comunicação e interação social
🔵Comportamentos repetitivos, estereotipados, interesses restritos
E dentro desses domínios, um vasto leque de alterações em comportamentos específicos podem ser vistos: um dos grandes componentes presentes, dentro do 2º domínio são as alterações sensoriais, presentes em mais de 90% dos indivíduos com TEA!
Dentre as alterações sensoriais, as principais são as tateis, em que até 70% dos indivíduos experiencial altuma alteração. Aquele toque que muitas vezes é tão sensível que pode trazer um desconforto - ou até mesmo dor - é um exemplo de relato
Mas também temos alterações "para baixo", como uma baixa sensibilidade a dor ou estímulos que tipicamente carregam essa informação. Além disso, o aumento da percepção sensorial também é relatado
E um fator que é comumente observado também é o interesse atípico em aspectos sensoriais, como fascínio por luzes, por movimentos circulares, pela água em alguns casos. Tudo isso são fenômenos que indivíduos com TEA podem experienciar, e tem um impacto na qualidade de vida
E é justamente isso que a Melzoca aqui estuda! Eu trabalho com um modelo animal de TEA, ou seja, induz-se características do tipo autista em roedores para entender que circuitos do sistema nervoso podem estar envolvidos nessas alterações sensoriais
Esse modelo é induzido pela exposição durante a gestação da rata a uma molécula chamada Ácido Valproico - ou VPA.
O VPA é um remédio usado como anticonvulsivante e estabilizador de humor, podendo também ser indicado para profilaxia de enxaquecas
A perspectiva do uso desse remédio para induzir o modelo foi construída desde um artigo publicado por uma embriologista fera chamada Patricia Rodier pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8808733/
Mas foi em 2005 que um pesquisador chamado Thomasz Schneider testou, de diferentes formas, se a exposição pré-natal poderia fazer com que a prole tivesse características do tipo autista e daí surgiu o modelo animal de autismo por indução pré-natal ao VPA! pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15238991/
//notas da mell: História dos bastidores revelam que Rodier e Schneider podem ter trocado algumas figurinhas do tipo:
Rodier: Schneider, dá uma olhada nisso aqui... imagina se um modelo para estudar TEA não pode surgir daí?
Schneider:
E a partir dessa primeira evidência de sucesso em reproduzir um modelo para estudar TEA, muitos artigos foram publicados e até hoje são acrescentando muitos dados bacanas na literatura sobre possíveis mecanismos envolvidos no TEA, bem como no seu surgimento
E isso mostra como a pesquisa básica é relevante, juntamente da clínica. Foi por meio de estudos nesse modelo que algumas estratégias terapêuticas foram propostas que hoje ajudam várias crianças com TEA a lidar com algumas comorbidades, por exemplo.
E é muito importante, cada vez mais, voltarmos nossos olhos para transtornos do neurodesenvolvimento como o TEA. O nº de pessoas diagnosticadas com TEA vem crescendo muito e hoje 1 a cada 59 crianças tem o transtorno* sendo mais presente em meninos.
E sabemos que nos últimos anos a conscientização sobre TEA vem aumentando, e isso pode ter contribuído para mais diagnósticos, como também a própria melhora nos critérios diagnósticos. Mas isso não explica toda a história
De fato, ainda não sabemos o que causa esse transtorno. Temos algumas suspeitas de que ponto do neurodesenvolvimento isso poderia estar acontecendo, mas a forma e o que está envolvido ainda não sabemos. Mas existem tantos fatores genéticos, quanto ambientais de risco
E a própria exposição pré-natal ao VPA (lembram dele?) é um desses fatores de risco!
Um estudo dinamarquês investigando todos nascidos vivos entre 1996 e 2006 revelou um risco aumentado para TEA a partir da exposição no 1º trimestre da gestação ao VPA pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23613074/
Muitas hipóteses circulam na literatura para tentar entender o que tá rolando nesse período em que fatores ambientais de risco, juntos de fatores genéticos, podem estar atuando para o surgimento do TEA.
Mas isso é papo para um próximo fio, com certeza! Se vocês curtirem, posso comentar mais alguns artigos do nosso grupo que vem somando muito nessa literatura e ressaltar essas pessoas incríveis acima citadas ♥️
A ONU, no fim de 2007, definiu todo 2 de abril como sendo o Dia Mundial de Conscientização do Autismo e nesse dia vários monumentos dignos de cartão-postalsão iluminados de azul, a cor que simboliza o TEA, em prol da conscientização sobre o TEA
Espero que tenham gostado do fiozinho, tô loca para falar mais sobre isso hehe e que a gente possa, cada vez mais, criar mais políticas inclusivas e falar ainda mais sobre esse transtorno, e tantos outros, trazendo mais acessibilidade a essas pessoas na nossa sociedade
Quero aproveitar e agradecer muito pelas trocas nos comentários e pelas pessoas super bacanas que tô tendo o privilégio de aprender com elas. Em breve vai ter um fio fruto dessa conversa e parceria @luu_viegas ♥️
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Casos de Oropouche em SC: pela primeira vez na história do estado, casos foram registrados em Botuverá (Vale do Itajaí).
A Febre do Oropouche é causada por um vírus (OROV), transmitida por mosquitos e é mais uma doença que pode estar sendo agravada por mudanças climáticas🔻
Três pacientes em Botuverá (entre 18 e 40 anos, sem histórico de deslocamento para fora do estado) foram confirmados até o momento.
A febre do Oropouche foi isolada pela 1ª vez no Brasil nos anos 60, com surto recente na região norte do país g1.globo.com/ac/acre/notici…
A transmissão ocorre pela picada de mosquitos infectados. Entre os vetores, o mosquito-pólvora ou maruim (Culicoides paraenses) é o principal, mas em centros urbanos, o Culex quinquefasciatus pode ser um potencial vetor
Covid-19 pode aumentar riscos por até um ano após a infecção para desfechos psiquiátricos como:
- transtornos psicóticos, de humor, de ansiedade, por uso de álcool e do sono
Riscos maiores em pessoas hospitalizadas, e menores entre vacinados 🔻
a Covid-19 pode também trazer um risco aumentado de o indivíduo precisar de prescrição de medicamentos psiquiátricos por conta dessas alterações persistentes, comparado com aqueles sem evidência de infecção mas que passaram por estressores parecidos relacionados à pandemia
Mesmo em quem teve Covid-19 leve, esses riscos estavam presentes. Apesar de riscos serem ainda maiores para quem teve Covid-19 mais séria, não se pode subestimar o impacto de uma infecção leve considerando as sequelas pós-Covid
Desde Jan/22, o CDC estima que mais de 82 milhões de aves foram afetadas pela gripe aviária (H5N1), em 48 estados, nos EUA. Com casos do vírus avançando entre mamíferos, fica a pergunta: hoje, o risco global é baixo, mas será que saberemos a tempo, quando não ser?
O fio 🔻
O dado de cima foi tirado do monitoramento do H5N1 pelo CDC, pode ser conferido aqui:
Hoje foi publicado um texto que preparei para o @MeteoredBR sobre os casos de gripe aviária em rebanhos leiteiros no Texas, Michigan e Kansas.
Alterações no sistema imunológico podem estar presentes 8 meses após a infecção, mesmo em pessoas com Covid-19 leve a moderada.
Essas alterações podem manter a inflamação de forma contínua e sustentada nessas pessoas, levando a danos em diferentes tecidos 🔻
O estudo recente analisou o sangue de pacientes com Covid longa (CL), e comparou as amostras com:
- Indivíduos recuperados de mesma idade e sexo sem CL;
- Doadores não expostos;
- Indivíduos infectados com outros coronavírus.
O que os pesquisadores encontraram?
A Covid Longa leva a uma ativação anormal das células da imunidade inata (primeira linha de defesa do organismo, que respondem a qualquer invasão ou lesão, de forma inespecífica)
Estudo com 56 indivíduos com ~10 anos, com COVID longa (vs. 27 sem COVID Longa) mostrou alterações importantes relacionadas à função autonômica do coração, que também podem ser vistas em adultos com COVID longa.
COVID longa em crianças NÃO DEVE ser minimizado🧵
Os autores apontam que essas alterações poderiam levar a um fluxo sanguíneo anormal aos órgãos, contribuindo para sintomas como fadiga, dores musculares, intolerância ao exercício e dispneia, sintomas cognitivos (ex.: confusão mental)
Em adultos, essa disfunção autonômica pode estar presente e ligada a sintomas e condições da COVID longa relacionados ao sistema cardiovascular e respiratório, como a síndrome de taquicardia postural ortostática (POTS), fadiga e distúrbios das vias aéreas, por exemplo
Estudo interessante da @VirusesImmunity e colegas, mostra diferenças em como a COVID longa afeta homens e mulheres: mulheres são mais propensas a apresentar COVID longa, com uma carga maior de sintomas afetando diferentes órgãos, e hormônios podem ser preditores da condição 🧵
O grupo de pesquisadores investigou como o perfil imunológico na COVID longa pode diferir entre homens e mulheres e se isso poderia nos ajudar a entender como essa condição afeta ambos.
165 indivíduos (com ou sem COVID longa) foram avaliados.
O estudo identificou que alguns sintomas relacionados à COVID longa são mais presentes em mulheres (como inchaço, dores de cabeça, dores musculares, cãibras, queda de cabelo) e outros, mais em homens, como a disfunção sexual