Boa tarde. Tempos atrás, fiz dois decálogos: o do político paulista e o do político mineiro. Hoje, postarei o "jeito paulista de fazer política". Amanhã, o do mineiro. Lá vai:
1) Auto-suficiência
Todo político paulista acredita que nasceu para ser governante do país. Sendo poder em São Paulo, não haveria motivos para não dirigir o país. Afinal, São Paulo é a sexta maior cidade do planeta; tinha o maior acervo de cobras do país ...
2) São Paulo é centro corporativo e financeiro da América Latina; é a décima cidade mais rica do planeta; maior população do Brasil; maior registro de migrantes; motor econômico, responsável por 1/3 do PIB nacional.
3) Todos estes dados são ouvidos pelos paulistas desde que nascem. Imaginem o que as mães dos políticos falam para eles desde pequenos? Paulista dificilmente pensa nos outros Estados como iguais. Há, é verdade, uma ponta de inveja em relação aos cariocas, com seu charme praiano.
4) Arrogância
A consequência natural de todo pensamento acima é uma arrogância espontânea de todo político paulista, independente de partido. De Maluf à Marta Suplicy, passando por Serra e FHC, todos destilam este olhar altivo, sempre mirando acima do ombro do interlocutor.
5) Paulista dificilmente tem alguma dúvida. A fala é meio que definitiva. Afinal, SP sempre deu certo. Há, em toda fala de político paulista, algo de pensamento linear do antigo conceito de progresso. Todos outros Estados estariam abaixo do ranking, tentando chegar onde SP está.
6) Ética do Sucesso
Até aqui, político paulista parece uma ave de rapina, olhando fixo para sua presa. Mas é aparência. Paulista sofre consigo mesmo. Ele é seu principal inimigo. Todo paulista procura o sucesso. Sem sucesso é visto como fracasso. Não há meio termo.
7) É fundamental que seja o primeiro em algo. Daí político paulista ter sido sempre o primeiro a construir ou criar algo. O sofrimento é atroz porque é preciso assistir todos os filmes comentados por críticos, todos jogos de futebol transmitidos pelos canais à cabo
8) Paulista tem toda coleção da revista Caras, reproduz sem gaguejar o obituário do dia anterior, sabe de todos os shows de rock que São Paulo sediará nos próximos cinco anos e assim por diante. Um sofrimento.
9) Tempo é dinheiro ou sucesso. Não existe possibilidade de beber uma cerveja com um amigo depois do expediente sem que não ocorra alguma disputa enciclopédica. Mesmo que seja para discorrer sobre todas cervejas do mundo, seus diversos sabores e harmonização;
10) Disponibilidade total para a guerra
O sucesso no encalço faz do político paulista um guerreiro. Sempre está preparado para o ataque, desde o primeiro “bom dia”. A derrota, assim como para o norte-americano, é declaração de incompetência. É sofrido. Acreditem;
11) Força com pouca astúcia
A força é sempre mais cortejada e valorizada por um político paulista que a astúcia. Para que, afinal, perder tempo? Trata-se da fase anterior à Maquiavel, quando os romanos acreditavam que virtú significava virilidade.
12) Daí o jeito masculinizado de fazer política. Todo político paulista escamoteia para não revelar seu lado agressivo e guerreiro. Como escamotear é perda de tempo, não conseguem iludir por muito tempo. Não que não saibam encenar; afinal, “todo ator paulista é melhor” ;
13) Estresse
Todos pontos anteriores deságuam no estresse extremo. Político paulista à altura do nome é sempre estressado, dorme pouco, memoriza todos os dados, não improvisa, está sempre atrasado (porque dá a sensação que sempre faz muita coisa importante que o atrasa)
14) Ansiedade travestida de racionalidade
Todo político paulista é ansioso. Mas como bom paulista, não pode revelar este traço de falibilidade. Assim, a ansiedade ganha uma vestimenta providencial: o de racionalidade. Quem é racional não gosta de firulas
15) Impessoalidade
Tal ansiedade-racionalidade leva à total impessoalidade. Cheira a populismo e falta de tempo o sorriso. Graça ou humor é infantilismo. Perda de tempo. Dizer bom dia ou boa noite é perda de tempo.
16) Corrida contra o tempo
Por este motivo, o tempo é mais veloz para os paulistas. Sempre falta tempo. E o trânsito ainda ajuda a potencializar esta sensação. A conquista do sucesso (e a ansiedade) aumenta a correria. Por este motivo é sempre difícil caminhar com um paulista.
17) Demonstrações públicas
Por tudo o que se disse anteriormente, político paulista é o mais performático de todos brasileiros. Tudo se faz em público. Lembro de Jânio Quadros jogando o livro que Franco Montoro acabara de ler, em pleno debate na televisão.
18) Até o ataque ao adversário do mesmo partido tem que ser performático. Porque é preciso que todos saibam do poder que se tem. O político paulista até sabe que não seria bom revelar o quanto é agressivo e competitivo. Mas não consegue se conter. (FIM)
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Bom dia. Acabo de ler “O Projeto”, de David Graham, jornalista do Atlantic, dos EUA. Graham dissecou o documento “Projeto 2025”, elaborado por extremistas alojados na Heritage Foudation, tendo à frente os ultraconservadores Russel Vought e Paul Dans. Lá vai fio:
1) O livro é fácil de ler e descreve ações para destruir a estrutura básica da gestão pública moderna. Declaram explicitamente a politização de todos os órgãos de Estado, a extinção de muitos deles e a redução drástica do número de funcionários de carreira
2) Seus autores fazem uma miscelânea entre cristianismo e nacionalismo, entre reacionarismo e defesa dos trabalhadores, entre oposição frontal à cultura “woke” e o ataque aos carros elétricos porque querem conter a China e a dependência das terras raras.
Bom dia. Foi muito esclarecedora a mensagem que Eduardo Bolsonaro enviou ao seu pai. Um misto de desrespeito e ressentimento. Imediatamente, veio à memória a pesquisa de Adorno sobre as personalidades fascistas. O fio é sobre esta pesquisa:
1) Publicada em 1950, nos EUA, a pesquisa liderada por Adorno (da Escola de Frankfurt) envolveu 2 mil pessoas e procurou identificar traços de indivíduos que apresentavam inclinação aos ideais fascistas.
2) O traço principal verificado foi a relação autoritária que esses indivíduos foram submetidos na sua infância, verticalizada e de uso. Tal relação se transferiu, na vida adulta, para a esfera do poder e dominação, baseada no uso do parceiro sexual.
Bom dia. Estava assistindo uma minissérie quando, em determinado momento, o personagem principal, em meio a um caos instalado, sugere que todos somos movidos por sonhos. De fato, ninguém deseja ser desiludido. Este é o fio.
1) Ouvi esta frase numa palestra, acho que de Nilson José Machado, o idealizador do ENEM ( que originalmente foi inspirado na teoria das inteligências múltiplas). Ele falava da origem da palavra ilusão, que é "illudere", e que significa "brincar com".
2) E lascou esta conclusão: "a questão é que ninguém deseja ser um desiludido". A questão deste fio, conduto, é uma derivação dessa conclusão que não há como um ser humano viver sem utopia, sem "brincar com a realidade". Daí a necessidade da arte e até da bondade.
Bom dia. Por mais paradoxal que possa parecer, acho que Hugo Motta ajudou Lula a sair de uma arapuca. Explico a afirmação no fio que começa agora:
1) Até então, o Lula3 estava amarrado ao Centrão, praticamente paralisado. O medo que tomou conta de Lula tinha como fonte a capacidade de mobilização do bolsonarismo que poderia desmoralizar a sua história de líder de massas.
2) Eis que, de repente, o bolsonarismo coloca 12 mil pessoas na avenida Paulista e Hugo Motta resolve peitar o projeto de Haddad sobre o IOF. O IOF era a tábua de salvação para dar sobrevida às contas governamentais.
Boa tarde. O fio de hoje é sobre o calcanhar de Aquiles dos Bolsonaro: agitam, mas não organizam. Lá vai:
1) Max Weber nos ensinou que há um tipo de líder que arrebata as massas pela paixão. Raramente se relaciona com as tradições e é ainda mais raro respeitar regras e normas. Trata-se do líder carismático.
2) Carisma significa “toque de Deus”. Por algum motivo, alguém é escolhido para se sacrificar ou para se distinguir dos outros humanos. Ele parece igual aos outros, mas algo o diferencia da multidão.
Bom dia. O fio de hoje é sobre a frase de Chico de Oliveira que postei ontem por aqui. Dizia que os anos 1990 retiraram a musculatura do Estado brasileiro e o século 21 retirou a musculatura da sociedade civil. Lá vai:
1) O Estado foi criado como garantidor da estabilidade social cujo objetivo era sustentar que as expectativas individuais (e coletivas) fossem passíveis de serem realizadas.
2) Se no século 19 surgiu a ideia de proteção social via intervenção estatal – vindo do improvável projeto de Bismark -, no século 20 se projetou, via socialdemocracia, a lógica da promoção social via amplas políticas de Estado.