Talvez você tenha visto que, essa semana, Paul Rusesabagina, cuja vida inspirou o filme Hotel Ruanda, foi condenado no país a 25 anos de prisão por terrorismo, num processo bastante controverso.
O governo de Ruanda, um dos países mais pobres do mundo, é patrocinador do Arsenal.
Na prática, o presidente ruandês, Paul Kagame, comanda o país desde 1994.
Naquele ano, houve um genocídio: num período de 100 dias, milícias da etnia hutu mataram cerca de 800 mil pessoas da etnia tutsi.
Kagame é visto como um estabilizador, que ajudou a pacificar Ruanda.
No entanto, o governo de Kagame é acusado de várias violações de direitos humanos, como perseguição, sequestro e execução de seus críticos.
Um deles é Rusesabagina, que, em 94, comandava um hotel em Kigali, capital do país, e ajudou a salvar centenas de pessoas da morte.
Mas voltemos ao futebol.
O patrocínio ao Arsenal, anunciado em 2018 e renovado discretamente em maio deste ano, é visto como uma medida de “sportswashing” de Kagame:
Político habilidoso, ele é acusado de usar o esporte como forma de limpar a reputação internacional do governo.
Ruanda também tem um contrato de patrocínio com o PSG, um clube que por si só já é visto como uma operação de “sportswashing” de outro governo polêmico no Catar, mas com o Arsenal a relação é diferente:
Kagame é torcedor de longa data do clube e tem até um camarote no Emirates.
Aliás, na estreia do clube na Premier League nesta temporada, o presidente ruandês ficou furioso com a derrota por 2 a 0 para o recém-promovido Brentford, e foi ao Twitter desabafar:
“Nós apenas NÃO devemos desculpar ou aceitar a mediocridade”, escreveu.
Quando o anúncio do patrocínio foi feito há 3 anos, sabendo que ia provocar reações, o Arsenal se comprometeu a ajudar no desenvolvimento do futebol ruandês, enviando treinadores de base.
Em 2019, o clube divulgou orgulhoso uma viagem turística do zagueiro David Luiz a Ruanda.
Mas, como dissemos, trata-se de um dos países mais pobres do mundo.
De acordo com a Unicef, 39% da população ruandesa está abaixo da linha da pobreza.
E é um país que recebe bastante ajuda financeira da comunidade internacional - inclusive do próprio Reino Unido.
Por isso, é estranho que o governo invista acima de 10 milhões de libras por ano para aparecer na camisa de um clube inglês riquíssimo.
Kagame já disse que o acordo “paga por si próprio”, já que teria alavancado o número de turistas em Ruanda.
Muitos discordam da conclusão.
Em entrevista ao site Football.London, a jornalista Michela Wrong, autora de um livro sobre o governo de Paul Kagame, diz que a relação é algo como se o Arsenal “aceitasse dinheiro de Pinochet”, além de classificar o patrocínio como “um insulto ao contribuinte britânico”.
O caso de Paul Rusesabagina é bastante emblemático de como funciona a repressão aos críticos de Kagame: o ex-gerente de hotel morava fora de Ruanda desde 1996.
À distância, passou a ser acusado pelo governo de financiar atividades de um grupo terrorista.
Em 2020, ele embarcou num avião em Dubai que acreditava estar a caminho de Burundi, mas o avião pousou em Kigali. Sua família diz que foi um rapto, que Rusesabagina jamais voltaria voluntariamente a Ruanda.
Quando desembarcou, é claro, foi preso, até ser condenado essa semana.
E talvez ele tenha tido sorte: outros críticos do governo Kagame aparecem mortos. É o caso de Patrick Karegeya, assassinado em 2013 na África do Sul, com suspeitas de envolvimento de agentes ruandeses, e de Revocat Karemangingo, executado a tiros em Moçambique há algumas semanas.
Arsenal e PSG estão longe de ser as únicas “armas esportivas” do presidente de Ruanda: neste ano, por exemplo, a NBA ajudou a fundar uma liga de basquete na África, a BAL.
A edição inaugural ocorreu justamente em Ruanda, pela boa relação entre a NBA e o governo de Paul Kagame.
Aliás, nesta semana, Ruanda chamou a atenção em outro esporte: no campeonato africano de vôlei feminino, o país foi desclassificado por escalar irregularmente jogadoras brasileiras. O campeonato também ocorreu em Ruanda, na capital Kigali, novamente por influência de Kagame.
Se você nunca viu Hotel Ruanda e gostaria de ver, o filme está atualmente disponível no Amazon Prime Video. (Não é #publi, mas bem que poderia ser - alô, Jeff Bezos)
O filme de 2004, dirigido por Terry George, é estrelado por Don Cheadle no papel de Paul Rusesabagina.
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Falta pouco para sabermos o desfecho da ação que o Crystal Palace moveu contra a UEFA no Tribunal Arbitral do Esporte por ter sido excluído da Liga Europa.
Pode parecer pequeno, e pode até não mudar nada, mas o caso ilustra o quão complexo virou o futebol no capitalismo tardio.
O Crystal Palace conquistou em campo a vaga pra Liga Europa ao bater o Manchester City na FA Cup. Seria a 1ª participação do clube numa competição europeia de grande porte.
No entanto, em julho, a UEFA anunciou o "rebaixamento" do clube à Conference League, uma competição menor.
O argumento da UEFA era o de que a presença tanto do Palace quanto do francês Lyon na competição feria suas regras de multipropriedade de clubes.
Basicamente, os dois clubes tinham um acionista em comum: John Textor.
Conflito de interesses que ameaça a integridade do torneio.
Berço do heavy metal, cidade operária e também muito marcante no futebol: assim é Birmingham, cidade onde Ozzy Osbourne começou e encerrou a carreira.
Longe de ser tão comentada quanto Londres, Liverpool e Manchester, a 2ª maior cidade inglesa tem muita história no esporte.
Não à toa, seu clássico é chamado de "Second City Derby", o dérbi da segunda cidade, disputado entre o Birmingham City e o Aston Villa, time do coração de Ozzy.
A região das West Midlands, onde está Birmingham, foi o coração da Revolução Industrial, por questões de geografia.
Ela era abundante em veios de carvão e minério de ferro, essenciais pro trabalho nas indústrias.
Pequenos itens de metal, como botões e fivelas, eram produzidos em massa em Birmingham, em oficinas especializadas, muito antes de surgirem fábricas voltadas a esses produtos.
O Mundial de Clubes esteve próximo de não acontecer porque faltava dinheiro.
A FIFA conseguiu vender os direitos de transmissão ao DAZN, que pagou US$ 1 bilhão pra exibir o torneio de graça, e pouco depois recebeu um investimento da Arábia Saudita.
Que queria uma Copa do Mundo.
O serviço de streaming da FIFA, o FIFA+, até então gratuito, passou a ser alocado dentro da plataforma DAZN, que conseguiu novos e interessantes conteúdos pra atrair mais assinantes.
Um dos clubes envolvido na disputa do Mundial, o Al-Hilal, pertence ao fundo soberano saudita.
Que também é dono do Newcastle, que não está disputando o torneio, diferentemente dos ingleses Chelsea e Manchester City.
A imprensa inglesa então questiona: estariam então os donos do Newcastle dando dinheiro pra dois rivais de forma indireta?
Campeão do mundo em 2022, Lionel Messi surpreendeu ao escolher, no ano seguinte, o Inter Miami como seu próximo destino.
A equipe tem David Beckham como rosto público, mas seus outros donos têm história curiosa:
Sua fortuna se deve, em grande parte, ao terrorismo contra Cuba.
Na apresentação de Messi, ele foi celebrado não apenas por Beckham, mas pelos irmãos cubano-estadunidenses Jorge e Jose Mas, filhos de Jorge Mas Canosa, um ferrenho opositor do governo cubano.
Ambos são sócios de Beckham no clube e Jorge aproveitou pra discursar diante de Messi.
Afirmou que a equipe era um tributo a Miami, que acolheu sua família em busca de "liberdade".
Aliás, a palavra "freedom" é um dos lemas do Inter Miami: seu próximo estádio, previsto pra 2026, se chamará Miami Freedom Park.
Os irmãos Jorge e Jose nasceram ricos graças ao pai.
Após a vitória do seu Barcelona sobre a Juventus, o técnico Luis Enrique comemora no campo ao lado de sua filha, que agita uma bandeira do clube catalão. Eram os campeões da Europa.
10 anos depois, ele quer repetir a cena. Mas sua filha não está mais aqui.
Xana tinha apenas 9 anos quando faleceu, em 29 de agosto de 2019, devido a uma forma rara de câncer ósseo.
Ele e sua esposa, Elena Cullell, a mãe de Xana, montaram uma fundação com o nome dela após sua morte, para dar apoio a crianças com câncer e às suas famílias.
A vida de Xana coincide um pouco com a carreira de técnico de Luis Enrique, que começou nas categorias de base do Barça, passou pela Roma, pelo Celta, até chegar ao profissional do gigante catalão.
Com ele, o Barça formou o ataque com Messi, Suárez e Neymar e ganhou a Champions.
Um feito histórico no Irã: pela 1ª vez, um clube azeri (azerbaijano) é campeão nacional.
O Tractor, para orgulho dessa que é a maior minoria étnica do país, conquistou o título local.
Nos últimos anos, ele tem sido válvula de escape de uma minoria perseguida pelo governo.
É comum que se pense no Irã como um lar só dos persas, mas o país é um caldeirão étnico. Existem curdos, árabes, baluchis e, sim, azeris.
Estima-se que esses últimos sejam em torno de 20% da população do país, ou algo entre 12 a 20 milhões de pessoas.
Mas a questão é delicada.
A dinastia Pahlavi, que ascendeu ao poder há 100 anos, instaurou políticas de nacionalismo étnico, buscando "persificar" todo o Irã, perseguindo manifestações de identidade azeri.
Ela foi derrubada pela Revolução Islâmica de 1979 com ajuda dos azeris, mas eles se decepcionaram.