Bom dia. Ontem, na live do meio-dia do DCM, participei de um debate sobre as saídas da esquerda brasileira para 2022 e 2023 tendo como convidado Alberto Cantalice, do PT nacional e do RJ. Vou postar, em seguida, as propostas que apresentei. Vamos nessa:
1) Num esforço de síntese, sugiro que a retomada do círculo virtuoso de desenvolvimento nacional, pela esquerda, é a combinação da retomada do desenvolvimento econômico com ampliação dos direitos , em especial, coletivos.
2) A retomada do desenvolvimento econômico, imagino que temos três saídas: a) retomada dos investimentos, via aproximação da China e Rússia; b) uso racional das reservas cambiais; c) aumento da arrecadação pública via fomento ao setor de serviços e, posteriormente, industrial
Infelizmente, tenho que fazer uma parada emergencial. Retorno em 50 minutos. Peço desculpas
Retornei. Foi antecipada uma consultoria que tinha agendado. Daí a parada inoportuna. Vou aproveitar a parada para distinguir alguns conceitos que citei. A começar pela diferença entre crescimento e desenvolvimento econômico.
3) Crescimento econômico significa, quase sempre, mera evolução do PIB e variáveis econômicas. Desenvolvimento é global, envolvendo o ambiente social como um todo. Um país pode crescer e aumentar a concentração de riquezas; ao se desenvolver, melhora o bem-estar dos cidadãos
4) As reservas cambiais são como salvaguarda para um país não sofrer um ataque especulativo, por exemplo, em relação ao preço do dólar. Reservas baixas significam chamar os especuladores para a briga; reservas altas significam fazer os especuladores deixarem pra lá
5) Acontece que o Banco Central investe a grande maioria da reserva cambial nacional na compra de títulos da dívida do governo dos Estados Unidos. É possível reinternalizar parte desses dólares, convertendo-os em reais, e injetando na economia brasileira. É preciso ter cautela.
6) Vamos, agora, para a outra grande ponta que pode gerar o círculo virtuoso em 2023, pela esquerda: a ampliação dos direitos. Aqui, citaria três políticas gerais: a) programa de formação em políticas públicas; b) criação de sistema federativo de tomada de decisões; c) renda
7) Um programa de formação de massa em políticas públicas pode ampliar a noção de poder popular no controle das políticas públicas, reduzindo o clientelismo em nosso país. Algo massivo pode ser construído com uma rede de Escolas da Cidadania.
8) O nome Escolas da Cidadania reporta à experiência dos anos 1950 e 1960 nos sul dos EUA, quando da origem do movimento pelos direitos civis contra o racismo naquele país. Myles Horton, que se tornaria amigo de Paulo Freire, engendrou esta rede de escolas
9) A "cartilha" de alfabetização para negros adotada por esta rede era a Constituição dos EUA. Genial, não? Isso que Paulo Freire denominava de "alfabetização" como letramento: a capacidade de usar o alfabeto para se construir como cidadão.
10) O segundo ponto é o sistema federativo de tomada de decisão. Temos inúmeros exemplos na América Latina: Bolívia (com as decisões em comunidades indígenas como base das políticas públicas), Venezuela, Equador e Cuba. Um caminho para as decisões que começa nos bairros
11) O acanhamento político do lulismo na sua primeira versão, admitido por Luiz Dulci no encontro que tivemos no DCM, não superou os conselhões no topo da hierarquia do governo, como o CDES. Mas, e na base? Como ouvi-la? Como organizá-la? Vejam esse livro de Alessandro Soares
12) Se organizamos uma estrutura de tomada de decisão pública que tem início nos bairros e comunidades, politizamos a discussão sobre direitos a partir dos quarteirões. Na Argentina, tivemos algo se esboçando no início deste século.
13) Temos inúmeras experiências mundiais de organização da sociedade civil para controle das políticas públicas. John Keane escreveu um livro sobre várias dessas experiências.
14) Não há como mudar a cultura política popular - hoje, muito conservadora em nosso país - sem um amplo programa de formação política e participação direta na tomada de decisões públicas. Agora, sobre políticas de transferência de renda.
15) Temos que abandonar a referência elitista liberal quando tratamos do tema da transferência de renda. Transferir renda não pode ser inclusão pelo consumo. Tem que gerar direitos: universais e permanentes. Políticas de Estado, não meramente de governo.
16) Como fazer isso? Ampliando o conceito de seguridade social para além de saúde, assistência social e previdências. Temos que forjar um "sistema de seguridade social" que compreenda educação (incluindo educação para a cidadania), transferência de renda e participação
17) Para a esquerda, o conceito de poder popular é mais adequado quando o tema é participação política. Popular vem de povo. No conceito de Rousseau, povo é o conjunto da cidadania em assembleia, tomando decisões sobre questões públicas. Este é nosso conceito de participação
18) Temos uma longa discussão a fazer para não cairmos na tentação de repetir o lulismo do início do século. O mundo é outro e temos que ter um programa de debate à esquerda. A direita já sabemos o que faz. À esquerda brasileira, cabe explicar para que veio.
19) Há muitas outras propostas de avanço numa agenda de esquerda, como punição rigorosa aos delitos empresariais (ambientais, às populações tradicionais, ao racismo, à violência contra mulheres e LGBTQI+ etc) ou proibição de empresário dirigir a economia nacional.
20) Contudo, acredito que se nos concentrarmos nesta agenda de dois pontos (retomada do desenvolvimento e ampliação dos direitos) já daremos fisionomia à esquerda tupiniquim. É isso. (FIM)
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Bom dia. Saiu nova pesquisa Datafolha que registra avaliação dos brasileiros sobre o governo federal. Na aparência, uma notícia melhor que a pesquisa Quaest apresentou dias atrás. Na aparência. Vamos à pesquisa.
1) Se compararmos com o dado da Quaest, há uma diferença: 5 pontos percentuais de melhoria do índice de avaliação positiva. Esses 5 p.p. fazem uma grande diferença porque, sem esta mudança, a distância entre avaliações positivas e negativas seria similar entre Quaest e Datafolha.
2) Na comparação: a pesquisa Quaest apresentou 56% de desaprovação e a Datafolha, 38%; já os que aprovam foram 41% na Quaest e 29% na Datafolha. A primeira notícia ruim é que em ambas pesquisas, a reprovação é maior que a aprovação: 9 p.p. na Datafolha e 15 p.p. na Quaest.
Bom dia. No dia 1 de abril de 1964, o Brasil mergulhava numa ditadura. O fio de hoje é dedicado a explicar em que aquela ditadura se diferenciaria da que Bolsonaro tentou implantar
1) O bolsonarismo é fascista. A ditadura militar de 64 era autoritária. Qual a diferença? Autoritarismo não mobiliza socialmente e tolera certa competição política tutelada
2) A partir de 1964, ninguém podia sair às ruas em grupos de mais de três pessoas. Se saísse, logo aparecia um meganha ditando o conhecido "Circulando!". Isso, se fosse um policial pacato.
Bom dia. Prometi um fio sobre machismo e esquerda. Então, lá vai fio:
1) Vamos começar pelo básico: não existe esquerda machista ou racista. Se é machista, não é esquerda. Por qual motivo? Justamente porque a definição de esquerda é a defesa da igualdade social. Ora, machismo se define pela desigualdade entre gêneros.
2) Neste caso, piadinhas sexistas, indiretas, definição de trabalho em função do sexo ou sexualidade, assédio ou abuso sexual não fazem parte do ethos da esquerda.
Bom dia. O ato de Bolsonaro que flopou no Rio de Janeiro alerta para uma característica importante da política: o risco calculado. O breve fio é sobre isso. Lá vai.
1) Política é risco calculado. Tentar sobreviver sem se arriscar significa afundar no marasmo e esquecimento social. Maquiavel ensinou que o povo deseja certa intimidade, mas quer firmeza da liderança em momentos de crise.
2) Todos manuais de política reconhecidos e citados no mundo destacam o protagonismo das lideranças políticas. Não é o caso, portanto, de um dirigente político se esgueirar sobre a conjuntura como se fosse um bicho escondido numa gruta.
Bom dia. Para aqueles que, como eu, não gostam de muvuca, posto um fio sobre o desagradável momento de Trump com Zelensky no Salão Oval da Casa Branca. Minha intenção é sugerir que Trump não é nada parecido com a extrema-direita europeia. E não lidera para além dos EUA. Lá vai:
1) Trump, como afirmou Steve Bannon, é despreparado. Um bufão. Para Bannon, ele cumpria o papel de desmantelar a hegemonia ocidental e abrir as portas para a "fase de ouro" da humanidade, também identificada como a "Era dos Sacerdotes".
2) A cena decadente protagonizada por Trump/Vance e Zelensky foi classificada como "briga de bar" pela grande imprensa dos EUA. Imagino que o alvo é pressionar e testar a Europa. Esta é a primeira diferença do trumpismo para a extrema-direita europeia.
Bom dia. Venho alertando para um certo oba-oba que envolve o campo progressista brasileiro (em especial, a base social-militante do lulismo, que vai além do PT) com a denúncia da PGR contra Bolsonaro et caterva. O fio é sobre isso: uma explicação sobre este alerta.
1) Quanto ao julgamento pelo STF, a grande imprensa ventilou a possibilidade de tudo ser finalizado ainda neste semestre. Considero um desatino típico da linha editorial sensacionalista em busca de likes. O mais provável é a sentença ser proferida em setembro ou outubro.
2) Se minhas projeções são razoáveis quanto ao calendário de julgamento, teremos um longo intervalo de 7 a 8 meses de muita turbulência pela frente. Já se esboçam algumas frentes da ofensiva bolsonarista: uma de massas e outra política, além da jurídica.