No domingo acontecem as eleições presidenciais no Chile. O país viveu nos últimos anos uma revolta popular que virou a política chilena de cabeça pra baixo e colocou um ponto final na polarização entre neoliberais de centro-esquerda e neoliberais de centro-direita. Mas como? 👇🏽
O fim da sangrenta ditadura de Augusto Pinochet (1973-1989) permitiu que os chilenos pudessem novamente eleger seus representantes e os partidos voltassem a funcionar. Diferente do Brasil, os crimes da ditadura não ficaram totalmente impunes e houve justiça de reparação (+)
Acontece que, apesar dos governos democráticos terem se esforçado para criar uma consciência nacional em torno dos horrores da ditadura, a base econômica e social da ditadura foi preservada: a constituição chilena é da época de Pinochet e consagra o neoliberalismo como modelo (+)
No Chile não há universidades gratuitas, o que faz com que os estudantes tenham que se endividar juntos aos bancos para poder estudar. O sistema de aposentadorias é todo baseado em fundos privados, com pensões baixíssimas que jogam milhões de idosos à própria sorte (+)
Esse modelo nunca foi questionado pela coalizão de centro-esquerda, formada pelo Partido Socialista e pela Democracia-Cristã. A constituição de Pinochet era uma realidade, era o “sistema” e ponto. Mas veio a crise econômica global de 2008 e as rebeliões estudantis de 2011 (+)
Como aconteceu todos os países, a crise impactou especialmente os mais pobres. No Chile, os estudantes - que desde o início dos anos 2000 questionavam o modelo - foram a vanguarda da resistência. Sua luta impactou o sistema político, que teve que abrir espaço a novos partidos (+)
Entre esses partidos surgiram várias legendas formadas por lideranças estudantis oriundas dos protestos de 2011. Esses partidos questionavam o pacto da transição e a constituição de Pinochet em vigor. Questionavam também a centro-esquerda e sua aceitação do neoliberalismo (+)
Assim, a política chilena, antes dominada por uma polarização entre centro-esquerda e centro-direita, viu surgir novos atores oriundos dos movimentos de constatação ao neoliberalismo. Uma nova esquerda, jovem, combativa e profundamente crítica ao modelo de governabilidade (+)
Em 2019 começa uma nova onda de protestos, uma verdadeira rebelião popular contra todas as formas de desigualdade. A luta estudantil encontrou a luta indígena; o feminismo junto com os sindicatos; os aposentados ao lado dos mineiros. Uma energia de mudança tomou as ruas (+)
Já não era mais possível ao velho sistema manter-se de pé. O povo exigia o fim do neoliberalismo. Após meses de protestos brutalmente reprimidos pelo governo de Sebastián Piñera (direita), foi convocado um plebiscito para que o povo decidisse se queria uma nova constituição (+)
A imensa maioria se manifesta favorável à convocação de uma assembleia constituinte formada por novos deputados e deputadas. Ela é formada majoritariamente por movimentos e partidos progressistas e a nova esquerda passa a ter papel decisivo nas lutas pela nova constituição (+)
A eleição presidencial do próximo domingo acontece como resultado da convulsão social dos últimos anos. Quem lidera as pesquisas é @gabrielboric, líder estudantil em 2011, um dos articuladores do @elfrente_amplio, coalizão de partidos da nova esquerda, e atualmente deputado (+)
Seu principal adversário é José Antonio Kast, um ex-deputado de extrema-direita e fã de Pinochet. Ele uso a crise do modelo para reivindicar uma “mudança” e defender a ditadura. Lembra alguém? Como diria Gramsci, “é no interregno que surgem as formas mais mórbidas”… (+)
Os candidatos de centro (à esquerda e à direita) ocupam, segundo pesquisas recentes, o terceiro e quarto lugar na corrida presidencial. Significa que há grandes chances do segundos turno, em dezembro, ser entre candidatos dois de fora do “establishment” numa mega polarização (+)
Por isso a eleição no Chile é tão importante. Uma vitória de Boric pode colocar no poder uma esquerda que nasceu da luta contra o neoliberalismo e as vacilações da “velha esquerda”. Uma vitória de Kast pode fortalecer uma saída reacionária para a crise, um “novo Bolsonaro” (+)
A eleição comprova que as saídas de “centro” mostram sua fadiga também no Chile. Não há porque ter medo da polarização. O modelo faliu e há espaço para uma alternativa antineoliberal. Gostou do assunto? Tem mais na minha tese de doutorado (que vai virar livro!). Acesse o link:
repositorio.unb.br/bitstream/1048…

No segundo turno o @psol50 estará com @gabrielboric no Chile lutando para derrotar a extrema-direita e o neoliberalismo. Os povos de nossa América podem viver em paz!
#BoricEnPrimeraVuelta
#BoricPorChile🇨🇱 👊🏽

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19 Jul
A proposta de "semipresidencialismo" não passa de uma cortina de fumaça pra justificar o fato de Lira não ter aberto um dos 120 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Mesmo assim, é preciso estarmos atentos, porque já tem gente embarcando nessa canoa furada. Segue o fio:
Os jornais têm falado em "semipresidencialismo", mas na verdade trata-se de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende esvaziar os poderes do Presidente da República, criando a figura de um Primeiro-Ministro que seria o chefe de governo (+)
A proposta parece sedutora, especialmente quando temos um Chefe-de-Estado como Jair Bolsonaro. Mas não nos enganemos. A proposta tem um único objetivo: entregar ao Congresso Nacional - e, consequentemente, ao "Centrão" - o controle formal sobre o governo do país (+)
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9 Mar 20
A economia mundial derrete, Petrobrás perde quase R$ 80 bi em meia hora e dólar pode chegar a R$5. Commodities têm a maior queda desde 1986 e a perspectiva do governo é queimar reservas para segurar o câmbio (segue o fio).
Ainda não dá para saber qual a reação da direia. Irão redobrar o apoio à Bolsonaro e ajudar Guedes a impulsionar as reformas, que, na visão deles, são a solução para a crise? Ou entrarão em pânico? As perdas são brutais para os de cima.
Diante disso, Guedes, um operador do mercado sem nenhuma experiência em gestão de crise, repete o mantra "acelerar as reformas". Seria uma tragédia. O país está mais desindustrializado e vulnerável justamente por causa das reformas, que contaram até aqui com o apoio do "Centrão".
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27 Dec 19
Quer dizer que as centenas de historiadores, sociólogos e cientistas políticos de ESQUERDA estão perdendo tempo ao estudar 2013 como um fenômeno social complexo que estava em disputa porque, na verdade, tudo não passou de uma armação da CIA? Discordo.

revistaforum.com.br/politica/lula-…
Vladimir Safatle, André Singer, Flávia Biroli, Leonardo Avritzer, Esther Solano, Rudá Ricci, Luiz Felipe Miguel.Só pra citar alguns dos/das principais nomes da ciência política e da sociologia de esquerda que defendem a visão de que junho expressa um fenômeno social complexo.
Na base desse fenômeno está um enorme descontentamento com a degradação dos serviços públicos e da qualidade de vida nos grandes centros urbanos. Organizei junto com @Maringoni50 um livro sobre o lulismo com vários artigos que abordam as raízes de junho de 2013.
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3 Aug 19
GRAVÍSSIMO!
Polícia Militar acaba de entrar na Plenária de Mulheres do PSOL em São Paulo, pedindo documentos de nossas filiadas e afirmando que o evento está "monitorado" pela PM. Grave ataque ao direito de livre organização partidária. Vamos cobrar de @jdoriajr uma explicação!
A Plenária de Mulheres é um evento preparatório ao Encontro Nacional de Mulheres do PSOL, que acontece há anos e elege o Setorial de Mulheres do partido. Evento político de caráter reservado às filiadas do PSOL, totalmente amparado pelo direito à livre organização partidária.
Não há qualquer justificativa para que a PM "monitore" um evento partidário. Esse gesto de intimidação é inaceitável. Não estamos mais na Ditadura Militar, quando o direito de reunião podia ser coibido. Vamos acionar todas as autoridades contra esse absurdo. Chega!
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