Lá vai a exposição que fiz hoje à tarde para o Fórum 21 que havia prometido pela manhã.
1) Marcos gerais do comportamento político brasileiro
Alain Touraine sugere que o espectro político brasileiro aderna à direita: socialistas adotam programas socialdemocratas, socialdemocratas defendem agenda liberal e liberais são ultraconservadores no Brasil
2) O autor francês sustenta que a dimensão política do mundo contemporâneo foi capturada pela dimensão econômica (interesses transnacionais) e alijou desta equação da representação formal a dimensão cultural (dos valores e crenças, da energia moral que brota da sociedade civil)
3) Boaventura Santos, por seu turno, sustenta que nossa prática política é marcada pela “carnavalização”, ou seja, como no Carnaval, as ações políticas podem até transgredir, desde que dentro da Ordem
4) Pesquisas recentes com a base da sociedade brasileira (Vozes do Bolsa Família ou pesquisas do DataFavela) sugerem que a o ideário do empreendedorismo, o hiperindividualismo e a ideologia da intimidade tombaram raízes junto à população pobre brasileira
5) Finalmente, a profunda segmentação social que atingiu o século XXI debela as relações societais e alimentam os coletivos e relações comunitárias.
6) A fragmentação social e de agendas é fruto de muitas variáveis: o teletrabalho (que confunde local de trabalho com local de moradia), a cultura identitária, a provisoriedade de posicionamentos alimentada pelas redes sociais radiculares e segmentadas ...
7) O resultado é a provisoriedade das ações políticas e sociais e a política do ciclo curto (a legitimação do governante eleito se desgasta na impossibilidade de atendimento da miríade de agendas e interesses plasmadas na sociedade em dois anos)
8) Tendências do Cenário de 2022
1.As pesquisas realizadas ao longo deste ano indicam a consolidação da polarização entre Lula e Bolsonaro para a eleição de 2022
9) Lula deverá sofrer uma ligeira queda de intenção de votos a partir de março de 2022 quando os ataques à sua pessoa e, principalmente, ao PT, se multiplicarão
10) O calcanhar de Aquiles da campanha Lula parece ser a identidade do PT. Pesquisa recente realizada pela Vox Populi revela que o eleitor evangélico bandeia se inclina para votar em Lula, com patamares de intenção de voto similares à média nacional, mas é arredio ao PT
11) Por seu turno, as forças de extrema-direita (entre 8% e 12% da população adulta brasileira) se organiza politicamente desde o ano passado, criando think tanks, estabelecendo alianças com alto empresariado paulista (secundariamente, com o alto empresariado carioca e gaúcho)
12) Estão partindo para a ofensiva na área educacional e disseminação de valores junto à base da sociedade. Este é o caso do Brasil 200, do Instituto Liberal-Conservador, do Brasil Paralelo, da ofensiva da Fundação Lemann que forma bancadas conservadoras na Câmara de Deputados
13) O governo federal esboça políticas tópicas de caráter populista para 2022, mantendo o discurso radical para alimentar sua base (adotando como referência o discurso de Trump)
14) Já o Centrão continuará sendo o fiel da balança da governabilidade deste e, possivelmente, do próximo governo federal. Centrão é expressão política dos interesses do alto empresariado nacional (financiado que é pelas elites econômicas) e se movimenta a partir do clientelismo
15) Trata-se do baixo clero, expressão cunhada por Ulysses Guimarães para nomear parlamentares sem capacidade de elaboração de agenda nacional, mas que vivem da entrega de obras, serviços e recursos públicos para suas bases eleitorais, criando um ciclo de chantagem aos governos
16) Tendências para 2023
Lula sinaliza que formará um governo de reconstrução nacional, amplo, de composição de interesses
17) Se seguir este script, há grande possibilidade de setores empresariais assumirem, como nas suas duas gestões federais, os postos de comando da política econômica. O cenário político e econômico, contudo, é muito distinto do período 2003-2010.
18) Lula terá, se for vitorioso no pleito de 2022, o bolsonarismo aquecido e livre das amarras dos acordos com o Centrão, para pressionar diariamente, até o limite da ruptura social e política, o governo.
19) Tal situação criará um importante poder de barganha para o setor empresarial, o mesmo que financia, neste momento, think tanks ultraliberais e/ou de extrema-direita no Brasil e que financia o Centrão. O governo Lula tende a sofrer, se este cenário se confirmar, instabilidades
20) Em termos econômicos, o novo governo encontrará um Estado delapidado, capturado por interesses privados e subordinado aos acordos tópicos, num cenário de investimentos externos desfavorável, com oscilações nos preços das commodities.
21) Embora a China venha apresentando um repique nos seus índices de crescimento econômico (de 7% a.a. para trimestres que apresentam crescimento abaixo de 5%), é ainda o país que pode gerar investimentos que possibilitem uma retomada – ainda que discreta – do crescimento do PIB
22) O governo Lula terá esta janela de oportunidades a ser explorada (rearticulação de interesses com China e Rússia), para retomar acordos econômicos com a terceira potência mundial, os EUA, em condições mais favoráveis.
23) O papel das esquerdas
Avalio que a esquerda brasileira parece se movimentar em dois planos: o da ação social de massas, liderada neste momento pela Campanha Fora Bolsonaro (que envolve 660 entidades e coletivos); e a dimensão institucional, focada no calendário eleitoral.
24) Na prática, a esquerda organizada em partidos políticos enfrenta enormes dificuldades para liderar ações sociais de massa em virtude da quebra de vínculos com organizações populares e movimentos sociais
25) Organizações populares e movimentos sociais, mesmo mantendo relações formais com partidos de esquerda, parecem ter ganho autonomia política e até mesmo programática, em especial, neste momento em que Lula se movimenta ao centro do espectro político
26) Caberia, ainda que hipoteticamente, uma ofensiva desse segmento (organizações populares e movimentos sociais à esquerda) se projetando como player no jogo de construção da agenda nacional para 2023.
27) Para tanto, deveria superar a atual fragmentação política e de pautas corporativas e abrir um vigoroso processo de debates estaduais, organizando plenárias para a construção de uma agenda mínima para 2023, agenda ousada e que marque posição pelo projeto de desenvolvimento
28) Fazem parte desta agenda romper com o acordo militar-empresarial de subordinação do Brasil aos interesses dos EUA), a reconstrução das estruturas do Estado nacional, o avanço nos sistemas de controle e participação social nos processos formais de tomada de decisão ...
29) ... a adoção de uma agenda de disputa de valores sociais para construção da hegemonia cultural (como ocorreu entre 1950 e início deste século), o impedimento de participação de representação empresarial na condução de políticas econômicas nacionais ...
30) ... uma ofensiva contra a sonegação de impostos, reforma tributária marcada pela justiça social e imposto progressivo, dentre outras iniciativas.
31) Sem esta iniciativa política, a esquerda terá pouca influência sobre um novo governo Lula e estará desarmada para atuar no próximo período, possivelmente definido por forte disputa de agendas ideológicas. (FIM)
• • •
Missing some Tweet in this thread? You can try to
force a refresh
Bom dia. Estava assistindo uma minissérie quando, em determinado momento, o personagem principal, em meio a um caos instalado, sugere que todos somos movidos por sonhos. De fato, ninguém deseja ser desiludido. Este é o fio.
1) Ouvi esta frase numa palestra, acho que de Nilson José Machado, o idealizador do ENEM ( que originalmente foi inspirado na teoria das inteligências múltiplas). Ele falava da origem da palavra ilusão, que é "illudere", e que significa "brincar com".
2) E lascou esta conclusão: "a questão é que ninguém deseja ser um desiludido". A questão deste fio, conduto, é uma derivação dessa conclusão que não há como um ser humano viver sem utopia, sem "brincar com a realidade". Daí a necessidade da arte e até da bondade.
Bom dia. Por mais paradoxal que possa parecer, acho que Hugo Motta ajudou Lula a sair de uma arapuca. Explico a afirmação no fio que começa agora:
1) Até então, o Lula3 estava amarrado ao Centrão, praticamente paralisado. O medo que tomou conta de Lula tinha como fonte a capacidade de mobilização do bolsonarismo que poderia desmoralizar a sua história de líder de massas.
2) Eis que, de repente, o bolsonarismo coloca 12 mil pessoas na avenida Paulista e Hugo Motta resolve peitar o projeto de Haddad sobre o IOF. O IOF era a tábua de salvação para dar sobrevida às contas governamentais.
Boa tarde. O fio de hoje é sobre o calcanhar de Aquiles dos Bolsonaro: agitam, mas não organizam. Lá vai:
1) Max Weber nos ensinou que há um tipo de líder que arrebata as massas pela paixão. Raramente se relaciona com as tradições e é ainda mais raro respeitar regras e normas. Trata-se do líder carismático.
2) Carisma significa “toque de Deus”. Por algum motivo, alguém é escolhido para se sacrificar ou para se distinguir dos outros humanos. Ele parece igual aos outros, mas algo o diferencia da multidão.
Bom dia. O fio de hoje é sobre a frase de Chico de Oliveira que postei ontem por aqui. Dizia que os anos 1990 retiraram a musculatura do Estado brasileiro e o século 21 retirou a musculatura da sociedade civil. Lá vai:
1) O Estado foi criado como garantidor da estabilidade social cujo objetivo era sustentar que as expectativas individuais (e coletivas) fossem passíveis de serem realizadas.
2) Se no século 19 surgiu a ideia de proteção social via intervenção estatal – vindo do improvável projeto de Bismark -, no século 20 se projetou, via socialdemocracia, a lógica da promoção social via amplas políticas de Estado.
Bom dia. Postarei um fio sobre o Centrão. Minha leitura é que ele é uma ponta de lança do fisiologismo e da direita brasileira que necessita se aliar com governos progressistas. Explico:
1) O que não parece ter um encaixe equilibrado é a necessidade do Centrão se aliar à liderança de um polo progressista. Foi assim com FHC, puxado por ACM. O faz agora com Lula.
Fico pensando no que o move para este lugar.
2) Uma possibilidade é o fisiologismo que o marca, focado nos espaços miúdos e na fragmentação territorial. Por aí, o Centrão teria muita dificuldade para esboçar um projeto nacional.
Boa tarde. O fio de hoje é uma tentativa de leitura do que me parece um sistema político federal criado após o início do Lula3. Sei que qualquer leitura mais crítica ao governo Lula atrai uma enxurrada de ataques e desesperos, mas sinto que chegou o momento de abrirmos discussão
1) É conhecida a tese de Chico de Oliveira em sua “Crítica à razão dualista”: existiria um todo sistêmico que gerava uma especificidade da economia e sociedade brasileiras e que era interpretado por parte da intelectualidade brasileira como subdesenvolvimento.
2) A dualidade evitava compreender a lógica integrada entre atraso e pujança como um todo devido ao que sugeria ser proveniente de certo moralismo intelectual.