O passado nunca está tão distante quanto a gente pensa, e nesse fio eu vou dar alguns exemplos disso
Essa é Helen Viola Jackson, a última viúva de um veterano da Guerra de Secessão. Sim, aquela guerra que acabou em 1865. Sabe quando ela morreu? Ano passado.
Sim, 2020. +
Ela tinha algo entre 17 e 19 anos (as fontes variam) quando casou com James Bolin, que tinha na época 91 a 93 anos (as fontes tb divergem nisso). Ela se voluntariou para ser cuidadora de James, e o casamento ocorreu porque +
...James queria que ela recebesse a pensão de viúva de ex-combatente depois que ele morresse, em agradecimento por ela cuidar dele. Mas ninguém ficou sabendo. Quando a filha mais velha dele soube, após sua morte, ameaçou Helen +
Ela, com medo de ficar mal falada por supostamente “se aproveitar de um idoso pra ganhar pensão”, abriu mão desse direito. Apenas no fim da vida ela decidiu abrir o jogo de vez, receber os pagamentos e falar publicamente sobre isso. +
Já que nós estamos falando de veteranos da Guerra de Secessão, podemos falar de Albert Woolson, último ex-combatente da União vivo, falecido em 2 de agosto de 1956. Ou seja: tinha um veterano da guerra civil vivo quando o Kruschev fez o discurso secreto de fevereiro de 1956 +
E da guerra do Paraguai? Bem, nós temos Pedro Guedes do Amaral, que não só foi o último soldado dessa guerra vivo, como também lutou na Revolução Federalista de 1893 e na Guerra de Canudos. Sabe quando ele morreu? +
Em 1954. Nesse ano a Segunda Guerra Mundial já tinha acabado há quase uma década, a Guerra da Coreia já tinha tido seu cessar-fogo e Stalin já tinha morrido. +
Tony Tornado afirmou que seu pai, Ray Antenon, nascido em Georgetown, foi escravo reprodutor aqui no Brasil. Ele nasceu depois da Lei Áurea, mas ainda havia escravidão informal em algumas fazendas no interior. +
Ou seja: você conhece um famoso que era filho de um escravo, e que morreu há apenas alguns poucos anos. E há quem diga que a escravidão é um fenômeno antigo demais para explicar os problemas brasileiros... +
“Mas Icles, a escravidão já tinha sido oficialmente abolida, não conta”. Bom, tem uma história cuja veracidade carece de confirmação em pesquisa arquivística, mais precisamente de um ex-escravizado chamado Valdomiro Silva. +
Valdomiro teria sido o último ex-escravizado brasileiro vivo. Ele supostamente teria morrido aos 121 anos em 13 de setembro de 1986. De acordo com a notícia que eu encontrei, Valdomiro foi trazido ao Brasil em 1882 – a despeito do tráfico já ter sido abolido décadas antes. +
Se a história dele for real, Valdomiro ainda era vivo quando o acidente de Chernobyl aconteceu, a ditadura militar no Brasil já tinha acabado, o Metallica já estava no seu terceiro álbum e eu já tinha nascido. +
Ou seja: há a possibilidade de que todo mundo que tá lendo isso aqui que nasceu antes de 13/09/1986 tenha vivido ao mesmo tempo em que ainda havia um ex-escravizado brasileiro vivo. +
E tem essa senhorinha aqui: Emma Morano. Ela foi a última pessoa nascida nos anos 1800 a falecer, mais precisamente em 17 de abril de 2017. A Dilma nem era mais presidente e ela ainda era viva. +
E tem essa outra senhorinha aqui: Nabi Tajima. Ela foi a última pessoa nascida no século XIX ainda viva (nasceu em 4 de agosto de 1900). Sabe quando ela morreu? Em 2018. Tinha uma pessoa do século XIX viva quando Lula foi preso em segunda instância. +
Esse senhorzinho na foto é Claude Choules, falecido em 2011 aos 110 anos. Ele foi o último veterano da Primeira Guerra Mundial a falecer.
Sim, você não leu errado. PRIMEIRA guerra mundial, aquela que terminou em 1918. +
Quando ele morreu o Lula nem era mais presidente, o Orkut tava entrando em decadência, James Cameron já tinha lançado Avatar, o MCU já estava em andamento e o Sambô já tava assassinando Sunday Bloody Sunday +
E esse senhor aqui? Josep Almudéver, o último ex-combatente das brigadas internacionais da Guerra Civil Espanhola, q mentiu a idade pra lutar na guerra. Sabe quando ele morreu? +
Nesse nosso ano de 2021 mesmo, dia 23 de maio. Ainda tinha um ex-combatente das brigadas internacionais vivo quando meu podcast, o @historiaFM, já existia e até já tinha lançado episódio justamente sobre a Guerra Civil Espanhola +
Anos 1800, escravidão, Primeira Guerra, Guerra Civil Espanhola... Várias trajetórias diferentes, mas todas elas têm em comum ser exemplos muito vivos de que certos momentos históricos que parem muito distantes não estão tão longe assim. +
Por enquanto é isso, gente. Vou postar abaixo os links pra vocês lerem mais sobre esses casos. A pesquisa foi meio rápida e o fio pode conter alguns furos:
Sobre Pedro Guedes do Amaral eu achei o nome dele em um artigo da Wikipédia, e depois essa imagem da Revista O GLOBO- nº 521 – 1950 na página “Marcos do Pampa” no Facebook. Se alguém tiver alguma fonte melhor, pode comentar aqui.
E fica aqui a sugestão para vocês: da próxima vez que vocês pensarem que certos eventos históricos estão muito distantes, que é um passado muito longínquo, lembrem desse fio. Vai ajudar vocês a verem as coisas em perspectiva.
Já que esse fio caiu nas graças do público, vamos de mais casos:
Aracy Balabanian, que vocês já viram na TV várias vezes, é filha de sobreviventes do Genocídio Armênio. Sim, aquele mesmo que ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial e até hoje os turcos não reconhecem.
Sabe as Guerras Napoleônicas, que acabaram em 1815? Então, tinha um cara chamado Vincent Markiewicz que lutou pela França nessa guerra que foi morrer só em 1903. Já era século XX.
Peter Mills, nascido em 1861, foi a última pessoa nascida escrava nos Estados Unidos a morrer, aos 110 anos de idade. Sabe quando ele morreu?
Em 22 de setembro de 1972. O Brasil já tinha 3 copas, o Brasil já era uma ditadura e o Black Sabbath estava a 3 dias de lançar seu quarto álbum.
Ainda sobre esse ano: sabe aquele livro "Enterrem meu coração da curva do rio", do Dee Brown? O título dele vem do Massacre de Wounded Knee, ocorrido em 1890. A última sobrevivente desse massacre, Louisa Motley, também morreu em 1972.
E já que estamos falando de massacres de povos originários dos EUA, podemos citar também Mary Jo Estep, a última sobrevivente do "último massacre" indígena considerado por lá, ocorrido em 1911. Sabe quando ela morreu? Em dezembro de 1992. A URSS nem existia mais.
Augustine Teissier foi a última pessoa viva a ter sido governada por Napoleão III, último monarca francês, que morreu em 1873. O cara morreu com 112 anos sabe quando?
Em 1981. O Iron Maiden já estava indo pro segundo álbum, os soviéticos já estavam mandando tropas pro Afeganistão, o AC/DC já tinha lançado o Back In Black, Jean-Paul Sartre já tinha morrido e as Greves dos metalúrgicos do ABC de 78-80 já tinham acabado.
Esse cara aí da foto era Wolfgang de Hesse-Cassel. O último descendente da Rainha Vitória (falecida em 1901) a ter nascido enquanto ela ainda estava viva. Sabe quando ele morreu?
Em 12 de julho de 1989. Quando ele morreu George Bush pai já tinha virado presidente, os soviéticos estavam retirando as tropas do Afeganistão e faltavam poucos meses pra queda do muro de Berlim.
E falando na Rainha Vitória, a senhora abaixo se chamava Violet Brown. Nascida na Jamaica quando o país ainda era dominado pelos britânicos, ela foi a última "súdita" da Rainha Vitória a morrer. Sabe quando? EM 2017!
Vocês já ouviram falar do terremoto de São Francisco de 1906, que devastou a cidade? E se eu te dissesse que o último sobrevivente dele, William Del Monte, morreu em 11 de janeiro de 2016? O cara morreu no último ano do mandato de Barack Obama.
Lendo pra fazer esse fio eu esbarrei com a história de Sun Yaoting. O cara foi o último eunuco da imperatriz chinesa a morrer. Sabe quando? Em dezembro de 1996. O cara morreu depois de Ayrton Senna e Renato Russo.
Estamos chegando perto do natal e muita gente lembra da trégua de natal de 1914, ocorrida em algumas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, certo?
O último sobrevivente dela, Alfred Anderson, morreu em 2005. Lula já era presidente e o Orkut já existia.
Inclusive tem um episódio bem foda sobre Primeira Guerra no meu podcast, saca só: anchor.fm/historia-fm/ep…
Ainda falando em Primeira Guerra Mundial, sabe o Barão Vermelho? Então, a última testemunha do abate do avião de Manfred von Richtofen morreu só em 2004, apenas um ano antes de Alfred Anderson.
E vocês lembram que durante a Primeira Guerra Mundial começou a pandemia de Gripe Espanhola, né? Então, sabe quando José Ameal Peña, o último sobrevivente daquela pandemia, morreu?
Em maio de 2020. A pandemia de COVID-19 já tinha começado.
Ah, sabe o Titanic, que afundou em 1912? O último membro da tripulação a morrer foi Sid Daniels, falecido em 1983. Já a último sobrevivente do naufrágio, Milvina Dean, morreu em maio de 2009. Eu já estava na graduação e tinha uma sobrevivente do Titanic viva.
A senhora da foto abaixo é Dulce Menezes dos Santos. A última informação que encontrei foi de maio de 2021, então teoricamente ela pode ainda estar viva. Foi forçada a fazer parte do grupo de Lampião e quase não sobreviveu para contar sua história.
E por fim, tem um dos casos mais legais: em 1841 um cara nascido em 1790 chamado John Tyler foi eleito para a presidência da República nos Estados Unidos. Veja bem: nascido em 1790 e eleito em 1841.
E ele tem um NETO AINDA VIVO! NETO!
É isso gente. Acho que a thread já tá longa demais, mas quem sabe se esses adendos repercutirem bem talvez eu adapte isso pra um texto lá em historiafm.com. Vai saber.
E se vocês gostam de história, deem uma chance pro meu podcast: anchor.fm/historia-fm
Um último caso q esqueci de mencionar. Frank Bourne foi o último sobrevivente da batalha de Rorke's Drift, da Guerra Anglo-Zulu. Faleceu em 1945
Se ele tivesse conseguido viver mais 19 anos teria conseguido ver o filme "Zulu", de 1964, justamente sobre a batalha de Rorke's Drift
Os dois últimos sobreviventes conhecidos dessa guerra morreram em 1953. Mesmo ano que Stalin morreu, a Guerra Fria já tava rolando e o Brasil já tinha perdido a copa de 1950.
Essa história do Will Smith sendo banido por 10 anos dos eventos da academia me fez lembrar de algo. Das muitas coisas que a academia gosta, narrativas de redenção estão entre as favoritas, sejam estas redenções verdadeiras ou não.
Querem um exemplo? Mel Gibson +
Winona Ryder afirmou que numa festa (não sei dizer o ano) Gibson teria feito um comentário homofóbico pra um amigo gay dela, perguntando se ele pegaria AIDS do cara. Ainda soltou um "Você é judia? Mas você é tão bonita!" pra Winona +
Em 2006 ele foi preso pela polícia de Malibu por dirigir bêbado em alta velocidade. No momento da prisão, falou várias merdas antissemitas e, se não me falha a memória, teve gravação em áudio disso. A carreira do Gibson foi pro caralho depois dessa (mas não permanentemente) +
Não queria acompanhar essa treta sobre Holodomor, mas como muita gente me marcou em brigas por conta do episódio que fiz pro @historiaFM acabei lendo muita coisa. E uma coisa que eu percebi é que boa parte das brigas tem mais a ver com conceituação do que com História. Explico: +
Uma parte significativa da polêmica diz respeito à afirmação de que "Não existiu Holodomor". Essa argumentação causa, como reação, o argumento de que "Negar o Holodomor é igual negar o Holocausto". Mas pra essa discussão fazer sentido, a gente precisa olhar para trás +
O termo "Holodomor" significa algo como "morte pela fome" ou "matar pela fome" e era uma expressão usada para se referir a diferentes períodos de fome que vinham desde o Império Russo, antes da existência da União Soviética. Quando ocorre essa fome de 1932-1933 +
Essa menina se chamava Elizabeth Cecilia van Zyl, e essa foto foi tirada quando ela estava prisioneira junto com a mãe no campo de concentração de Bloemfontein.
Aí você me pergunta: "Ué, não lembro desse campo nazista. Onde ficava?"
Aí é que tá: não era nazista. Era britânico.+
O campo de concentração de Bloemfontein ficava na cidade de mesmo nome, uma das maiores cidades da África do Sul, e foi usado durante a Segunda Guerra Anglo-Boer. Como o pai de Liz se recusou a se render, ela e mãe foram classificadas como "indesejáveis", e por conta disso +
elas recebiam as menores porções de comida. A foto em questão foi supostamente enviada por um médico voluntário a Joseph Chamberlain (pai do Neville Chamberlain, aquele primeiro-ministro que ficou famoso por não querer uma guerra com a Alemanha Nazista) +
Estou acompanhando pouco a situação entre Rússia e Ucrânia, então por isso não estou comentando. O que eu posso dizer é: enquanto a OTAN continuar forçando suas fronteiras rumo ao leste, esse tipo de coisa vai continuar acontecendo. Não é a primeira vez, talvez não seja a última
A ideia de uma "Terceira guerra mundial" é exagerada, e espero estar certo. A correlação de forças hoje não é a mesma da primeira metade do século XX, fora a questão atômica q mudou as regras do jogo. Uma guerra de grande escala não é interessante para nenhum dos envolvidos
Países como a Alemanha não vão querer ficar sem reservas de gás natural em pleno inverno, seria um desastre a nível doméstico de um ponto de vista político e social. Rússia é uma potência militar, mas isso não significa que eles queiram arriscar tudo numa ofensiva massiva.
Hoje completaram-se 103 do enforcamento de 13 soldados estadunidenses negros após o Motim de Camp Logan, conhecido também como Houston Riot (Tumulto de Houston) de 1917. Segue o fio para entender a situação.
Em abril de 1917, os Estados Unidos declararam guerra à Alemanha e começaram a construir centros de treinamento pelo país. Um desses centros era o Camp Logan em Houston, Texas.
Em 27 de julho, o 3° Batalhão do 24° Regimento de Infantaria foi enviado para proteger e acompanhar a construção do centro. O regimento era inteiramente formado por negros, já que o exército dos EUA também era segregado nessa época.