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Feb 1, 2022 23 tweets 20 min read Read on X
Sentir o mundo externo e interno é crítico para a nossa segurança, construção de comportamentos e percepção da própria realidade. Para isso, contamos com muito mais que os 5 grandes sentidos.

E se eu te disser que O SISTEMA IMUNOLÓGICO pode fazer parte disso?

O #neurofio! 👇🧶
As interações entre os sistemas nervoso e imunológico têm sido um tema de grande interesse nas últimas décadas. Inclusive, fez parte da temática do meu projeto de pós-doutorado! Sem dúvida, é um tema relevante para os estudos tanto na saúde, quanto nas doenças/transtornos
Mas tu sabia que tanto o sistema nervoso, quanto o sistema imunológico 'conversam' entre si?
👉Os sinais neuronais podem afetar as funções imunológicas
👈...e as células imunológicas podem modular a atividade dos neurônios no cérebro e na medula espinhal, ou no resto do corpo!
Recentemente, um grupo de pesquisadores demonstrou que esses sinais imunológicos não são apenas percebidos pelo cérebro: eles podem ser PROCESSADOS em REGIÕES ESPECÍFICAS do sistema nervoso!

Como se fosse um sentido interno sendo processado pelo cérebro!
cell.com/cell/pdf/S0092…
No artigo acima, os pesquisadores observaram que uma inflamação na cavidade abdominal (a famosa "barriga") resulta na estimulação de certos neurônios em uma área do cérebro chamada córtex insular, ou ínsula (em vermelho)
O que é isso?
A ínsula é uma região ricamente conectada com várias outras partes do sistema nervoso, como diversas regiões que processam sensações. Além disso, ela pode estar relacionada, também, com aspectos emocionais do comportamento social
n.neurology.org/content/93/21/….
Após a estimulação dos neurônios da ínsula pelo evento da inflamação abdominal, a simulação de uma reativação desses neurônios É SUFICIENTE para gerar uma "lembrança" dessas respostas inflamatórias no órgçao específico, bastante parecidas com a inflamação inicial!
Ou seja, resumindo: é como se realmente esses neurônios, que foram ativados durante o processo inflamatório abdominal, ficassem com uma lembrança dessa inflamação nesse órgão.

Ao ativar esses neurônios novamente, uma resposta parecida com aquela inflamação foi gerada!
Os tipos de células imunológicas encontradas durante o processo inflamatório inicial também foram vistos quando reativamos "artificialmente" esses neurônios!

É como se esse conjunto específico de neurônios da ínsula fosse capaz de codificar essa resposta imunológica
E o mais louco disso tudo é que não é a ínsula inteira responsável por isso, e sim esse grupo específico de neurônios! E eles não guardam apenas o sinal inflamatório, mas também infos anatômicas, em que órgão aconteceu o evento, de forma super específica
Isso é IMENSO. E o fato de essa "lembrança" nesses neurônios específicos poder ser "reativada", induzindo uma resposta inflamatória em um órgão específico (muito similar com a anterior) pode nos ajudar a entender ainda mais essas relações neuro-imunológicas
Mas como essa comunicação com um evento ocorrido no intestino aconteceu com a ínsula lá do nosso sistema nervoso🧠? Os autores conseguiram marcar com pequenas moléculas fluorescentes todo o caminho dessa comunicação neural!
E sério pessoal: há poucas técnicas experimentais mais bonitas do que essas que envolvem fluorescência. Uma janela se abre para o nosso corpo, em especial, para o cérebro. São as imagens mais lindas que vocês vão ver!
Conhecendo esses caminhos e vendo que esses neurônios da ínsula tem um papel nessa "lembrança" da inflamação, e se eu inibir eles? Como fica a resposta?

ELA SE ATENUA! É possível reduzir o impacto da resposta inflamatória no intestino modulando esses neurônios da ínsula!
A ciência vem estudando esses efeitos de modulação entre sistema nervoso e sistema imunológicos na comunicação entre os órgãos (como intestino e pulmões) há cerca de uma década. Esse artigo do @jonykipnis representa o potencial imenso dessa área

pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27540163/
Esses desafios imunológicos (ex.: inflamação no intestino) na periferia do corpo podem levar a alterações no sistema nervoso de longo prazo, que podem influenciar na progressão de doenças neurodefenerativas***!

*nature.com/articles/d4158…
**nature.com/articles/d4158…
E agora, com esse novo trabalho, temos mais evidências demonstrando que a ativação de certos neurônios em regiões específicas do sistema nervoso, envolvidos em processos inflamatórios passados, pode gerar respostas inflamatórias em órgãos específicos no corpo!
Como a própria reportagem da @Nature comenta: "É tentador especular que o estado imunológico de um animal pode ser codificado e recapitulado dinamicamente pelo cérebro, ajustando o curso das respostas imunes e doenças associadas" nature.com/articles/d4158…
Ainda não está claro exatamente como ocorre a comunicação entre esses neurônios específicos da ínsula e o intestino. Muitas perguntas ainda estão em abertos - e é uma excelente oportunidade para contribuir nesses estudos!
Estudos como esse podem oferecer estratégias super promissoras para projetar abordagens terapêuticas para muitas doenças, incluindo câncer e distúrbios inflamatórios, neurológicos e metabólicos!

No fim, tudo está (muito) conectado, e estamos apenas começando a entender isso!

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Jul 16
É uma questão de tempo até um surto maior ocorrer.

O @CDCgov confirmou, essa semana, 4 casos humanos de gripe aviária (H5N1) no Colorado🇺🇸, com a possibilidade de um 5º caso que ainda será confirmado, após exposição a aves infectadas em granja 🔻
Segundo o @CDCgov "todos os trabalhadores que testaram positivo relataram doença leve. Os trabalhadores relataram conjuntivite e lacrimejamento, além de sintomas mais típicos da gripe, como febre, calafrios, tosse e dor de garganta/coriza"

Porém, H5N1 é um vírus perigoso...
Primeiro, a partir dos dados que temos dos últimos anos, sua letalidade é alta.

Segundo, o H5N1 é capaz de infectar o encéfalo🧠 e parece fazer isso com mais frequência que outros influenza

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Jul 11
Gripe aviária: novos dados apontam que o vírus H5N1 responsável pelo surto em bovinos nos EUA apresenta adaptações capazes de facilitar a infecção e transmissão em mamíferos.

Já passou da hora de reconhecermos o crescente risco pra saúde pública dessa doença - fio🔻Image
RESUMO DOS ACHADOS:
1⃣a cepa de H5N1 que infectou bovinos (🐄-H5N1) pode induzir doença grave após ingestão oral ou infecção respiratória;
2⃣em ambos os casos, pode levar à disseminação sistêmica do vírus para diferentes tecidos do corpo
3⃣🐄-H5N1 pode ser transmitido de roedoras lactantes para seus filhotes, mas não para animais adultos com os quais tenham contato direto
4⃣uma possível explicação: em furões, o ➡️🐄-H5N1 não foi capaz de se transmitir de forma eficiente pela via respiratória (gotículas)
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Jul 6
Em 2024, o Brasil viu uma epidemia de dengue sem precedentes na sua história. As regiões das Américas concentraram a maioria dos casos, com destaque para o Brasil, com mais de 80% dos casos registrados

O que nos levou a isso? Fio do dia 🔻Image
O dado acima foi compartilhado pelo @ECDC_EU reforçando a grande ameaça à saúde pública que as arboviroses (vírus transmitidos por insetos) trazem, com riscos para grandes epidemias, impactos socioeconômicos e sobre o sistema de saúde

ecdc.europa.eu/en/dengue-mont…
Até abril de 2024, a @WHO registrou mais de 7,6 milhões de casos suspeitos de dengue em todo o mundo, com mais de 3 mil óbitos. Aumento ocorreu especialmente na região das américas (90% dos casos notificados), com destaque para o Brasil (+80% dos casos)
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Jun 25
Vacinas trazem risco pra Alzheimer?

Alegações tem sido feitas por conta de um artigo recente, mas além de o artigo não comprovar a existência do risco, ele também tem tantos fatores de confusão que me surpreende ter sido publicado

Então respira, e vem de fio 🔻 Image
O artigo utilizou dados de mais de 558 mil indivíduos de Seul 🇰🇷, divididos em dois grupos: vacinados e não vacinados

A ideia era analisar se há associação com o comprometimento cognitivo leve, que pode ser visto anterior ao desenvolvimento de demências, como Alzheimer
Os pesquisadores então analisaram os registros entre 2020 e 2021. Importante notar: as campanhas de vacinação em Seul começaram em 2021.

Isso faz com que o número de pessoas com 2 doses seja pequeno, comparado ao tamanho inicial da amostra


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Jun 18
Li e tenho algumas questões importantes:
- Mesmo pessoas fora de grupos prioritários e até mesmo que tiveram Covid-19 leve, podem desenvolver sequelas pós-Covid;
- Sequelas pós-Covid podem ser duradouras, reduzirem a qualidade de vida e trazer riscos à saúde;

Tem mais🔻
Nessa parte de um fio recente, trago alguns dados recentes quanto as informações sobre sequelas pós-Covid. Não só há um risco de morte permanecendo elevado, como há uma perda significativa da saúde como um todo.
Portanto, me preocupa não termos ainda uma construção de políticas públicas para a Covid longa. Sabendo dos seus riscos, da prevalência estimada em outros países, poderíamos já estar ao menos com políticas instituídas para reduzir riscos de contaminação com vírus respiratórios
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Jun 6
Se tu passar por manchetes sugerindo que a vacinação contra Covid-19 ajudou a aumentar o excesso de óbitos, saiba que não é o que o estudo original sugere: o excesso de mortes “permanece elevado” APESAR do uso de vacinas (e outras medidas). Sem essas medidas, seria ainda maior🔻
O artigo original está no link abaixo e conclui: "o excesso de mortalidade permaneceu elevado no mundo ocidental durante três anos consecutivos, apesar da implementação de medidas de contenção e das vacinas contra a COVID-19."

bmjpublichealth.bmj.com/content/2/1/e0…
O artigo tem limitações importantes e deixa de lado a quantidade de mortes que foram evitadas graças a vacinação. Ainda, a circulação persistentemente alta do vírus, pelo enfraquecimento das medidas mitigatórias, pode estar por trás desse excesso.
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