A seleção do Iraque ontem se envolveu numa briga com os próprios torcedores, após empatar em 2 a 2 com os Emirados Árabes Unidos, pelas Eliminatórias da Copa 2022.
Para entender as razões da briga, precisamos mergulhar no futebol iraquiano. Vamos de fio.
O resultado de ontem não foi 100% terrível pro Iraque, que segue vivo na briga por uma vaga ao menos pra repescagem asiática. Os 2 primeiros do grupo se classificam direto pra Copa, e o 3º vai a uma disputa com o 3º do outro grupo. Quem ganhar, vai pra repescagem intercontinental
Porém, os torcedores estão muito insatisfeitos com o futebol apresentado. O Iraque ontem perdia o jogo até os 30 do 2º tempo e virou aos 44’.
Mas não conseguiu segurar a vantagem e tomou um gol de empate dos EAU aos 48’.
A performance ruim está ligada à xenofobia.
Há anos, jogadores da diáspora iraquiana, ou seja, que atuam fora do país, são discriminados por outros atletas da seleção e até por dirigentes.
Enquanto seleções do mundo todo se fortalecem com jogadores imigrantes que possam atuar pelos seus países, o Iraque vai na contramão.
Um exemplo disso é Amir Al-Ammari, meia que nasceu e joga na Suécia, mas é filho de pais iraquianos.
Com apenas 18 minutos em campo ontem contra os Emirados Árabes, mudou a partida e permitiu a virada do Iraque.
Mas costuma ter poucas chances porque não é “iraquiano de verdade”
Esse problema existe há pelo menos uma década, quando Nadhim Shaker, ex-craque iraniano, treinou a seleção principal do país e a seleção sub-23. À época, ele afirmou que os “mughtarabeen”, os expatriados iraquianos, não eram tão bons quanto os Ibn Al-Malha, os “filhos da pátria”.
Claro que, do ponto de vista esportivo, isso não faz sentido. A liga iraquiana infelizmente não tem como competir em formação de talentos com ligas da Europa, mesmo as mais periféricas, como a sueca.
Mas essa mentalidade se instalou na federação do Iraque desde então.
Os iraquianos que vêm de fora são vistos como mais “mimados”, portanto, jogadores inferiores aos que vivem no país, que sofreram na pele as consequências das guerras, das sanções internacionais e dos bombardeios que marcaram a vida do Iraque nas últimas décadas.
Então, dos 11 que entraram em campo contra os Emirados Árabes Unidos como titulares, apenas 2 jogadores não atuam no Iraque. É uma das seleções mais “caseiras” da Ásia nesse sentido. Mesmo no banco, só havia 3 expatriados. E não é como se faltasse material humano fora do Iraque.
O curioso é que, no maior título da história do país, a Copa da Ásia de 2007, o Iraque era celebrado como “o time da união”, já que era uma seleção que contava com jogadores xiitas, sunitas e curdos trabalhando juntos, justamente num momento em que o país estava tão dividido.
O jogo de ontem foi em Dubai. Estima-se que há cerca de 150 mil iraquianos vivendo nos Emirados Árabes, e os xingamentos da torcida após a partida foram o gatilho pra briga com os jogadores. Muitos acusam os Ibn Al-Malha de não tocarem a bola pros mughtarabeen quando jogam juntos
Por isso, Hassanin Mubarak, jornalista esportivo especializado em futebol iraquiano, já disse que até Messi teria dificuldades de jogar na seleção do Iraque.
Segundo ele, “Messi é abençoado por ser argentino”, onde não fazem distinção entre "expatriados" e "filhos da pátria".
O Copa Além da Copa fala de esporte, política, história, cultura e sociedade.
Não é fácil encontrar material sobre a seleção iraquiana de futebol em português, certo? Então, caso tenha gostado, considere se tornar assinante e nos ajude a produzir mais em apoia.se/copaalemdacopa
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Você consegue imaginar que um dia o sentimento nos Balcãs foi de união?
Foi na década de 1830 que surgiu o iugoslavismo, a noção de que os povos eslavos do sul deveriam ter uma única e independente nação.
Sérvia e Eslovênia não se enfrentariam hoje se ele não tivesse ruído.
Na época, os povos eslavos do sul tinham seus territórios divididos entre o Império Austríaco e o Império Otomano. Temiam processos de germanificação e de turquificação que aos poucos ocorriam.
O nacionalismo étnico dos eslavos do sul surgiu em resposta a esse temor.
A literatura e a arte floresceram, houve o trabalho de criar o servo-croata, um idioma comum a todos.
Com a queda dos grandes impérios na Primeira Guerra Mundial, o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos foi proclamado em 1918.
A UEFA abriu uma investigação contra torcedores albaneses pela exibição de "mensagens provocativas" na derrota para a Itália.
Mas a situação parece divertida para os policiais alemães: alguns foram filmados dançando com os albaneses e fazendo o sinal da águia de duas cabeças.
Não houve definição pela UEFA de quais foram as "mensagens provocativas" usadas. Também houve denúncias por arremessar objetos no campo e uso de pirotecnia.
O melhor palpite é que o cartaz com o mapa da Grande Albânia seja o causador da denúncia.
O conceito irredentista da Grande Albânia é a referência ao território que os albaneses vêem como seu.
Com maioria de muçulmanos mas sem fronteiras com o que restava do Império Otomano, os albaneses declararam sua independência em 1912. Estavam cercados por nações eslavas.
O provérbio "o inimigo do meu inimigo é meu amigo" nem sempre é verdadeiro, ainda mais quando o assunto é geopolítica.
Croácia e Albânia, que se enfrentam hoje pela Eurocopa, compartilham um imenso ódio à Sérvia. Mas como é a relação entre as duas nações?
Não há fronteira compartilhada entre os Estados modernos de Croácia e Albânia: os países estão separados por Bósnia e Herzegovina, Sérvia e Montenegro.
A maior parte dos croatas é católica, enquanto a maioria dos albaneses é muçulmana.
Os albaneses foram convertidos ao islã sobretudo nos séculos XV e XVI, após a conquista de seu território pelo Império Otomano, quando havia impostos mais pesados para cristãos.
Muitos albaneses que recusaram a conversão fugiram para territórios próximos, como o croata.
Portugal e Tchéquia estreiam hoje a única sede da Eurocopa no território da antiga Alemanha Oriental: Leipzig.
O estádio local foi construído pra Copa do Mundo de 2006, quando essa também foi a única cidade da ex-nação a receber jogos.
A separação do leste tem consequências.
A reunificação da Alemanha, iniciada com a queda do Muro de Berlim em 1989 e concluída em 1991, foi liderada pelo chanceler Helmut Kohl, que prometia tornar os antigos Estados da Alemanha Oriental "paisagens floridas em que vale a pena viver e trabalhar".
Não foi o que ocorreu.
Antigas empresas orientais foram fechadas e milhões perderam seus empregos. Em vez de "paisagens floridas", o que se viu foram "beleuchtete Wiesen", ou prados iluminados: algumas áreas comerciais criadas pra que investidores ocidentais as comprassem, mas que não foram pra frente.
A 1ª grande briga de torcidas na Euro 2024 ocorreu entre ingleses e sérvios antes do jogo de domingo. Ela não incluiu albaneses, segundo a polícia local.
Mas há relatos de que os ingleses provocaram cantando "Kosovo" e até o filho do presidente da Sérvia estava na confusão.
A Inglaterra venceu a Sérvia por 1 a 0 em Gelsenkirchen, mas o jogo morno foi menos comentado nas redes sociais do que a pancadaria entre alguns torcedores: mesas e garrafas foram atiradas de ambos os lados.
A polícia alemã diz ter detido 7 sérvios como consequência da briga.
Viralizou nas redes sociais a presença, entre os torcedores, de Danilo Vučić, filho do presidente sérvio Aleksandar Vučić.
Ligado aos ultras, ele foi filmado sendo segurado pelos próprios guarda-costas, que o impediram de participar diretamente da briga.
A Eurocopa traz constantes lembranças das disputas territoriais pela Europa e do quão volátil é o mapa do continente.
Em 1922, a seleção romena jogou pela primeira vez em casa. O estádio que sediou essa partida atualmente está localizado na Ucrânia, hoje rival dentro de campo.
O estado moderno da Romênia surgiu em 1862, quando dois principados com maioria de romenos étnicos, a Valáquia e a Moldávia, se uniram.
Outra parte fundamental do que hoje é a Romênia, a Transilvânia, só se integraria em 1920, com a dissolução do Império Áustro-Húngaro.
Com 58% de romenos étnicos e cerca de 30% de ucranianos, a Bucovina, vizinha da Transilvânia, também estava sob controle do Império Áustro-Húngaro.
Sua população votou pela unificação com a Romênia ao fim da Primeira Guerra Mundial.