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Aug 7, 2021 23 tweets 8 min read Read on X
Bom dia. Venho conversando com psicanalistas para compreender melhor a personalidade de Bolsonaro e as motivações do bolsonarismo. Em especial, com Luís Carlos Petry. Farei um fio do que colhi até agora. Lá vai.
1) A primeira distinção é entre conservadorismo e personalidade marcada pela pulsão de morte. O conservadorismo se constitui em uma ideologia política enquanto a personalidade autoritária está no plano da personalidade, parte da constituição psíquica do indivíduo.
2) Bolsonaro e o bolsonarismo, por sua vez, combinam elementos do fascismo com o do nazismo, numa espécie de "revival" do que ocorreu na Itália, na Espanha (ver Noite de São Lourenço), na Alemanha wagneriana
3) Erich Fromm sustenta que a personalidade autoritária se funda no desejo do sujeito, na vontade de dirigir e controlar, os quais são ampliados pela pulsão de poder (Machtrieb).
4) Rolland Barthes, no seu livro "A Aula" diferencia o fascismo do nazismo. O fascismo é um discurso de coação. Freud, na "Psicologia das Massas", sugere que esse discurso é hipnotizador
5) Mas Barthes olha para este modelo do discurso fascista na tortura, na qual o torturador, através da dor da tortura, leva progressivamente a confessar o que o torturador deseja ouvir.
6) A atitude fascista-torturadora pode se manifestar em vários níveis, como na proposta das escolas militarizadas, seitas religiosas e, a própria tortura física. Sempre dependendo do outro como objeto de seu controle
7) Já o nazismo é um contra-discurso: – ele não pretende fazer o outro se submeter a sua vontade, mas sim eliminar o outro. Daí que o final de todo expediente nazista são os campos de extermínio.
8) O nazismo está ancorado em um ideologia e uma psicologia diferencial. Nesta psicologia, baseada nos mitos (o chamado inconsciente coletivo), o inconsciente dos arianos é superior aos demais.
9) Já no caso da personalidade totalitária há uma nítida projeção de conteúdos de ideias psicóticas que se estruturam num ideário político.
10) Um dos elementos deste ideário é a eliminação do impuro (inspiração eugenista – um dos centros da ideologia científica do Nazismo) visando a construção de uma raça pura. A ideia de pureza se assenta numa concepção de natureza pura, de uma leitura social a partir da biologia
11) Este elemento esteve presente no discurso de posse de Bolsonaro quando ele disse: “eu não vim para construir, mas para desconstruir”. Ali ele se apresentava como arauto da morte
12) Bolsonaro já se declarou favorável à tortura; declarou que foram poucas mortes e que deveriam ter sido mais.
13) Bolsonaro estaria marcado por um forte narcisismo erótico, uma patologia da identificação e escolha de objeto erótico. Tal perfil indica uma persona focada na busca de poder e na exploração sexual, como aparecem nas suas constantes referências ao anal e a sua homofobia
14) A atuação cênica de Bolsonaro oferece uma tela de espetáculo para a identificação de indivíduos com ele que produziram crenças pessoais que são o resultado de suas identificações e escolhas de objetos afetivo erótico.
Gera identificação com pessoas que carregam o mesmo traço
15) A afetividade de parte dessas personalidades se dá de maneira torta: pai violento com os filhos e com a esposa, gera filhos sem espaço de voz. Um impacto brutal para uma criança que cresce vendo que a forma de amor para com seu objeto afetivo se dá por meio da brutalidade
16) Para Reich, todo genocida é um impotente sexual e, por este motivo, precisa destruir o outro, forjando o espírito dominador e agressivo
17) Freud sugere a existência de uma inconsciente transindividual que mobiliza subjetividades e promove ataques histéricos (não racionais) por contágio. O bolsonarismo é fruto desse mecanismo de identificação por contágio emocional
18) Assim, o discurso de Bolsonaro gera uma provocação externa que leva à histeria coletiva a partir de um laço social de identificação solidária por contágio
19) É possível sugerir que a “autorização” para este discurso é a história e impunidade do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, elemento estrutural da necropolítica destilada pelo bolsonarismo
20) Toda essas leituras que colhi de psicanalistas são importantes como sugestões de interpretação do que vivemos no Brasil. Ainda mais importantes no momento em que a antropóloga Adriana Dias descobre as relações de Jair Bolsonaro com redes neonazistas mundiais
21) Adriana localizou que Bolsonaro é citado e tem troca de mensagens e elogios entre os maiores sites neonazistas do mundo. Mais: no maior deles, há mensagens enviadas por Bolsonaro, sendo o único brasileiro citado (e com destaque).
22) O governo Bolsonaro definha. Não há mais dúvida. Mas, o bolsonarismo canaliza uma energia destruidora, marcada pela eliminação do outro. Na defesa da democracia, é essencial levar este cenário em conta e enfrentá-lo. Não se trata de contemplarmos o ovo da serpente. (FIM)

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Jun 20
Bom dia. O fio de hoje é sobre a frase de Chico de Oliveira que postei ontem por aqui. Dizia que os anos 1990 retiraram a musculatura do Estado brasileiro e o século 21 retirou a musculatura da sociedade civil. Lá vai: Image
1) O Estado foi criado como garantidor da estabilidade social cujo objetivo era sustentar que as expectativas individuais (e coletivas) fossem passíveis de serem realizadas. Image
2) Se no século 19 surgiu a ideia de proteção social via intervenção estatal – vindo do improvável projeto de Bismark -, no século 20 se projetou, via socialdemocracia, a lógica da promoção social via amplas políticas de Estado. Image
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Jun 17
Bom dia. Postarei um fio sobre o Centrão. Minha leitura é que ele é uma ponta de lança do fisiologismo e da direita brasileira que necessita se aliar com governos progressistas. Explico: Image
1) O que não parece ter um encaixe equilibrado é a necessidade do Centrão se aliar à liderança de um polo progressista. Foi assim com FHC, puxado por ACM. O faz agora com Lula.
Fico pensando no que o move para este lugar. Image
2) Uma possibilidade é o fisiologismo que o marca, focado nos espaços miúdos e na fragmentação territorial. Por aí, o Centrão teria muita dificuldade para esboçar um projeto nacional.
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Jun 16
Boa tarde. O fio de hoje é uma tentativa de leitura do que me parece um sistema político federal criado após o início do Lula3. Sei que qualquer leitura mais crítica ao governo Lula atrai uma enxurrada de ataques e desesperos, mas sinto que chegou o momento de abrirmos discussão Image
1) É conhecida a tese de Chico de Oliveira em sua “Crítica à razão dualista”: existiria um todo sistêmico que gerava uma especificidade da economia e sociedade brasileiras e que era interpretado por parte da intelectualidade brasileira como subdesenvolvimento. Image
2) A dualidade evitava compreender a lógica integrada entre atraso e pujança como um todo devido ao que sugeria ser proveniente de certo moralismo intelectual. Image
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Jun 10
Bom dia. Farei um brevíssimo fio sobre um dos melhores livros da área da sociologia (estaria mais para o campo das teorias do pensamento social) dos últimos anos, o livro "Lugar Periférico, Ideias Modernas". Lá vai: Image
1) Este livro faz uma cartografia da sociologia brasileira, principalmente paulista, desde o famoso Seminário Marx, iniciado em 1958 e que envolveu Giannotti, FHC, Weffort, Fernando Novaes, Roberto Schwarz, dentre outros. Image
2) O livro, além de muito bem escrito e rigoroso, se diferencia no panorama recente de empobrecimento intelectual. O diagnóstico do país é hegemonizado pela raquítica leitura da microeconomia. As redações da grande imprensa aceleram este processo pragmático e reducionista Image
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Jun 8
Bom dia. O fio de hoje é sobre o erro de Ricardo Nunes, o prefeito de São Paulo. Ao usar o IDEB como pretenso fundamento técnico para privatizar a educação paulistana, saiu da pista. Lá vai: Image
1) O prefeito paulistano Ricardo Nunes cometeu seu maior erro desde que começou a se interessar pela privatização da gestão de creches da capital paulista, quando ainda vereador. Image
2) Ao contrário da ação truculenta de Zema e outros governadores e prefeitos que investiram na privatização da gestão escolar pública, Nunes decidiu criar uma aura de fundamentação técnica ao relacionar a privatização ao IDEB, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Image
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Jun 6
Bom dia. Vivemos uma espécie de vácuo político, com Lula e Bolsonaro perdendo força. Este é o tema deste fio. Lá vai: Image
1) A recente pesquisa Quaest que avalia o governo Lula revela que os programas anunciados e as boas notícias não estão gerando impacto positivo na grande massa dos brasileiros. São engolidas por más notícias que são despejadas em sequência. Image
2) Segundo a pesquisa, 45% afirmam que o que esperavam do governo Lula não foi alcançado e apenas 16% avaliam que o governo faz mais do que esperavam. Image
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