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Feb 21, 2022 27 tweets 9 min read Read on X
Vladimir Putin está, mais uma vez, no centro das atenções internacionais, depois de ameaçar usar o poder militar para invadir a Ucrânia.

Mas quem é esse sujeito? Como ele foi parar nesse lugar? O que pensa? Com quem governa? Onde quer chegar?

Eis a thread:
Vladimir Putin nasceu em 1952, em Leningrado, na extinta União Soviética, atual São Petersburgo, a cidade dos czares da dinastia Romanov.

Foi batizado pela mãe em segredo na Igreja Ortodoxa, escondido do pai, membro do Partido Comunista. A fé era um exercício subversivo na URSS.
Putin se formou em direito, antes de entrar na KGB, o serviço secreto da União Soviética, como oficial de inteligência.

No início, ainda morando com os pais, seu trabalho consistia em contra-inteligência e monitoramento de estrangeiros e funcionários consulares em Leningrado.
Como falava alemão, Putin serviu pela KGB por 5 anos em Dresden, numa Alemanha Oriental à beira da falência.

Nesse tempo, também atuou como membro da Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental.

Parte importante da sua identidade política foi moldada nesse período.
Em 1989, a Alemanha Oriental acabou. Putin servia no país. No Natal de 1991, foi a vez da União Soviética ruir.

Meses após voltar à Rússia, Putin foi nomeado conselheiro para assuntos internacionais do prefeito de Leningrado, Anatoly Sobchak. Em 1994, virou vice-prefeito.
Em 1997, numa escalada meteórica, Putin virou assessor do presidente da Rússia, Boris Yeltsin. E é a partir deste ponto que ele se torna uma das figuras mais influentes do Kremlin, ocupando cada vez mais destaque na linha de sucessão presidencial.
Em 1998, Putin assumiu a direção do Serviço Federal de Segurança (FSB), a agência que substituiu a KGB. Ficou no cargo por um ano, até virar primeiro-ministro. Mas 4 meses depois, com a renúncia de Yeltsin, virou presidente interino, e então, em março de 2000, presidente eleito.
Putin escalou rapidamente até o ponto mais alto do Kremlin, subestimado por inúmeros atores políticos e econômicos que o enxergavam como um nome transitório, utilizando da inteligência russa e do vácuo de lideranças no país.

Não é difícil entender como isso aconteceu.
A Rússia pós-soviética não se transformou numa democracia - virou um Estado em decomposição, capturado pela elite soviética e a máfia russa (com muitos ex-agentes da KGB oferecendo serviços aos chefes do crime organizado), com oligarcas abocanhando imensas fatias do país.
Da noite para o dia, um pequeno grupo de empresários passou a controlar até 70% das finanças russas, ocupando enorme influência política.

Eles formavam o Semibankirschina, um grupo que ajudou a reeleger Boris Yeltsin, altamente impopular, com uma complexa manipulação de massa.
É nesse contexto que Putin ascende. Ele estava no lugar certo, na hora certa. Prometeu proteger Yeltsin, adoecido e decadente, e seu grupo, conquistando o apoio de oligarcas importantes - como Roman Abramovich, atual dono do Chelsea - para colocar a FSB/KGB no centro do poder.
Ao assumir a presidência, Putin desmanchou o Semibankirschina, prendendo alguns oligarcas no início dos anos 2000, expulsando outros do país, protegendo os mais próximos.

Do grupo, seu maior adversário foi Boris Berezovsky, encontrado morto em condições suspeitas, em 2013.
Aliás, esse é um clichê russo: os adversários de Putin adoecem ou morrem, geralmente envenenados.

É com amplo controle político, usando os melhores instrumentos da inteligência russa, que Putin virou o mais longevo líder do país desde Stalin.

Mas com qual objetivo?
Estes são os princípios orientadores do putinismo:

1. estado forte,
2. centralismo,
3. sentimento antiocidental,
4. valores socialmente conservadores,
5. antiliberalismo,
6. jingoísmo,
7. antipluralismo,
8. hipermasculinidade,
9. culto à personalidade,
10. expansionismo.
Putin é um siloviki. E o putinismo é sustentado por um clã siloviki - ou seja, por ex-agentes dos serviços secretos soviéticos, e da força russa, que ascenderam ao poder.

São os siloviki que detêm as rédeas da política e economia russa, um poder maior do que o de outras elites.
Putin também construiu sua própria oligarquia bilionária.

Esta reportagem do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos analisa a fortuna de diferentes bilionários conectados a Putin (em especial, magnatas dos setores de energia e finanças).

icij.org/investigations…
Governando com a força militar e econômica, há pouco espaço para questionar Putin.

No ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras, com 180 países, a Rússia ocupa a posição 150.

A ausência de uma sociedade civil organizada engessa a estrutura política do país.
O partido de Putin, o Rússia Unida, abriga 68% dos governadores da Rússia, 72% dos assentos da Duma Federal (a câmara baixa), 82% dos assentos do Conselho de Federação (a câmara alta) e 71% dos assentos dos parlamentos regionais.

Na prática, aprova o que quiser, quando quiser.
Controlando a inteligência russa, as forças militares, a elite econômica, a imprensa, o parlamento e o judiciário, Putin virou um czar.

Ele governa a Rússia há 22 anos, alterando a constituição, boicotando eleições livres e driblando o rito legal.
Em 2008, ao fim do segundo mandato presidencial, Putin virou primeiro-ministro para continuar governando a Rússia.

Em 2012, ele ganhou um terceiro mandato presidencial e, em 2018, um quarto.

Em 2020, alterou a constituição e agora poderá ficar no poder até 2036.
Putin não quer uma revolução proletária marxista-leninista - quer reconquistar a importância perdida de seu país e afastá-lo do cenário de humilhação e constrangimento da década de 1990.

Putin quer tornar a Rússia grande novamente e restaurar o orgulho nacional.
O nacionalismo de Putin não é baseado na etnia russa, mas na defesa da comunidade cultural russkii - o tal Mundo Russo. Putin enfatiza língua, história e cultura russa como pontos focais para reforçar a unidade histórica dos eslavos orientais (russos, ucranianos e bielorrussos).
Putin também protesta contra a ordem unipolar americana e defende um mundo multipolar em que os países de seu perímetro, em especial o Mundo Russo, são influenciados pelo Kremlin e servem como escudo de proteção contra a OTAN.

Os povos destes países reclamam dessa influência.
Putin não pensa como um líder político tradicional. Pensa como um espião. Mais do que isso: como um espião treinado para desmantelar a inteligência estrangeira. E age no cenário internacional refletindo esses valores - os mesmos da Okhrana czarista, da KGB soviética e da FSB.
Com essa mentalidade, e uma cultura política construída à base de traições e assassinatos - dos czares aos soviéticos, do pós-Guerra Fria ao putinismo - o Kremlin é paranóico e conspiracionista. E sua influência no mundo ajuda a torná-lo ainda mais paranóico e conspiracionista.
O putinismo promove um mundo mais isolado e desconfiado, mais fechado à democracia e vulnerável à manipulação.

Muitas de suas ideias têm ressonância global - o que torna este um desafio ainda maior para um Ocidente a cada dia mais inseguro sobre os seus próprios valores.
Quer se aprofundar mais? Preparei esta thread sobre os componentes geográficos da disputa Rússia-Ucrânia:

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Feb 20
Nesse final de semana haverá eleições na Alemanha.

Eu preparei essa thread sobre a Alternativa para a Alemanha, para que, daqui a um tempo, você não seja pego de surpresa sobre quem manda na AfD:
Em abril de 2024, a justiça da República Tcheca anunciou o congelamento dos bens de dois homens acusados de dirigir uma operação de influência para a Rússia na Europa. Os seus nomes eram Viktor Medvedchuk e Artem Marchevsky.

mzv.gov.cz/jnp/en/issues_…
Segundo os tchecos, Medvedchuk dirigia uma “operação de influência russa” com o objetivo de “espalhar narrativas pró-Rússia que minavam” a Europa.

Como ele fez isso? Com a ajuda de Marchevsky, diretor de um site chamado Voz da Europa.Image
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Feb 16
Se você acha que a Rússia não é uma ameaça à segurança mundial, e que todas as acusações recentes contra Moscou não passam de propaganda, russofobia ou histeria, você definitivamente precisa se informar melhor.

Aqui embaixo, revelo por que você está errado:
Nessa semana, publiquei essa thread, em que conto como a inteligência de diferentes nações europeias detecta a ambição russa de atacar países membros da OTAN nos próximos anos – o que poderia provocar uma guerra aberta na Europa.

Nela, disse que a principal ambição política de Vladimir Putin é a restauração dos territórios perdidos na dissolução da União Soviética.
cambridge.org/core/journals/…

Há pilhas de evidências mostrando isso.
bfi.uchicago.edu/wp-content/upl…

Putin lamenta repetidas vezes a derrocada da condição imperial russa, e chama a dissolução da União Soviética de “maior tragédia geopolítica do século”.
nbcnews.com/id/wbna7632057

Ele entende que esse foi um processo de “desintegração da Rússia histórica sob o nome de União Soviética”.
reuters.com/world/europe/p…

Ou seja: para Putin, os ex-territórios soviéticos fazem parte da Rússia histórica.
ppr.lse.ac.uk/articles/10.31…
Read 37 tweets
Feb 14
Abandonar a Ucrânia não é uma opção para a Europa. O risco de realizar esse movimento é a história se repetir e outros países europeus serem engolidos pela ambição de um ditador imperialista.

Qual a chance disso acontecer e por que isso é tão importante?

Conto aqui embaixo:
Nesse final de semana, numa entrevista para a Economist, Zelensky acusou Moscou de trabalhar na formação de 10 a 15 divisões militares, com mais de 100 mil soldados, com a intenção de enviá-los à Bielorrússia para atacar um país-membro da OTAN.

economist.com/europe/2025/02…
Hoje, na Conferência de Segurança de Munique, Zelensky voltou a repetir o discurso.

Mais: disse que, segundo a inteligência ucraniana, esse ataque pode acontecer já no próximo ano.

politico.eu/article/putin-…
Read 18 tweets
Feb 2
Você sabe quem é Elon Musk. Mas você já ouviu falar em Joshua Norman Haldeman?

Joshua era o avô de Musk, e ele tem uma história bastante curiosa – suspeito que você irá gostar de conhecê-la.

Saca só:
Joshua era esse sujeito aqui. Ele nasceu nos Estados Unidos, em 1902, mas cresceu no Canadá, onde virou quiroprático.

Ao longo da vida, Joshua teve 5 filhos – entre eles, as gêmeas Maye e Kaye.

Em 1971, Maye deu à luz ao seu primeiro filho: um menino chamado Elon Musk.Image
Antes de falar sobre Joshua é preciso entender esse movimento social aqui: a Technocracy Inc.

De forma bem resumida, esse grupo defendia uma mudança do sistema político para um modelo apolítico usando cientificismo para organizar a sociedade.

Confuso? Explico melhor:Image
Read 22 tweets
Jan 20
O que tá acontecendo com o TikTok nos EUA?

Conto aqui embaixo:
Você provavelmente já sabe o que é o TikTok, então não preciso perder muito tempo explicando.

Mas de forma resumida: o TikTok nasceu em 2016, como um app para gravar e compartilhar vídeos com sincronização labial. Nada muito revolucionário, mas sucesso imediato.

O conteúdo evoluiu bastante desde então – das dancinhas às análises políticas.

No passado, ele só existia na versão chinesa, chamada Douyin (抖音). Até hoje o Douyin é o aplicativo disponível na China.

Sim, são dois apps. Douyin e TikTok pertencem à mesma empresa, são praticamente a mesma coisa, mas os seus conteúdos são completamente diferentes.

O TikTok que você conhece é bloqueado na China.Image
Douyin e TikTok são da chinesa ByteDance.

A ByteDance foi fundada pelo chinês Zhang Yiming. Em 2024, Yiming virou o homem mais rico da China.
bbc.com/news/articles/…

Ele é chamado pelos EUA de "porta-voz" do Partido Comunista Chinês.
npr.org/2020/09/26/917…
Read 35 tweets
Dec 17, 2024
Isso é o que esses políticos falavam sobre a alta do dólar no governo anterior:
Read 28 tweets

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