POR QUE O DESFILE DA GRANDE RIO FOI ARREBATADOR?
Porque ela uniu excelência musical e visual, num desfile repleto de comunicação com o público. Já podemos dizer que este desfile é um dos maiores do século, ao lado de Mangueira 2002, Beija 2007, Salgueiro 2009, Tijuca 2010 e...(+)
...Mangueira 2019. Ainda sob o impacto da emoção, me pergunto se Grande Rio 22 não é o maior de todos eles. Mas sejamos pacientes como Exu: o tempo se encarregará de dar essa resposta.
A Grande Rio começou o deslumbre ao escolher um grande enredo. Falar de Exu no maior terreiro+
...do Brasil (a Passarela do Samba) aumentou a voltagem do desfile a níveis estratosféricos de eletricidade. Caxias desfilou com a demonização do orixá engasgada na garganta. E não se contou de forma careta a história do orixá, mas se trabalhou com suas manifestações. Se Exu é...
...movimento, a Grande Rio não ficou parada e foi buscá-lo onde ele estava. Criatividade, fácil leitura, identificação: o enredo se completou na pista.
Fundamental pro arrebatamento foi o alto nível do que nossos ouvidos captaram. O samba-enredo, desde a escolha, já nos...(+)
...encantava: sem refrão, com soluções diferentes de melodia e uma letra que foge do padrão descritivo que ronda por aí. A criatividade dos compositores foi tanta que criaram um falso refrão do meio em que a letra não se repete, mas a melodia sim. Genial! (+)
Tudo isso acompanhado de uma bateria que se consolida como a melhor do carnaval. E a inovação aqui é recorrer à tradição: trazer um andamento mais pra trás, sem a correria que nos impede de cantar e sambar. A Grande Rio, como Exu, não tem pressa.
Por fim, visualmente a escola superou as expectativas. Alegorias e fantasias eram um deleite, com movimento, energia, qualidade estética. Enredo contado não apenas em signos visuais, mas também em sua dimensão intangível.
Caxias brincou de outro “esporte“. Se as adversárias...+
...fizeram desfile de escola de samba, ela nos brindou com um acontecimento musical e estético que nunca esqueceremos. No candomblé e na umbanda, diz-se que Exu é o responsável pela comunicação entre os seres humanos e o plano divino. O desfile da Grande Rio chegou perto disso.
Fiz um levantamento dos julgadores de mestre-sala e porta-bandeira nos últimos anos (foto) e o resultado explica as mudanças do quesito: o júri todo tem formação clássica com origem no Theatro Municipal. Qual o resultado disso? Uma descaracterização descomunal da dança dos...(+)
...defensores do pavilhão. Isso não acontece porque os jurados não são bons profissionais. Ao contrário, são dançarinos competentes. Mas julgam com outros olhos. Julgam com olhar europeu (da dança clássica e erudita) uma manifestação que é essencialmente brasileira, fundada em...
...nossas raízes africanas. Os passos do mestre-sala vêm da capoeira; o giro da porta-bandeira é o giro do terreiro. E o que é exigido no julgamento? Que o mestre-sala pegue com delicadeza a mão da porta-bandeira, que haja sincronismo absoluto, que eles estejam coreografados...+
Os versos de Lupicinio Rodrigues, que voltaram à tona na disputa de samba da Mangueira, carregam uma história curiosa. Nos anos 30, Lupi era noivo de Inah, por quem era apaixonado. Mas ele resistia a trocar a boemia pelo casamento. A moça esperou três anos pela decisão do...(+)
...compositor, que fazia de tudo para adiar o casório. Até que ela resolveu viver a vida longe dele. Dias depois da separação, ele a viu na rua com outro homem, com quem ela casaria em seguida. Lupicinio ficou desesperado e chegou a ter instintos violentos, de matar ou morrer.(+)
Mas conseguiu se acalmar através do papel e da caneta: escreveu o clássico "Nervos de aço" e, a partir daí, criou-se a lenda de que todas as canções que fazia eram fruto de desilusões amorosas.
"Nervos de aço" foi lançada com sucesso por Francisco Alves nos anos 40. Jamelão...+
A disputa de samba da Mangueira na homenagem a Chico Buarque foi uma das mais tensas da história. Moacyr Luz e Leci Brandão perderam o concurso, mas a grande polêmica foi a origem dos vencedores: os compositores eram de SP. Cogitou-se mudar o formato de escolha do samba. (+)
O ambiente ficou carregado depois do anúncio da vitória, com o povo de Mangueira estranhando a glória dos “forasteiros”. A letra do samba foi muito criticada, especialmente o trecho “A luz que ficou na memória / E hoje o seu canto de fé / Vem buarqueando com muito axé". (+)
Leci Brandão foi uma das que reclamaram: “Axé não tem a ver com Chico Buarque, tem a ver com música baiana. O samba poderia ser de São Paulo, de Minas, de qualquer lugar, desde que fosse bom”. Moacyr Luz também não deixou barato: “O samba diz que Chico é uma luz que ficou... (+)
DE: LECI BRANDÃO
PARA: CHICO BUARQUE
O enredo da Mangueira sobre Chico Buarque, em 1998, também empolgou @lecibrandao, que escreveu um samba para concorrer. A compositora chegou à final do concurso, mas perdeu pro samba "dos paulistas" (como ficou conhecida a obra vencedora) (+)
A letra ficou inédita, nunca foi gravada, por isso é bom registrá-la. Leci foi a primeira mulher a entrar pra Ala de Compositores da Mangueira e teve intensa participação nos concursos de samba da verde e rosa. Muitas vezes, chegou à final como favorita, como em 1980, 85 e 87. +
Mas nunca venceu a disputa. Dona Ivone Lara, expert no assunto, declarou: "Leci tinha um ótimo samba. Moacyr Luz também tinha um samba muito bom, mas acabou ganhando um pessoal de São Paulo. Se era difícil pro Moacyr, imagina pra Leci, uma bela compositora... mas mulher!". +
A GAFE DE CHICO BUARQUE COM DONGA
Este vídeo é muito relembrado: Donga, Pixinguinha e Chico Buarque no programa de Hebe Camargo. Mas há um detalhe que passa despercebido. Esse dia, que poderia ter sido de extrema alegria para Chico, foi de apreensão do início ao fim. (+)
Chico estava tenso por cantar com Donga. Não só pela reverência a um dos "criadores" do samba. A questão é que o pai de Chico, Sérgio Buarque de Holanda, cantava uma versão diferente de "Pelo telefone", invertendo o verso: "Pelo telefone / O chefe da polícia / Mandou avisar". (+)
Chico cresceu ouvindo essa versão, e foi ela que ficou em sua cabeça. O medo do compositor era, no nervosismo do palco, ao lado de Donga, cantar a versão errada, em vez da correta ("O chefe da polícia / Pelo telefone / Mandou avisar"). E, quando chegou a hora H, não deu outra (+)
A TRISTE PASSAGEM DE GARRINCHA PELA SAPUCAÍ
Garrincha foi um dos homenageados do enredo de 1980 da Mangueira, "Coisas nossas". Mas sua passagem pela Sapucaí gerou uma imagem melancólica. O desfile aconteceu apenas três dias depois de Garrincha sair de uma de suas internações. (+)
Na Avenida, ele estava visivelmente entorpecido pelos medicamentos. Para tê-lo no desfile, a Mangueira pagou cachê de 32 mil cruzeiros (700 dólares), como relata Ruy Castro em "Estrela solitária". Garrincha era destaque no setor "Da pelada à Jules Rimet", q tratava do futebol(+)
A ideia era que ele viesse sobre a alegoria, mas, quando ele chegou à pista, a escola se deu conta de que o campeão mundial não tinha condições de ficar de pé. Resolveram colocá-lo sentado, na parte da frente do carro. Quando ele entrou na Avenida, foi ovacionado pelo público (+)