Bom dia. Postarei, em seguida, um fio sobre um tema que me incomoda nos últimos tempos: o raciocínio simplista, principalmente nas redes sociais. A leitura do livro de Franco Berardi (que soube da existência pelo Eduardo Brasileiro). Lá vai o fio:
1) O livro de Berardi trata de algo que o professor do Departamento de Ciência da Computação, do Instituto de Matemática e Estatística da USP, Valdemar Setzer, vem tratando há muito tempo: nossa percepção sobre o mundo está muito reduzido à lógica binária)
2) Na explicação Wikipedia: "Na programação de computadores, a lógica binária, ou bitwise operation, opera em padrões de bits ou números binários. É uma ação rápida e simples, diretamente suportada pelo processador, e é usada para manipular valores para comparações e cálculos"
3) Em português claro: quando digitamos no celular ou computador, definimos comandos binários (sim ou não). Na verdade, é o sistema ou lógica binária empregado na internet que nos faz pensar em comandos binários. Tal lógica define uma estrutura de pensamento
4) Na prática, esse pensamento simplório e simplista do mundo dificulta, por exemplo, a paralógica, pensamento básico das crianças (aquele que confunde realidade com fantasia e que produz um livro como "Alice no País das Maravilhas")
5) Sem tal pensamento, a criança perde o desenvolvimento da fantasia, da poesia, da projeção utópica e .... da empatia. Torna-se mecânica, objetiva, calculista, racionalizada, dura e fria.
6) Voltemos ao livro "Depois do Futuro". O autor sustenta que vivemos certa melancolia porque o tempo está sendo domesticado a partir dessa lógica binária. Sugere que a utopia e o futuro se desfizeram no nosso horizonte e que nossa empatia com o outro está minguando
7) Na prática: não conseguimos interpretar a partir de contradições e emoções ou situações complexas: tudo é "sim" ou "não". Nas redes sociais, não existe a possibilidade de alguém criticar o outro e ainda amá-lo: se crítica, o odeia. O pensamento binário do "ame-o ou deixe-o"
8) Há outros estímulos para nos tornarmos duros e sem imaginação, seguidores de lógicas simples e simplórias: a educação formal. Há anos que o Brasil adota o gerencialismo na educação oficial: focamos nos indicadores de avaliação externa, como o IDEB.
9) O gerencialismo na educação sugere sistemas de controle no cotidiano da escola: são planilhas e mais planilhas a serem preenchidas (e que ninguém sabe se alguém as lê ou interpreta). O fato é que o tempo escolar é definido por esta lógica de controle.
10) Ora, o estudante não erra porque deseja errar. E não aprende somente na escola. O estudante tem vida social, sofre angústias e traumas que interferem na sua forma de pensar e responder aos estímulos escolares. Mas, o gerencialismo reduz tudo a metas e números.
11) Para não ficar no blá-blá-blá: estamos sendo educados à pensar como anglo-saxões, não como latinos. Nós, latinos, somos mais afetivos e filosóficos, menos racionais e lógicos. Mas, a lógica gerencialista está nos embotando diariamente. Perdemos a palheta de cores
12) Berardi (o autor do livro que estou citando) sustenta que perdemos a noção do futuro porque futuro "é uma modalidade de percepção e de imaginação, de espera e avanço". O Século XX acreditou no futuro. Mas, o Sex Pistols decretou, em 1977, que "não há futuro"
13) Enfim, as redes sociais se tornaram os espaços das tribos e bolhas fechadas. Um paradoxo já que o mundo virtual promete a comunicação mundial sem fronteiras. Estamos mais fechados em nós mesmos, mais doutrinários e doutrinados, menos utópicos e abertos ao mundo. (FIM)
Ilustrando o fio:
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Bom dia. Comecei a ler comentários de analistas europeus sobre a morte de Mujica e um analista atraiu minha atenção: Daniel Oliveira. Daniel é colunista do jornal português Expresso e um famoso blogueiro. Este é o fio.
1) No seu comentário, diz ter inveja "da liberdade conquistada pelo despojamento do que da lamentável solidão e do risível exibicionismo de Musk. A redução da política à tecnocracia destruiu a sua função inspiradora e profética, sem a qual é gestão.”
2) Nesses dias, Mujica foi quase uma unanimidade, com exceção dos sempre chatos e mal-amados bolsonaristas, uníssonos em seus comentários sem alma ou cérebro.
Bom dia. Venho sugerindo que a ampla coalizão montada por Lula não tem validade política. Como aliança eleitoral, teria sentido. Porém, como governabilidade, vem se revelando um desastre. Desastre objetivado ontem, com a recusa do Ministério do Turismo por Pedro Lucas.
1) A recusa pelo aliado do presidente do União Brasil revela mais do que o tornozelo. Faz parte do pêndulo do poder entre Alcolumbre e Antonio de Rueda . Alcolumbre se adiantou e afirmou que indicará um novo nome para a pasta.
2) De um lado, Davi Alcolumbre vem acumulando divergências com outros integrantes da cúpula do União Brasil a respeito da participação do partido no governo Lula e dos rumos que a legenda deve tomar na eleição de 2026.
Bom dia. Com o falecimento de Papa Francisco, não tive ânimo ou coragem para escrever sobre Tiradentes, motivo do feriado da segunda-feira. Agora, retomo o fio. Lá vai:
1) A homenagem a Tiradentes tem relação com a origem do mito: a formação da alma brasileira. Este é o nome do livro mais instigante e revelador sobre como Tiradentes foi usado e abusado na disputa entre duas correntes militares: os deodoristas e os florianistas.
2) O livro relata como as duas correntes disputavam e manipulavam a opinião pública para construir um ícone da república – e, portanto, da nação – brasileira. Os seguidores de Deodoro da Fonseca desejavam uma figura mais agressiva, bélica e impositiva.
Bom dia. Saiu nova pesquisa Datafolha que registra avaliação dos brasileiros sobre o governo federal. Na aparência, uma notícia melhor que a pesquisa Quaest apresentou dias atrás. Na aparência. Vamos à pesquisa.
1) Se compararmos com o dado da Quaest, há uma diferença: 5 pontos percentuais de melhoria do índice de avaliação positiva. Esses 5 p.p. fazem uma grande diferença porque, sem esta mudança, a distância entre avaliações positivas e negativas seria similar entre Quaest e Datafolha.
2) Na comparação: a pesquisa Quaest apresentou 56% de desaprovação e a Datafolha, 38%; já os que aprovam foram 41% na Quaest e 29% na Datafolha. A primeira notícia ruim é que em ambas pesquisas, a reprovação é maior que a aprovação: 9 p.p. na Datafolha e 15 p.p. na Quaest.
Bom dia. No dia 1 de abril de 1964, o Brasil mergulhava numa ditadura. O fio de hoje é dedicado a explicar em que aquela ditadura se diferenciaria da que Bolsonaro tentou implantar
1) O bolsonarismo é fascista. A ditadura militar de 64 era autoritária. Qual a diferença? Autoritarismo não mobiliza socialmente e tolera certa competição política tutelada
2) A partir de 1964, ninguém podia sair às ruas em grupos de mais de três pessoas. Se saísse, logo aparecia um meganha ditando o conhecido "Circulando!". Isso, se fosse um policial pacato.
Bom dia. Prometi um fio sobre machismo e esquerda. Então, lá vai fio:
1) Vamos começar pelo básico: não existe esquerda machista ou racista. Se é machista, não é esquerda. Por qual motivo? Justamente porque a definição de esquerda é a defesa da igualdade social. Ora, machismo se define pela desigualdade entre gêneros.
2) Neste caso, piadinhas sexistas, indiretas, definição de trabalho em função do sexo ou sexualidade, assédio ou abuso sexual não fazem parte do ethos da esquerda.