Farei um breve fio sobre a conjuntura política e a crise do bolsonarismo. Lá vai:
1) A despeito do esforço desesperado de Olavo de Carvalho e Eduardo Bolsonaro em tentar debelar o fogo no parquinho que a carta escrita por Temer causou nas bases bolsonaristas, o ato de Bolsonaro foi um ato de covardia. E isso ficou estampado.
2) Bolsonaro tinha realizado duas manifestações de tamanho similar às das oposição, embora menores que as grandes mobilizações da história recente do país. No dia seguinte, tinha o país sendo parado pelos caminhoneiros. Teoricamente, estava na ofensiva.
3) Contudo, como sabemos, não se trata de um líder ou de um comandante de grandes ações. O presidente atual do Brasil gosta de blefar e causar. É de seu feitio avançar e recuar. E, pelo visto, avaliou que a demonstração de força não era suficiente para bancar o blefe.
4) Se os riscos de cair ou de seus filhos serem presos contou no balanço do custo-benefício de Bolsonaro, isso pouco importa. O que importa é que ele avaliou que a ofensiva de 7 de setembro não tinha criado as condições políticas que imaginava. Recuou. E da pior maneira possível
5) No próprio dia do recuo (dia 9) foram registrados muitos vídeos e postagens nas redes sociais afirmando que o jogo havia acabado, que Bolsonaro era um traidor, que os discursos de Bolsonaro no dia 7 já eram chochos, que gastaram dinheiro para custear a viagem sem sentido
6) O que fez os mesmos diretores do "gabinete do ódio"? Agiram muito rapidamente para sugerir que houve "recuo tático". Não explicaram muito bem o que teria motivado tal recuo, mas para a base fanática, pouco importa existir coerência. A "notícia" da nova tática foi se espalhando
7) E, mais uma vez, parte dos Cavaleiros do Apocalipse morderam a isca. Algo impressionante que diz muito sobre os motivos de estarmos sendo governados pela extrema-direita. Parte do campo progressista é despreparada para enfrentar um confronto ideológico. É quase nerd.
8) O mais importante, contudo, não são os nerds do campo progressista (que não têm ginga e não sabem driblar), mas o impacto dos dois movimentos bolsonaristas: a evidente covardia de Bolsonaro e a tese do "recuo tático" de Olavo de Carvalho e Eduardo Bolsonaro.
9) Também interessa perceber que houve uma tentativa de ampliar o discurso anti-petista e anti-sindical. A tentativa de consertar o estrago feito pela "Carta Temer" trabalhou com discursos que não são exatamente do ódio, discurso comum na coordenação olavista.
10) Um vídeo, em especial, chamou a atenção. Trata-se de um senhor que está para se aposentar e é residente em Betim (MG). Pegou um ônibus em BH no dia 6 à noite, chegou 7h30 em São Paulo e já foi para a Paulista ("pegar um bom lugar"). Foi entrevistado na rodoviária do Tietê
11) Esse senhor de Betim faz um longo discurso focado nas riquezas do Brasil e no futuro glorioso que nos espera. Fala que votou duas vezes no Lula e desistiu, mas nunca acreditou em sindicatos. O vídeo parece que está sendo disseminado entre grupos bolsonaristas
12) Contudo, o discurso desse senhor não é bolsonarista. Ele prega o desenvolvimento, não o ódio. E desenvolvimento é exatamente o contrário do que ocorre neste momento. Ora, isso revela como o comando bolsonarista diversificou o discurso para segurar a base.
13) Não há conclusão a respeito de como esta tática está impactando a base bolsonarista (embora alguns colunistas se apressem a cravar que está dando certo). Temos alguns grafos montados, revelando que Leandro Ruchel e Allan dos Santos ainda estão incomodados com o recuo
14) Durante a próxima semana teremos dados mais sólidos para entender a movimentação na base bolsonarista. Acredito que haverá coesão no núcleo fanático de extrema-direita (algo entre 10% e 15% do eleitorado). A questão é o que ocorrerá com a outra metade do bolsonarismo.
15) Acredito - mas é mera especulação - que parte da base bolsonarista está perdida e muito frustrada. Minha percepção parte da informação que o bolsonarismo provoca muita adrenalina. Cria um mundo mágico e faz com que ressentidos e fracassados se sintam fortes.
16) Quando o próprio líder se revela fraco e fracassado, a pirâmide da fortuna desmorona emocionalmente. Weber já ensinava que o que gera legitimidade tem que ser mantido o tempo todo para garantir a liderança: um herói terá que salvar o desvalido e se arriscar por toda sua vida.
17) Bolsonaro é péssimo estrategista. Errou ao jogar todas suas fichas no dia 7 de setembro. Teremos mais de um ano pela frente até as eleições de 2022. Errou. Errou feio. Parte do seu staff tenta salvar os dedos, já que acredito que muitos anéis se foram. (FIM)
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Bom dia. Venho alertando para um certo oba-oba que envolve o campo progressista brasileiro (em especial, a base social-militante do lulismo, que vai além do PT) com a denúncia da PGR contra Bolsonaro et caterva. O fio é sobre isso: uma explicação sobre este alerta.
1) Quanto ao julgamento pelo STF, a grande imprensa ventilou a possibilidade de tudo ser finalizado ainda neste semestre. Considero um desatino típico da linha editorial sensacionalista em busca de likes. O mais provável é a sentença ser proferida em setembro ou outubro.
2) Se minhas projeções são razoáveis quanto ao calendário de julgamento, teremos um longo intervalo de 7 a 8 meses de muita turbulência pela frente. Já se esboçam algumas frentes da ofensiva bolsonarista: uma de massas e outra política, além da jurídica.
Bom dia. Postarei um fio sobre o "equilíbrio dinâmico" da política nacional. A fala de Hugo Motta sobre o ato terrorista de 8 de janeiro gerou grande agitação nas redes sociais. Contudo, a intenção não parece ter sido muito além disso: agitação. Vamos ao fio:
1) Vou começar com a "régua ideológica" da política brasileira. Para tanto, começo diferenciando esquerda de direita e ambas do extremismo. Esquerda é denominada a força (ou forças) política que luta pela igualdade social.
2) Já a direita enfatiza a diferença entre indivíduos (forte de fracos, inteligentes de pouco inteligentes, ambiciosos de indolentes) que eles classificam como base da "liberdade individual". Por aí, direita justifica a desigualdade social como fundada na diferença.
Bom dia. Inicio um fio sobre o livro de Leonardo Weller e Fernando Limongi, “Democracia Negociada”, que trata do período que vai do final da ditadura militar à queda de Dilma Rousseff. Lá vai:
1) O livro se constitui numa ilustração da encruzilhada que vive a sociologia brasileira. No século passado, grande parte da produção sociológica voltava-se para a leitura dos pares. Já no século 21, ficou patente que ser reconhecido pelos pares não bastava.
2) Dada a banalização da carreira, sociólogos passaram a buscar o grande público, cortar os excessos em citações, adotar títulos e capas chamativas, para além dos muros das universidades e think tanks muito especializados.
Bom dia. Prometi um fio sobre os atos terroristas de 8 de janeiro. E, também, sobre a origem de certo descaso popular em relação aos riscos à nossa democracia. Acredito que a fonte para as duas situações é a mesma. Lá vai:
1) Acredito que o ponto de convergência é o legado de 300 anos de escravidão no Brasil. De um lado, forjou uma elite nacional socialmente insensível e politicamente violenta, sem qualquer traço de cultura democrática
2) Nosso empresariado é autoritário e autocrático, como demonstram tantos estudos acadêmicos. Além de majoritariamente com pouca instrução, nosso empresariado desdenha eleições e procura se impor pelos escaninhos dos parlamentos e governos
Bom ida. Começo o fio sobre o futuro presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Mais um que tem seu poder local pavimentado pelas emendas parlamentares, a base do poder do Centrão. Lá vai:
1) Alcolumbre tem 47 anos e nasceu em Macapá. Trabalhou no comércio da família. Se elegeu vereador pelo PDT em 2000. Foi secretário de obras do município e em 2002 foi eleito deputado federal, sendo reeleito por 2 vezes. Em 2006, foi para o DEM
2) Em 2014, conseguiu a proeza de se eleger senador pelo Amapá, até então, um quase-protetorado dos Sarney. Aí começa sua saga nacional. Em 2019 é eleito presidente do Senado Federal, se reelegendo em 2022.
Bom dia. Aqui vai o fio sobre Arthur Lira. Daqui um mês, Arthur Lira deixa a presidência da Câmara de Deputados. Ele foi mais um da sequência iniciada com Severino Cavalcanti que passou a assombrar o establishment desta casa parlamentar
1) Severino foi apenas um susto. Mas, logo depois, veio o bruxo que alteraria de vez não apenas a lógica de lideranças e poder na Câmara de Deputados, mas a relação com o governo federal: Eduardo Cunha.
2) Lira entra nesta sequência, dando mais um passo na direção da subversão da lógica entre os três poderes: avançou sobre os governos Bolsonaro e Lula, chantageou à céu aberto e enfrentou o STF.