Nós somos sintomas de nossos pais. Somos produtos do imaginário deles e precisamos nos virar para agir e elaborar no simbólico esse desamparo real.
E esses pais erram, e repetem, e projetam, e falham, e atuam seus sintomas. E é horrível mesmo, mas se fosse diferente também seria desastroso. Há muito de patológico. “Patológico” define nossa constituição.
Todos temos a tarefa de elaborar isso durante a vida. Nós e nosso pais. A construção dessa relação é parte do trabalho de elaboração de nossos sentidos. É um fato inescapável.
Mas “tive mãe narcisista” não é elaboração. Tem muitas camadas esse discurso: “mãe narcisista” é mais um modismo diagnóstico. Faço um arremedo de conceitos e fenômenos e apresento minha “criação” a quem vive sua angústia e demanda um capítulo novo ao seu romance individual.
No limite, e não acho que vá elaborar isso 7 da manhã do sábado de carnaval, essa relação discursiva é a do nosso modo de produção. Diagnóstico-produto que responde ao anseio de nossos imperativos
É um sistema que se retroalimenta: o imperativo capitalista-seja-você-mesmo-seu-melhor-produto cria uma angústia inescapável. Ninguém consegue ser sua “melhor versão”. E aí está pronta a demanda pelas respostas a essa impossibilidade. “Vendemos o que você precisa para se definir”
E tome diagnóstico como identidade, auto diagnóstico, o outro tóxico, o outro abusivo, o outro narcisista (narciso acha feio o outro no espelho), o #diagnostico que me delimita sempre mudando ao sabor do mercado e com verniz científico.
“Mas então não existem sintomas e relações abusivas que nos influenciam e traumatizam e…” Claro que existem, Pedro Bó. Se não existissem eu não teria emprego.
A questão aqui é como isso tudo é capturado por certas dinâmicas atuadas comercialmente, politicamente, socialmente e depois devolvido ao sujeito como “resposta”. Enfim, vou tomar café.
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Eu me divirto com todas as regras que as pessoas têm para relacionamentos e com o conceito de “responsabilidade emocional” porque eles partem do pressuposto de que as pessoas sabem de seu sentir e de seu desejo.
Não está liberado ser c*zão, mas por difícil que seja o trato das demandas próprias e do outro precisam ser reconhecidas com seus limites e fronteiras, inclusive aquelas que não pedem resolução, a demanda pela demanda.
Porque no campo das fantasias chegamos a situações como a da pessoa que quer que o outro saiba de sua demanda sem a comunicar. “Você deveria saber sem que eu te conte”. Você não quer um parceiro, mas um implante cerebral.
Eu tenho me afastado completamente dos bolsonaristas que restaram em meu círculo de conhecidos, exceto na clínica, onde sim há elaboração deste lugar. +
Porque é absolutamente desgastante lidar. Para tudo há uma resposta sem lastro em fatos e se você mostra isso a agressividade é quase instantânea. Eles vão se isolando cada vez mais e esse acting out ainda vai durar bem.
Alguns amigos antes importantes sei que não verei mais. Na família tive sorte: um tio e alguns primos de segundo grau apenas, evangélicos. Sentirei falta deles, mas já dei como mortos.
Quando criança eu vi Carl Sagan dizendo que o Sol um dia iria “morrer”, daqui a bilhões de anos, e passei muitos meses sem conseguir dormir. “Como assim o mundo que eu vejo e gosto deixará de existir?”
No limite, todo obsessivo é um pouco o jovem poeta lá do texto freudiano sobre a transitoriedade. “De que vale hoje a beleza do que morrerá amanhã?”
E aí vem certo flerte com a morte, que no fundo é uma tentativa narcísica de a enganar. Mantê-la perto como fantasia de controle diante do acaso.
Das coisas mais fascinantes da minha maneira de ver o mundo e da teoria que sustenta minha prática: a linguagem. É incrível quando se percebe na clínica que é a estrutura de linguagem que sustenta a existência, mesmo física, do ser. É difícil acreditar sem ver.
Todo ano essa época eu penso em começar um podcast. Felizmente a vontade passa.
Seria um bom podcast. Eu gosto de podcasts e se tem uma coisa que me deixa feliz é participar. Mas acho que não desejo tanto assim um meu a ponto de fazer malabarismos com a agenda.
Fazer um de música chamado “Dedique uma canção”. Durante a semana pessoas mandam mensagens no Telegram dedicando uma música para alguém, contam a história etc. No episódio eu toco a música e comento e opino etc.
Eu tenho um interesse profissional gigantesco no patriota golpista que realmente acredita hoje que Lula não assumiu, que é um sósia ou alguém de máscara etc.
Todos os prints com teorias de conspiração sobre não ser a faixa verdadeira e tal. Não sei se há algo novo a ser explicado, mas que belo trabalho de campo seria entrevistar essas pessoas.
A internet potencializa muito o que antes tinha o alcance de uma vila.