Bom dia. Farei um pequeno fio para socializar a evolução da articulação empresarial brasileira dos anos 1980 até os anos 2000. Um processo de articulação de interesses que evolui para aliciamento juvenil e propagação de doutrinas liberal-conservadoras. Lá vai:
1) Na década de 1980 as articulações empresariais focaram na disputa no interior da constituinte. Destacaram-se a Câmara de Estudos e Debates Econômicos e Sociais (CEDES), o Grupo de Mobilização Permanente (GMP), Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), a UDR
2) Também tiveram papel relevante no período: a União Brasileira de Empresários (UB), o Movimento Cívico de Recuperação Nacional (MCRN), o Movimento Democrático Urbano (MDU), o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) e a Frente Nacional pela Livre Iniciativa
3) Muitas das ideias até hoje defendidas em programas como Ponte para o Futuro (PMDB, durante governo Temer) foram esboçadas no final da década de 1980. Havia, ainda, um discurso pelo Estado Mínimo que logo seria superado
4) Na passagem da década de 1980 para 1990, surgiram institutos e fundações empresariais voltadas para a responsabilidade social, como o Grupo de Institutos, fundações e empresas (GIFE) e o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Uma vertente mais social
5) Esta vertente logo seria abandonada, em especial, nos anos de gestão lulista, quando o empresariado nacional prioriza o embate ideológico e a ofensiva doutrinária.
6) Nos anos 1990 surgem as articulações para elaboração de projetos estruturais e mecanismos de reconfiguração da estrutura institucional do Estado brasileiro (inaugurada em 1983, com a criação do Instituto Liberal). Esta é a virada para a atual visão de mundo empresarial
7) Merece destaque o papel do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), do Instituto Atlântico, do Grupo de Líderes Empresariais (Lide) e do Movimento Brasil Competitivo (MBC). Lide foi articulada por João Dória, mobilizando a elite empresarial
8) A partir daí, a ofensiva empresarial para captura do Estado passa a ser constante. Nasce daí uma outra vertente: a de aliciamento de jovens universitários para as ideias ultraliberais e ultraconservadoras.
9) Ingressamos no século XXI com a proliferação de aparelhos de difusão doutrinária liberal-conservador como o Instituto Liberal (IL), Instituto de Estudos Empresariais (IEE), Instituto Liberdade, Instituto Millenium (Imil)
10) Dentre as entidades (e think tanks) que partem para a ofensiva política, para a doutrinação e financiamento de juventudes universitárias e organização de mobilizações sociais, figuram Instituto Von Mises Brasil (IMB), Estudantes pela Liberdade (EPL), e o MBL
11) Há inúmeras articulações internacionais que financiam e promovem tais organizações políticas de empresários brasileiros e think tanks como as lideradas pela Tinker Foundation e Atlas Network (antes, Atlas Economic Research Foundation.
12) A Fundação Tinker foi criada em 1959 e assessora lideranças políticas, com foco na integração da A. Latina com os EUA. Estabeleceu relações íntimas com os Institutos Liberais (do RJ e RS).
13) Já o Atlas Network organiza oficinas, treinamentos, financia entidades ultraliberais da A.Latina e promove ações para expandir o conceito de "livre mercado". Artigo de Kátia Gerab Baggio revela as linhas de financiamento para entidades estudantis brasileiras e MBL
14) Uma das articulações mais profícuas na disseminação de valores liberal-conservadores no Brasil - apoiada pelo alto empresariado de SP, RJ e RS - foi o Fórum da Liberdade, com versões anuais. O evento reúne 5 mil pessoas e possui 150 mil seguidores nas redes sociais
15) Jorge Gerdau é uma das figuras-chave de várias dessas articulações que cito neste fio. Paulo Rabello de Castro foi um importante formulador de agendas disseminadas por essas articulações. Ambos gravitaram ao redor dos governos lulistas.
16) Tais articulações parece que não entraram no radar do campo progressista. A difusão das teorias da Escola Austríaca de Economia ocorreu ao longo dessas décadas. A formação de lideranças ultraliberais jovens e envolvimento de jornalistas se deu a partir daí
17) A articulação de Hélio Beltrão com a Rede Globo se conformou a partir dessa ofensiva política e doutrinária que citei. Hélio é filho do ex-ministro e irmão de Maria Beltrão, da Globonews.
18) Uma ilustração dessa ofensiva foi o "Colóquio Instituto Liberdade 2008/2009", articulado com a Faculdade de Administração, Contabilidade, Economia, Hotelaria e Turismo da PUC-RS. Bolsas de estudos e publicação de artigos juvenis em revistas ultraliberais se multiplicaram
19) Enfim, neste momento, o bolsonarismo articula uma ofensiva similar ao que descrevi em relação ao pensamento liberal-conservador financiado pelo alto empresariado brasileiro. Agora, com o foco nos valores da extrema-direita.
20) Brasil Paralelo tentou doutrinar nas universidades, à semelhança do que os institutos liberais fizeram nas duas primeiras décadas deste século. A tentativa se frustrou. Não desistiram e, agora, avançam sobre 300 favelas brasileiras.
21) Hora de abrirmos os olhos. (FIM)
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Bom dia. Estava assistindo uma minissérie quando, em determinado momento, o personagem principal, em meio a um caos instalado, sugere que todos somos movidos por sonhos. De fato, ninguém deseja ser desiludido. Este é o fio.
1) Ouvi esta frase numa palestra, acho que de Nilson José Machado, o idealizador do ENEM ( que originalmente foi inspirado na teoria das inteligências múltiplas). Ele falava da origem da palavra ilusão, que é "illudere", e que significa "brincar com".
2) E lascou esta conclusão: "a questão é que ninguém deseja ser um desiludido". A questão deste fio, conduto, é uma derivação dessa conclusão que não há como um ser humano viver sem utopia, sem "brincar com a realidade". Daí a necessidade da arte e até da bondade.
Bom dia. Por mais paradoxal que possa parecer, acho que Hugo Motta ajudou Lula a sair de uma arapuca. Explico a afirmação no fio que começa agora:
1) Até então, o Lula3 estava amarrado ao Centrão, praticamente paralisado. O medo que tomou conta de Lula tinha como fonte a capacidade de mobilização do bolsonarismo que poderia desmoralizar a sua história de líder de massas.
2) Eis que, de repente, o bolsonarismo coloca 12 mil pessoas na avenida Paulista e Hugo Motta resolve peitar o projeto de Haddad sobre o IOF. O IOF era a tábua de salvação para dar sobrevida às contas governamentais.
Boa tarde. O fio de hoje é sobre o calcanhar de Aquiles dos Bolsonaro: agitam, mas não organizam. Lá vai:
1) Max Weber nos ensinou que há um tipo de líder que arrebata as massas pela paixão. Raramente se relaciona com as tradições e é ainda mais raro respeitar regras e normas. Trata-se do líder carismático.
2) Carisma significa “toque de Deus”. Por algum motivo, alguém é escolhido para se sacrificar ou para se distinguir dos outros humanos. Ele parece igual aos outros, mas algo o diferencia da multidão.
Bom dia. O fio de hoje é sobre a frase de Chico de Oliveira que postei ontem por aqui. Dizia que os anos 1990 retiraram a musculatura do Estado brasileiro e o século 21 retirou a musculatura da sociedade civil. Lá vai:
1) O Estado foi criado como garantidor da estabilidade social cujo objetivo era sustentar que as expectativas individuais (e coletivas) fossem passíveis de serem realizadas.
2) Se no século 19 surgiu a ideia de proteção social via intervenção estatal – vindo do improvável projeto de Bismark -, no século 20 se projetou, via socialdemocracia, a lógica da promoção social via amplas políticas de Estado.
Bom dia. Postarei um fio sobre o Centrão. Minha leitura é que ele é uma ponta de lança do fisiologismo e da direita brasileira que necessita se aliar com governos progressistas. Explico:
1) O que não parece ter um encaixe equilibrado é a necessidade do Centrão se aliar à liderança de um polo progressista. Foi assim com FHC, puxado por ACM. O faz agora com Lula.
Fico pensando no que o move para este lugar.
2) Uma possibilidade é o fisiologismo que o marca, focado nos espaços miúdos e na fragmentação territorial. Por aí, o Centrão teria muita dificuldade para esboçar um projeto nacional.
Boa tarde. O fio de hoje é uma tentativa de leitura do que me parece um sistema político federal criado após o início do Lula3. Sei que qualquer leitura mais crítica ao governo Lula atrai uma enxurrada de ataques e desesperos, mas sinto que chegou o momento de abrirmos discussão
1) É conhecida a tese de Chico de Oliveira em sua “Crítica à razão dualista”: existiria um todo sistêmico que gerava uma especificidade da economia e sociedade brasileiras e que era interpretado por parte da intelectualidade brasileira como subdesenvolvimento.
2) A dualidade evitava compreender a lógica integrada entre atraso e pujança como um todo devido ao que sugeria ser proveniente de certo moralismo intelectual.