O debate eleitoral dos últimos dias me fez resgatar essa história.
Vocês talvez não lembrem, mas uma grande polêmica das eleições de 1989 foi a candidatura de Silvio Santos, que se fez e desfez como uma estrela cadente na reta final da corrida presidencial.
O dono do SBT, possivelmente o rosto + popular do Brasil, havia recusado diversos convites para entrar para a política. Não queria atrapalhar seus negócios e temia ter o mesmo destino de outros empresários que naufragaram politicamente, como Antônio Ermírio e Olavo Setúbal.
Contudo, o contexto de 1989 era único. Numa eleição definida pela televisão e marcada pela rejeição aos políticos tradicionais, o carisma e a exposição do grande comunicador brasileiro eram vantagens inquestionáveis.
Alguns institutos de opinião apontavam que ele era o único que poderia competir com Fernando Collor, que reinava absoluto no topo das pesquisas.
Após muita pressão de amigos parlamentares, Silvio aceitou lançar seu nome à presidência. Mas já era tarde: as campanhas estavam a pleno vapor. O PFL, caminho natural de Silvio, fechara com Aureliano Chaves, o apagado vice do general Figueiredo, que não abriria mão de concorrer.
A única possibilidade, dentro da lei, era encontrar alguma legenda já registrada que o acolhesse. Foi o caso do minúsculo Partido Municipalista Brasileiro (PMB), que abdicou da candidatura do pastor Armando Corrêa, a pouco mais de 2 semanas da eleição, para acolher o empresário.
Como as cédulas já tinham sido impressas, Silvio Santos dedicou quase todo seu tempo de TV, nos poucos dias em que foi candidato, para explicar ao eleitor que deveriam votar em "26 - CORRÊA". Os registros estão no Youtube e são hilários.
Enquanto isso, os partidos ameaçados pela candidatura, em particular o PRN, de Collor, buscavam impugná-la por todos os meios. O principal argumento jurídico era o de que SS não havia se desligado do SBT a tempo, o que lhe daria uma dianteira injusta em termos de exposição.
Ainda assim, era um argumento controverso. Certamente caberia recurso ao Supremo, com o risco de um candidato chegar ao segundo turno sub júdice.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, José Francisco Rezek, estava angustiado. Nas primeiras eleições presidenciais em trinta anos, nada poderia sair do script. A impugnação de Silvio Santos, portanto, era urgente e deveria ser derradeira.
Vasculhando a legislação específica, Rezek descobriu que o PMB não havia realizado convenções estaduais em nº suficiente p/registrar um candidato à presidência. Esse foi o motivo para que a candidatura de Silvio fosse impugnada pelo TSE, por unanimidade, 9 dias após seu anúncio.
O jurista José Francisco Rezek, de ilibada reputação, saiu como o guardião silencioso da normalidade eleitoral, evitando uma reviravolta a poucos dias da votação.
Três meses depois, Rezek foi nomeado chanceler do governo Collor, cuja eleição ele havia indiretamente garantido 🙃
E ainda tem um detalhe da história, bem lembrado pelos telespectadores: quem descobriu a brecha pra impugnação foi ninguém menos que @DepEduardoCunha, recompensado pelo notório PC Farias com a presidência da Telerj.
Muita gente negando que o titio @elonmusk seja de extrema direita. "Ele só está defendendo a liberdade de expressão!", dizem.
Não é sobre liberdade, mas sobre ideologia. Nesse campo, Musk vem jogando pela direita de maneira cada vez mais aberta. Vamos falar disso em 10 exemplos?
O mito da liberdade de expressão já foi elegantemente derrubado por esse fio do @XadrezVerbal e outros tantos que comentaram sobre as inconsistências do dono do antigo Twitter.
1. Ainda em 2020, Musk fez um tweet jocoso sobre o golpe que destituiu Evo Morales na Bolívia. "Vamos dar golpe em quem a gente quiser! Lidem com isso", disse o dono da Tesla. O posicionamento foi entendido como legitimação de intervenção estrangeira por recursos (no caso, lítio)
Acabei de ouvir o discurso de Lula na ONU. Li mais cedo, meio correndo, mas agora posso comentá-lo com calma.
A impressão geral é uma só: foi um ótimo discurso, de estadista. Há muito tempo um presidente brasileiro não se posicionava tão claramente diante dos problemas globais.
1. E, vejam, não estou falando somente das falas constrangedoras (e muitas vezes mentirosas) de Bolsonaro.
Temer, e sobretudo Dilma, fizeram discursos acanhados, voltados para questões domésticas, sem oferecer uma leitura sofisticada da ordem global - e das posições brasileiras.
2. O discurso de Lula se organizou em 4 eixos. O primeiro, e mais importante, foi um diagnóstico dos problemas do mundo a partir da dimensão da desigualdade.
Na visão do 🇧🇷, a raiz de muitos conflitos e tragédias está na disparidade de renda e oportunidades. E faz sentido.
Sobre as recentes polêmicas de Lula a respeito da guerra na Ucrânia, vou tentar organizar um pouco a bagunça.
Um resumo do fio a seguir: o Brasil acerta nas ações, erra no discurso e, com a visita de Lavrov, se coloca (involuntariamente) numa posição complicada.
Venha comigo 👇🏼
1. Política externa sempre foi uma força de Lula como presidente: sua reputação está muito ligada à imagem que construiu em seus anos de governo.
Mas 20 anos atrás, o Brasil e o mundo eram muito diferentes. Eram desafios de outra ordem, que não exigiam que o país tomasse lados.
2. A visão brasileira era clara: a hegemonia americana era insustentável e o futuro era multipolar. O grande ativo brasileiro era saber transitar bem entre ricos e pobres, grandes e pequenos.
Nossa posição irritava, mas não antagonizava os EUA. As relações foram boas, no geral.
Quando decidi entrar pro Twitter e produzir conteúdo por aqui, em 2018, temia o julgamento de colegas acadêmicos.
Muitos acham a divulgação científica uma atividade menor, incompatível com o rigor metodológico e a complexidade dos fenômenos.
Não é verdade, claro, mas acho que explica pq parte da comunidade científica não se engaja na comunicação mais ampla com a sociedade.
Há outros fatores. Na universidade, são poucos os incentivos para atividades além de ensino e pesquisa. Zero remuneração e pouco reconhecimento.
Dar entrevistas, escrever artigos para jornal, postar nas redes sociais, oferecer cursos de extensão: tudo isso demanda uma quantidade de tempo e esforço que quase sempre vem em prejuízo da pesquisa (ou da qualidade de vida).
Muita gente não entendeu a proposta de Lula de criar um órgão para promover a paz entre Rússia e Ucrânia.
"A ONU já existe!", "isso nunca vai funcionar!", disseram os críticos quando a iniciativa foi aventada, na visita do chanceler Olaf Scholz.
O que Lula quer com essa ideia?
1. Lula entende que tem 4 anos para deixar um grande legado ao país. Ou legados, quem sabe.
O caminho + seguro é o da política externa. Diante de um país dividido, a diplomacia presidencial torna-se instrumento poderoso de legitimidade.
E o melhor: depende pouco do Congresso.
2. Ao assumir em 2003, Lula tinha minoria legislativa e governabilidade frágil. Naquele ano, visitou 30 países. Era tão querido dentro quanto fora do 🇧🇷.
Bolsonaro fez coisa parecida. Em 2019, sem maioria, fez uma agenda externa focada na guerra cultural de Trump e Netanyahu.