Bom dia. Venho conversando com psicanalistas para compreender melhor a personalidade de Bolsonaro e as motivações do bolsonarismo. Em especial, com Luís Carlos Petry. Farei um fio do que colhi até agora. Lá vai.
1) A primeira distinção é entre conservadorismo e personalidade marcada pela pulsão de morte. O conservadorismo se constitui em uma ideologia política enquanto a personalidade autoritária está no plano da personalidade, parte da constituição psíquica do indivíduo.
2) Bolsonaro e o bolsonarismo, por sua vez, combinam elementos do fascismo com o do nazismo, numa espécie de "revival" do que ocorreu na Itália, na Espanha (ver Noite de São Lourenço), na Alemanha wagneriana
3) Erich Fromm sustenta que a personalidade autoritária se funda no desejo do sujeito, na vontade de dirigir e controlar, os quais são ampliados pela pulsão de poder (Machtrieb).
4) Rolland Barthes, no seu livro "A Aula" diferencia o fascismo do nazismo. O fascismo é um discurso de coação. Freud, na "Psicologia das Massas", sugere que esse discurso é hipnotizador
5) Mas Barthes olha para este modelo do discurso fascista na tortura, na qual o torturador, através da dor da tortura, leva progressivamente a confessar o que o torturador deseja ouvir.
6) A atitude fascista-torturadora pode se manifestar em vários níveis, como na proposta das escolas militarizadas, seitas religiosas e, a própria tortura física. Sempre dependendo do outro como objeto de seu controle
7) Já o nazismo é um contra-discurso: – ele não pretende fazer o outro se submeter a sua vontade, mas sim eliminar o outro. Daí que o final de todo expediente nazista são os campos de extermínio.
8) O nazismo está ancorado em um ideologia e uma psicologia diferencial. Nesta psicologia, baseada nos mitos (o chamado inconsciente coletivo), o inconsciente dos arianos é superior aos demais.
9) Já no caso da personalidade totalitária há uma nítida projeção de conteúdos de ideias psicóticas que se estruturam num ideário político.
10) Um dos elementos deste ideário é a eliminação do impuro (inspiração eugenista – um dos centros da ideologia científica do Nazismo) visando a construção de uma raça pura. A ideia de pureza se assenta numa concepção de natureza pura, de uma leitura social a partir da biologia
11) Este elemento esteve presente no discurso de posse de Bolsonaro quando ele disse: “eu não vim para construir, mas para desconstruir”. Ali ele se apresentava como arauto da morte
12) Bolsonaro já se declarou favorável à tortura; declarou que foram poucas mortes e que deveriam ter sido mais.
13) Bolsonaro estaria marcado por um forte narcisismo erótico, uma patologia da identificação e escolha de objeto erótico. Tal perfil indica uma persona focada na busca de poder e na exploração sexual, como aparecem nas suas constantes referências ao anal e a sua homofobia
14) A atuação cênica de Bolsonaro oferece uma tela de espetáculo para a identificação de indivíduos com ele que produziram crenças pessoais que são o resultado de suas identificações e escolhas de objetos afetivo erótico.
Gera identificação com pessoas que carregam o mesmo traço
15) A afetividade de parte dessas personalidades se dá de maneira torta: pai violento com os filhos e com a esposa, gera filhos sem espaço de voz. Um impacto brutal para uma criança que cresce vendo que a forma de amor para com seu objeto afetivo se dá por meio da brutalidade
16) Para Reich, todo genocida é um impotente sexual e, por este motivo, precisa destruir o outro, forjando o espírito dominador e agressivo
17) Freud sugere a existência de uma inconsciente transindividual que mobiliza subjetividades e promove ataques histéricos (não racionais) por contágio. O bolsonarismo é fruto desse mecanismo de identificação por contágio emocional
18) Assim, o discurso de Bolsonaro gera uma provocação externa que leva à histeria coletiva a partir de um laço social de identificação solidária por contágio
19) É possível sugerir que a “autorização” para este discurso é a história e impunidade do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, elemento estrutural da necropolítica destilada pelo bolsonarismo
20) Toda essas leituras que colhi de psicanalistas são importantes como sugestões de interpretação do que vivemos no Brasil. Ainda mais importantes no momento em que a antropóloga Adriana Dias descobre as relações de Jair Bolsonaro com redes neonazistas mundiais
21) Adriana localizou que Bolsonaro é citado e tem troca de mensagens e elogios entre os maiores sites neonazistas do mundo. Mais: no maior deles, há mensagens enviadas por Bolsonaro, sendo o único brasileiro citado (e com destaque).
22) O governo Bolsonaro definha. Não há mais dúvida. Mas, o bolsonarismo canaliza uma energia destruidora, marcada pela eliminação do outro. Na defesa da democracia, é essencial levar este cenário em conta e enfrentá-lo. Não se trata de contemplarmos o ovo da serpente. (FIM)
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Bom dia. Comecei a ler comentários de analistas europeus sobre a morte de Mujica e um analista atraiu minha atenção: Daniel Oliveira. Daniel é colunista do jornal português Expresso e um famoso blogueiro. Este é o fio.
1) No seu comentário, diz ter inveja "da liberdade conquistada pelo despojamento do que da lamentável solidão e do risível exibicionismo de Musk. A redução da política à tecnocracia destruiu a sua função inspiradora e profética, sem a qual é gestão.”
2) Nesses dias, Mujica foi quase uma unanimidade, com exceção dos sempre chatos e mal-amados bolsonaristas, uníssonos em seus comentários sem alma ou cérebro.
Bom dia. Venho sugerindo que a ampla coalizão montada por Lula não tem validade política. Como aliança eleitoral, teria sentido. Porém, como governabilidade, vem se revelando um desastre. Desastre objetivado ontem, com a recusa do Ministério do Turismo por Pedro Lucas.
1) A recusa pelo aliado do presidente do União Brasil revela mais do que o tornozelo. Faz parte do pêndulo do poder entre Alcolumbre e Antonio de Rueda . Alcolumbre se adiantou e afirmou que indicará um novo nome para a pasta.
2) De um lado, Davi Alcolumbre vem acumulando divergências com outros integrantes da cúpula do União Brasil a respeito da participação do partido no governo Lula e dos rumos que a legenda deve tomar na eleição de 2026.
Bom dia. Com o falecimento de Papa Francisco, não tive ânimo ou coragem para escrever sobre Tiradentes, motivo do feriado da segunda-feira. Agora, retomo o fio. Lá vai:
1) A homenagem a Tiradentes tem relação com a origem do mito: a formação da alma brasileira. Este é o nome do livro mais instigante e revelador sobre como Tiradentes foi usado e abusado na disputa entre duas correntes militares: os deodoristas e os florianistas.
2) O livro relata como as duas correntes disputavam e manipulavam a opinião pública para construir um ícone da república – e, portanto, da nação – brasileira. Os seguidores de Deodoro da Fonseca desejavam uma figura mais agressiva, bélica e impositiva.
Bom dia. Saiu nova pesquisa Datafolha que registra avaliação dos brasileiros sobre o governo federal. Na aparência, uma notícia melhor que a pesquisa Quaest apresentou dias atrás. Na aparência. Vamos à pesquisa.
1) Se compararmos com o dado da Quaest, há uma diferença: 5 pontos percentuais de melhoria do índice de avaliação positiva. Esses 5 p.p. fazem uma grande diferença porque, sem esta mudança, a distância entre avaliações positivas e negativas seria similar entre Quaest e Datafolha.
2) Na comparação: a pesquisa Quaest apresentou 56% de desaprovação e a Datafolha, 38%; já os que aprovam foram 41% na Quaest e 29% na Datafolha. A primeira notícia ruim é que em ambas pesquisas, a reprovação é maior que a aprovação: 9 p.p. na Datafolha e 15 p.p. na Quaest.
Bom dia. No dia 1 de abril de 1964, o Brasil mergulhava numa ditadura. O fio de hoje é dedicado a explicar em que aquela ditadura se diferenciaria da que Bolsonaro tentou implantar
1) O bolsonarismo é fascista. A ditadura militar de 64 era autoritária. Qual a diferença? Autoritarismo não mobiliza socialmente e tolera certa competição política tutelada
2) A partir de 1964, ninguém podia sair às ruas em grupos de mais de três pessoas. Se saísse, logo aparecia um meganha ditando o conhecido "Circulando!". Isso, se fosse um policial pacato.
Bom dia. Prometi um fio sobre machismo e esquerda. Então, lá vai fio:
1) Vamos começar pelo básico: não existe esquerda machista ou racista. Se é machista, não é esquerda. Por qual motivo? Justamente porque a definição de esquerda é a defesa da igualdade social. Ora, machismo se define pela desigualdade entre gêneros.
2) Neste caso, piadinhas sexistas, indiretas, definição de trabalho em função do sexo ou sexualidade, assédio ou abuso sexual não fazem parte do ethos da esquerda.