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Apr 14, 2021 23 tweets 12 min read Read on X
Ebola (1976), HIV-1 (~1981), HIV-2 (1986), Sin Nombre (1993), Hendra (1994), gripe aviária (1997), Nipah (1998), Nilo Ocidental (1999), SARS (2003), gripe suína (2009) e tomo a liberdade de adicionar o SARS-CoV-2 (2019)

O que esses eventos assustadores tem em comum? Vem de fio👇
Esse minifio é para a gente discutir um trecho extremamente interessante de um livro que tô lendo chamando "Contágio - Infecções de origem animal e a evoluçaõ das pandemias" de David Quammen que lista esses eventos e pergunta justamente isso ao leitor
Essas datas são relacionadas a primeira descrição/surto de alguns vírus de preocupação para a nossa espécie. Alguns deles são familiares, epidemias vividas recentemente pela sociedade. Mas outros podem causar estranheza e a princípio, não aparentar relações entre si
Algumas pessoas podem ainda cogitar que são acontecimentos lastimáveis tais quais terremotos, erupções vulcânicas, coisas acima do nosso controle. Mas David nos traz para uma outra perspectiva, a ligação que esses eventos tem entre si.
Muitos desses eventos são resultados de ações que estamos realizando com ecossistemas, com o planeta, ao longo dos anos, aprofundando nossa espécie numa constante crise que, como consequência, coloca nossa saúde em risco.

Senta que lá vem
Esses vírus acima citados apresentam um fator comum: "pularam" (fenômeno chamado de spillover) de uma espécie selvagem, por exemplo, para a espécie humana. E ao longo das últimas décadas, estamos vendo esse "pulo" em maior frequência.

Por quê?
Cada vez que a gente destrói uma área em que animais selvagens habitam, desmatamentos, deflorestamentos, ampliando a área urbana em detrimento dessa perturbação nos ecossistemas, tudo isso aproxima animais selvagens (e organismos que vivem neles) de nós
Os anos de 2019 e 2020 foram particularmente terríveis, nesse sentido, para o Brasil, em especial para a floresta Amazônica, mata atlântica entre outras áreas que sofrem com o desmatamento
Não podemos negar o impacto das atividades humanas na desintegração desses ecossistemas, num ritmo acelerado e caótico. A ampliação de áreas de pastagens, deflorestamentos para a atividade humana entre tantos outros fatores causam um desequilíbrio completo nesses locais
Nesses ecossistemas, vivem milhares de espécies, muitas delas ainda longe do nosso conhecimento, que podem abrigar microorganismos que, via de regra, não temos contato. Quando destruímos esses locais ou caçamos deliberadamente vida selvagem, estamos nos aproximando deles
Virus de RNA por exemplo são capazes de se adaptar com uma rapidez impressionante. Num mundo em que temos, cada vez mais, um crescimento populacional acelerado em paralelo a desintegração de ecossistemas, gerando essa proximidade, imagina o que acontece?
E ainda temos tanto a entender nessa jornada... quem são os reservatórios desses vírus? Por que alguns surgem em determinados momentos, desaparecem, e retornam a surgir? Perguntas relevantes que, sem investir em ciência, torna-se um desafio respondê-las.
Boa parte desses agentes infecciosos emergentes que nos preocupam são zoonóticos, ou seja, que tem como hospedeiros animais (frequentemente selvagens), e o numero desses eventos parece estar aumentando com o passar do tempo
Nesse artigo publicado pela Nature em 2017* os autores estabeleceram um mapa do risco de eventos zoonóticos por países. Quanto mais próximo do amarelo, maior o risco. Imagino como esse mapa estaria hoje, considerando o desmatamento no Brasil

* nature.com/articles/s4146…
O aumento da densidade populacional não só influencia no risco de eventos zoonóticos acontecerem, como também na transmissão desses agentes infecciosos. Até 2050, é esperado que iremos atingir 9,7 bilhões de pessoas no planeta un.org/development/de…
Como será nossa relação com o planeta nesse percurso? E nesse momento? Quando é o momento certo para discutirmos isso com seriedade? Quando daremos atenção às mudanças climáticas? Quando for tarde demais para evitar algo pior?

Sinceramente acho que já estamos um pouco atrasados
Mas não é (pelo menos por enquanto) o fim do mundo: temos múltiplos alertas e, atualmente, uma situação fruto da consequência real dessa nossa relação tóxica com o planeta, para nos tirar da zona de conforto: é preciso repensar nossa relação com nossa casa.
E isso começa na nossa microesfera, na forma como cada um de nós cuidamos o nosso consumo, repensamos nossas relações com o planeta, escolhemos lideranças que tem como pauta essas questões e nos apropriamos dessa responsabilidade - que é nossa pessoal. Ponto
E quanto mais cedo a gente se apropriar dessa responsabilidade, mais ações poderemos tomar para evitar cenários ainda piores. Quanto mais cedo aceitarmos a ciência como nossa aliada para entender e agir enquanto sociedade, mais evitaremos esses cenários piores
Isso funciona para resolver uma pandemia (e estamos batendo muito na tecla das medidas de enfrentamento, da vacinação...), para evitar futuras pandemias e desastres em todos os níveis.

Sem mais delongas: temos responsabilidade sobre nossa casa e sobre quem vive nela.
Um adendo: numa boa parte das vezes, esse salto vem da aproximação de espécies selvagens. Mas ali no caso da gripe avaria e suína, o salto foi a partir de espécies domésticas. Mas, de forma parecida, é justamente ele fruto desse nosso sistema incompatível com os ecossistemas.

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Mar 3
ATUALIZAÇÕES GRIPE AVIÁRIA [H5N1]

A gripe aviária é uma preocupação de longa data e, com mais hospedeiros diversos e próximos de nós, como o gado leiteiro, especialistas buscam estimar riscos de uma nova epidemia em humanos

Vamos fazer um giro nos RISCOS e dados 👇🧵 Image
Em um post, a epidemiologista @dr_kkjetelina trouxe uma ilustração de onde nós estaríamos em um "caminho a ser percorrido" pela gripe aviária até se transmitir entre humanos.

A imagem foi traduzida da original (link abaixo)

yourlocalepidemiologist.substack.com/p/h5n1-update-…Image
A imagem dá uma noção importante sobre o cenário atual e é importante trazer alguns contextos:

1) Casos esporádicos em humanos são vistos desde 2003, possivelmente a partir de contatos com as secreções de animais infectados (como aves, por exemplo) Image
Read 32 tweets
Feb 22
Vamos falar SÉRIO, SEM SENSACIONALISMO sobre uma importante novidade: a detecção de um novo coronavírus na China, com características parecidas com coronavírus humanos conhecidos e se temos risco de uma pandemia dele

Fica no fio para entender essa notícia e contexto 👇🧵 Image
Vamos ao que o artigo mostrou: a descrição do HKU5-CoV-2, descoberto em MORCEGOS.

Ou seja, quando alegam que foi encontrado em um "laboratório Chinês", na verdade foi descoberto por estes pesquisadores, mas o vírus em si foi achado na NATUREZA, em morcegos. Image
O que preocupa? O HKU5-CoV-2 (ou segunda linhagem do HKU5-CoV) tem POTENCIAL de usar uma porta de entrada "parecida" com aquela que outros coronavírus que infectam humanos, o receptor ACE2 humano.

Portanto, há um potencial em infectar humanos, mas ainda não comprovado
Read 26 tweets
Feb 4
ATUALIZAÇÕES sobre vírus respiratórios no mundo e no Brasil

Neste fio, falarei de:
▪️Metapneumovírus humano (HMPV)
▪️Covid-19
▪️Gripe aviária (H5)

Vou tentar fazer um resumo para não ficar tão grande, bora y bora 👇🧵 Image
METAPNEUMOVÍRUS (HMPV)

Desde meu último fio, a análise de risco global de uma pandemia desse vírus segue sendo baixa, segundo a OMS, mas a situação está sendo monitorada no mundo e no Brasil.

No Hemisfério Norte, com a chegada do inverno, é vista a co-circulação de diversos patógenos respiratórios, como influenza, Vírus Sincicial Respiratório (RSV), Mycoplasma pneumoniae, HMPV. Também segue havendo casos de Covid-19 who.int/westernpacific…
Read 22 tweets
Jan 28
Foi noticiada, recente e infelizmente, a morte de um menino de 13 anos, cujo quadro foi agravado pela infecção por vírus Influenza A e uma bactéria conhecida que, em casos graves, pode levar a necrose de tecidos embaixo da pele

Falaremos da bactéria Streptococcus pyogenes 🧵👇 Image
Antes de tudo: este fio tem caráter informativo, trazendo dados sobre a bactéria em questão, sinais e sintomas, prevenção e tratamento. As questões relacionadas a condução de caso não serão tratadas aqui, tá bom? Imagino que isso será analisado por especialistas daqui pra frente
Streptococcus pyogenes é classificada como gram-positiva e beta-hemolítica (duas informações relevantes para a escolha de quais recursos - meios de cultura- usar para ajudar em seu diagnóstico)

Ela é bem conhecida e é o principal patógeno bacteriano específico do ser humano Image
Read 16 tweets
Jan 17
DENGUE NO BRASIL: com diversos municípios de SP declarando emergência, a Dengue já mostra que 2025 será um ano desafiador para seu enfrentamento, e nesse fio, vamos falar sobre SINAIS DE ALERTA, PREVENÇÃO, VACINAS E REPELENTES

Bora? 🧵👇 Image
O QUE ESTÁ ACONTECENDO?
Sabemos que o início do ano é marcado por um aumento de casos de arboviroses, pelas temperaturas mais altas, períodos mais frequentes de chuva, etc

🚨com a crise climáticas, surtos maiores e em regiões antes chamadas de "frias" se tornam mais frequentes
Mas há (mais) outros agravantes:
▪️ uma maior dispersão do DENV-3, com aumento significativo em SP, AP, MG e PR

por circular menos em anos anteriores, grande parte da população é suscetível ao DENV-3, dado que os que mais tem circulado, ao longo dos anos, são o DENV-1 e 2. Image
Read 18 tweets
Jan 12
NOROVÍRUS pode estar por trás dos casos de diarreia e gastroenterites vistos especialmente no litoral de SP, mas é importante falarmos desse vírus pois estamos num período em que casos são esperados em diversos locais

Tudo sobre esse vírus 🧵👇 Image
O Norovírus é um vírus entérico da família Caliciviridae e a principal causa viral de vômito, diarreia e doenças transmitidas por alimentos nos Estados Unidos, segundo o CDC. Aqui no Brasil, também é um grande causador dessas condições

pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC42…
Ele pode causar gastroenterites, levando a:
◾️ vômitos;
◾️diarreias;
◾️dor de barriga.

Pode também haver:
◾️febre;
◾️dor de cabeça;
◾️dor nos membros (braços e pernas).

g1.globo.com/saude/noticia/…
Read 10 tweets

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