O senador Marcos do Val teve seus 15 minutos de fama na última semana. Protagonizou uma das histórias mais hilariantes da política nacional, tirando o protagonismo de Tiririca no Congresso Nacional. Montou um script típico das comédias de Peter Sellers e acabou ganhando um fio.
1) Com 51 anos, nascido em Vitória (ES), chegou a integrar o 38º Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro, o que causa certo embaraço dado que até o advento do bolsonarismo, a maioria dos brasileiros acreditava que as forças militares do país eram sóbrias.
2) Na última quarta-feira, do Val decidiu ativar várias bombas. Faltou gritar "Ok, Ok", "Eu aumento, mas não invento", ao estilo Nelson Rubens. Narrou um encontro que teria tido com Jair Bolsonaro e o então deputado Daniel Silveira que visava envolvê-lo num golpe de Estado.
3) Marcos teria se recusado a participar da aventura e denunciou o caso ao ministro Alexandre de Moraes em dezembro do ano passado. Tudo já era bombástico, mas o senador decidiu dar um realce na história e anunciou que renunciaria ao cargo público
4) A partir daí, a história que passou a contar foi se contorcendo. Num momento, a tal reunião teria acontecido no Palácio da Alvorada com o então presidente Jair Bolsonaro e Daniel Silveira, no dia 9 de dezembro. Depois, já não teria ocorrido neste lugar e com Bolsonaro.
5) Nessa reunião de dezembro, teria sido sugerido que ele gravasse uma conversa com o ministro do STF em ato comprometedor, com o intuito de impedir a posse de Lula.
6) O encontro com Moraes teria ocorrido, de fato, três dias depois, quando formalizu a denúncia. A história rocambolesca vai se alterando numa versão brasileira das Mil e Uma Noites.
7) O que teria acontecido? O mais provável é que assim que Daniel Silveira foi preso, no dia 2 de fevereiro, o pânico bateu fundo no senador bolsonarista. Afinal, ele estava na cena da fatídica reunião, juntamente com Silveira e Bolsonaro.
8) O provável é que se antecipou e relatou a reunião como denúncia. Num momento seguinte, foi contatado por Flávio e Eduardo Bolsonaro que o estimularam a alterar sua versão original. Do Val se apresentou como um estrategista de extrema-direita que buscava inviabilizar Xandão.
9) A reação do ministro do STF foi rápida, como já é de conhecimento do Brasil: determinou abertura de procedimento investigativo sobre o senador do Val em virtude de um provável falso testemunho.
10) O fato é que o currículo do senador não parece ser o de um paladino da justiça, mas um lutador de artes marciais. Em 2018 foi credenciado pela International Aikido Federation, como mestre em Aikido. O senador é fundador do Cati (Centro Avançado em Técnicas de Imobilizações).
11) Suas técnicas ficaram conhecidas e acabaram envolvendo agentes da Swat, Nasa, FBI, Navy Seals, Vaticano e mais de 120 corporações policiais em diversos países como EUA, China, França, Espanha, Luxemburgo, Bélgica, Itália, Portugal, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai etc
12) Portanto, mais um político da safra bolsonarista que ingressou na vida pública pela cultura militar. Em 2018 se elegeu senador pelo ES com 863 mil votos. Ocupou cargos na Mesa Diretora do Senado e em comissões, como a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional
13) O que parece ser importante refletir é como um político inexperiente conseguiu envolver a grande imprensa e redes sociais nas suas múltiplas versões sobre uma reunião sem lugar ou participantes muito certos.
14) Consta que o senador foi frequentador de programas de auditório e tem forte engajamento no Instagram, com taxa de interação de 2,9 milhões e 826 mil seguidores, à frente de Damares, Flávio Bolsonaro, Flávio Dino e Romário. No Facebook, Marcos do Val aparece na quinta posição
15) Mas, não basta ser bem sucedido em programas de auditório e redes sociais. É preciso cativar a audiência. Nisso, seu grande feito foi atrair uma militância progressista focada em versões espetaculosas que pululam nas redes sociais.
16) No dia em que o senador fez a denúncia, as redes sociais progressistas divulgaram seu feito como a prova cabal do envolvimento de Jair Bolsonaro nos atos terroristas de 8 de janeiro. Marcos do Val parecia probo e verdadeiro. Não havia motivos para duvidar de sua boa intenção
17) É este o ponto que parece ser um alerta: a ingenuidade e pendor ao espetáculo que envolveu a base progressista e lulista do país. Não há tempo para buscar informações e apurar. Qualquer notícia excitante é motivo para disparar opiniões
18) Desde 2015 venho percebendo uma queda acentuada da capacidade de reflexão da base progressista brasileira. Muito excitada, muitas vezes à beira do pânico ou ataque de nervos, o pensamento crítico parece ter sido abandonado em troca da visão de torcida de time de futebol.
19) De olho na tabela do campeonato, o importante é saber qual o próximo jogo do time que está disputando a liderança com o seu time. Ninguém parece pensar no campeonato em si, mas apenas no próximo jogo. Basta o envolvimento emocional gratuito e ingênuo.
20) O que chamamos de “massa de manobra” se alimenta justamente desse caldo de cultura fundado na idolatria e na excitação. O campo progressista brasileiro não era assim.
21) Não foi assim nos anos 1980 e 1990. O campo progressista sabia que as chances de emplacar as eleições diretas eram pequenas, mas insistia porque acumulava forças que desaguaria logo à frente.
22) Tudo mudou. E mudou de tal maneira que neste século XXI, o baixo clero consegue eleger um Presidente da República que foge do país na sua primeira derrota.
23) Mudou tanto que um senador de primeira viagem pauta a grande imprensa e as redes sociais com facilidade durante uma semana toda, até que um juiz resolve dar um basta em suas versões fantasiosas. Não estamos bem. (FIM)
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Bom dia. Inicio um fio sobre o livro de Leonardo Weller e Fernando Limongi, “Democracia Negociada”, que trata do período que vai do final da ditadura militar à queda de Dilma Rousseff. Lá vai:
1) O livro se constitui numa ilustração da encruzilhada que vive a sociologia brasileira. No século passado, grande parte da produção sociológica voltava-se para a leitura dos pares. Já no século 21, ficou patente que ser reconhecido pelos pares não bastava.
2) Dada a banalização da carreira, sociólogos passaram a buscar o grande público, cortar os excessos em citações, adotar títulos e capas chamativas, para além dos muros das universidades e think tanks muito especializados.
Bom dia. Prometi um fio sobre os atos terroristas de 8 de janeiro. E, também, sobre a origem de certo descaso popular em relação aos riscos à nossa democracia. Acredito que a fonte para as duas situações é a mesma. Lá vai:
1) Acredito que o ponto de convergência é o legado de 300 anos de escravidão no Brasil. De um lado, forjou uma elite nacional socialmente insensível e politicamente violenta, sem qualquer traço de cultura democrática
2) Nosso empresariado é autoritário e autocrático, como demonstram tantos estudos acadêmicos. Além de majoritariamente com pouca instrução, nosso empresariado desdenha eleições e procura se impor pelos escaninhos dos parlamentos e governos
Bom ida. Começo o fio sobre o futuro presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Mais um que tem seu poder local pavimentado pelas emendas parlamentares, a base do poder do Centrão. Lá vai:
1) Alcolumbre tem 47 anos e nasceu em Macapá. Trabalhou no comércio da família. Se elegeu vereador pelo PDT em 2000. Foi secretário de obras do município e em 2002 foi eleito deputado federal, sendo reeleito por 2 vezes. Em 2006, foi para o DEM
2) Em 2014, conseguiu a proeza de se eleger senador pelo Amapá, até então, um quase-protetorado dos Sarney. Aí começa sua saga nacional. Em 2019 é eleito presidente do Senado Federal, se reelegendo em 2022.
Bom dia. Aqui vai o fio sobre Arthur Lira. Daqui um mês, Arthur Lira deixa a presidência da Câmara de Deputados. Ele foi mais um da sequência iniciada com Severino Cavalcanti que passou a assombrar o establishment desta casa parlamentar
1) Severino foi apenas um susto. Mas, logo depois, veio o bruxo que alteraria de vez não apenas a lógica de lideranças e poder na Câmara de Deputados, mas a relação com o governo federal: Eduardo Cunha.
2) Lira entra nesta sequência, dando mais um passo na direção da subversão da lógica entre os três poderes: avançou sobre os governos Bolsonaro e Lula, chantageou à céu aberto e enfrentou o STF.
Boa tarde. Prometi um fio sobre a entrevista de Zé Dirceu em que cita o período contrarrevolucionário que estaríamos vivendo. ZD foi entrevistado pelo Breno Altman no “20 Minutos”, quadro do Opera Mundi (ver ).
1) Logo no início da entrevista, Breno pergunta qual a principal contradição na conjuntura mundial. Zé Dirceu descarta a hipótese de ser a disputa entre democracia e autoritarismo, que levaria à necessidade de uma ampla aliança. Esta não é uma resposta à toa
2) Zé Dirceu sugere que a principal contradição é a decadência relativa dos EUA. A decadência geraria um embate direto entre a maior potência mundial e seus rivais diretos que, na visão de ZD, seriam China e Rússia, seguidos pela Índia.
A guinada lulista está obrigando a esquerda (incluindo a petista) a se reposicionar perante ao governo. A deputada do PT RN, Natália Bonavides acaba de publicar artigo explicando sua votação contra o pacote de Haddad. Vou destacar alguns trechos:
1) Trecho 1: "os debates sobre o pacote de medidas envolveram posições (...) sobre qual será o impacto político das medidas na construção de um horizonte de país que rume à redução das desigualdades"
2) Trecho 2: "longe da visão despolitizada que acusa os votos de esquerda contra o pacote de serem votos fáceis e para "jogar para a galera" (...) a posição contrária aponta uma divergência de linha política profunda. Existe um desacordo de análise. "