De todas as coisas que o David Graeber produziu, a mais instigante p a mim não foi escrita(e olha que eu li quase tudo) mas uma parte de uma palestra sua sobre tecnologia.
A tese era simples e contrária ao senso comum: comparado ao séc XX, o avanço tecnológico está freando.+
Tem que esvaziar muito a xícara da ideologia para entender seu ponto.
Graeber partia muito de um ensaio do Mark Fisher ("On Flying Cars and Broken Promises"), isto é, da ideia de que ouvimos a promessa de carros voadores (rs) e nunca a recebemos.
O singelo escondia muito.+
Ou seja, da comparação entre a capacidade imaginativa da sociedade, representada pela literatura e demais obras culturais sobre o futuro, e o efetivamente alcançado.
Segundo eles, do final do século XIX até meados do século XX, as promessas foram atingidas. Daí em diante, não.+
O que realmente interessava é que Graeber colocou uma causa nessa diferença: os tais bullshit jobs e o fim das utopias (o tema fisheriano por excelência).
No passado o avanço tecnológico ocorria pela alocação de recursos na ciência livremente. +
Nas palavras de Graeber, prender um monte de cabeçudos numa sala, deixar eles com recursos para viver bem e esperar o que eles desenvolveriam nesse tempo.
Hoje, a ciência é feita por produtivismo, o que é irremediavelmente improdutivo.
+
Ao invés de recursos e tempos livres para pesquisar, os cientistas agora tinham tempo controlado e recursos controlados. O que significava que a maior parte do tempo de tais pesquisadores era gasto justificando como gastaram o tempo deles.
Isso retirou o potencial do risco.+
Ideias grandiosas e difíceis foram preteridas em nome de pequenos avanços garantidos. E os avanços ficaram menores, menores, menores, até quase parar.
O tempo do pesquisador passou a ser majoritariamente de Bullshit Jobs(justificar o controle de gastos), do que da ciência.+
Isso é radicalmente diferente dos tecnopessimistas, na real. Tecnopessimismo é a ideia de que o avanço tecnológico ocorre em detrimento da sociedade.
Esse é o real cerne de tecnoceticismo: o avanço sequer está ocorrendo.+
Isso não quer dizer, claro, que *nada está acontecendo*. Existem avanços, em especial no que diz respeito a produtificação de técnicas anteriores.
(O blockchain foi inventado na década de 90 e ficou na gaveta até alguém descobrir que era possível dar golpes ponzi com eles).+
Essas, claro, são críticas ao neoliberalismo e ao realismo capitalista.
Em outra ceara, poderíamos dizer que a tecnologia é parte da cultura de uma sociedade e, portanto, fruto de sua ideologia. Tecnologia é o que a ideologia extrai do estado da técnica e ciência.+
O motor a combustão é a técnica, o carro e o trem à diesel são as tecnologias.
Não à toa, o carro foi escolhido/produzido pelo bloco capitalista como símbolo do avanço e da liberdade: ele é a liberdade de ir e vir transformada em PRODUTO, em COMMODITY. A maior promessa!+
(Vou continuar esse fio mais tarde)
(após uma sessão de terapia onde o nome "Graeber" foi citado em um número inacreditável de vez...)
O que efetivamente temos é acúmulo de capital produtivo e avanços técnicos que permitem tem acúmulo.
Para entender isso, vou divagar sobre a Lei de Moore.+
A Lei de Moore é a especulação que "o número de transistores dos chips teria um aumento de 100%, pelo mesmo custo, a cada dois anos". Ou seja, a capacidade de processamento por $ investido dobra a cada dois anos.
Grosso modo, ela deu certo de 1975 até 2023. Mas acabará.+
Um bit do chip mais avançado de hoje tem distância de três nanômetros de outro. Com distância de dois, eles já não funcionam.
A humanidade confiou no aumento tecnológico da nanoengenharia e não no avanço científico de outras formas de computação.
O resultado é frenagem.+
Nessa década, a Lei de Moore não só errará, como o aumento da capacidade de processamento terá um completo fim(na ponta da evolução dos chips eletrônicos).
Computação quântica, que depende de nerds abandonados em salas com tempo e recursos livres, anda a passos de tartaruga.+
Parte significativa do que chamamos de "evolução tecnológica", ou para ser mais preciso, que a propaganda e ideologia liberal chamam disso, é apenas esse tipo de acúmulo a aplicações de tais acúmulos.
É o caso dos smartphones. Ou da IA. Tudo Lei de Moore aplicada.+
E a Lei de Moore parou. Esse processo ainda guardará uma bela capacidade inercial. Como expliquei em outro fio, o surgimento de IAs de propósitos gerais(como o ChatGPT) desperta a inteligência prática de uma multidão, o que libera um potencial criativo imenso.+
Porém, a frenagem do desenvolvimento científico importará numa frenagem no desenvolvimento tecnológico em algum tempo. Isso, também, reflete uma realidade sombria contemporânea: perdemos a capacidade de pensar na geração dos nossos netos, devido a catástrofe climática.
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E chegamos em outro grave problema da ideologia liberal: ao negar a frenagem científica e manter viva a mentira de que as coisas estão sempre melhorando, o otimismo liberal condena o mundo à morte.
"A avanço da ciência resolverá o aquecimento global". Que avanço, cara pálida?+
Claro que vivemos numa época tecnopessimista, após uma época tecno-utopista. E todo esse pensamento também é fruto dessa conjuntura.
Mas que hora melhor para discutir essa pergunta fundamental(será que estamos avançando mesmo?) do que durante o estouro da bolha tech e cripto?
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Precisamos aproveitar a brecha no tecno-utopismo para efetivamente refletir se estamos evoluindo, para quê fim e o porquê.
Um dos principais pontos desse texto, portanto, é minha velha fórmula de que tecnologia é técnica mais ideologia.
E o neoliberalismo é autoritário.+
A maior evolução tecnológica recente, de fato, veio do sonho de pessoas do passado: hoje, os marks zuckerbergs, e seus comparsas da NSA, sabem onde todos nós estamos em tempo real.
Era o sonho de Himmler.
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Hoje, a capacidade de propaganda deixou de procurar o melhor discurso médio, mas achou um modo de entregar uma propaganda específica para cada indivíduo.
Era o sonho de Goebbels.
Vivemos a distopia que era sonho dos mais autoritários. E tudo isso sob uma ideologia otimista.+
Essa poderia ser uma conclusão para esse texto, mas como comentei, tive uma sessão de terapia no meio, então vou dar um tom intimista a quem chegou nesse final.
Como o banner desse perfil conta, eu sou uma pessoa em contradição. Consultor de inovação e tecnocético.+
Comunista trabalhando com reorganização laboral do grande capital. Graeber, Morozov, Fisher, Snowden e masterclass sobre ChatGPT hoje às 18hs fixada no meu perfil.
E sou um generalista, alguém que sabe 3 sobre todas as coisas e 6 sobre nenhuma.
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Isso permite uma fácil mudança da referência, da posição argumentativa.
Meu fio mais tecno-utópico recente foi o último sobre Graeber de ChatGPT, aquele que eu dizia "a IA é burra mas seu trabalho também".
Ao tecnoceticismo difundido entre nós, ele caiu como uma luva.+
Muitas pessoas perceberam que, sim, meu trabalho tem muita burrice no meio, então vale a pena usar ChatGPT.
Mas sempre haverão os tecno-entusiastas raiz. Esses não percebem a necessidade de transitar para influir no mundo e reclamam do uso da palavra "burrice".+
Os tecnopessimistas em demasia continuarão na linha de quê "eu sou mais inteligente no meu ofício que a IA, portanto não preciso usar".
Então, aqui vai algo que Graeber não comentou sobre a frenagem científica mas que é essencial a ela: especialização mata.+
E vou provar esse ponto, como bom generalista, usando de biologia:
Na história natural de nosso planeta, foi muito mais raro uma espécie ser extinta por competição com uma mais especializada do que ser extinta por excesso de especialização.
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E o mesmo vale para a ciência.
Um dos vilões da frenagem científica foi a redução da interdisciplinariedade, fruto do acúmulo tecnológico sem avanço científico.
É a razão do sucesso da metáfora (falsa! Rs) sobre a caneta espacial dos EUA e o lápis soviético.+
Se há uma saída para esse imbróglio todo, ele passa por uma aceitação maior do trânsito entre perspectivas.
Tanto as respostas estamos avançando "muito", "nada", e "em direção à merda" tem fundamentos.
A saída será por uma confluência. Com radicalidade mas confluente.
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Um crime não aconteceu e não pode ser punido, se sua execução não começou. Comprar um carro para assaltar um banco não é crime.
Se a Gabriela Hardt antecipou o pedido de prisão para coincidir com a declaração do Lula("foder com o Moro"), ela fez uma cagada que beneficiou o PCC.+
Eu tenho um tio que é muito gaiato. Na verdade, ele é 1,90m e 140kg de xingamentos e palhaçadas, a pessoa mais engraçada que conheço.
Ele tem um restaurante em Olinda. E por anos, chamou a prefeita, que ele adorava, de "minha gostosa" toda vez que ela ia ao restaurante.+
A prefeita respondia como "Piauí(o apelido do meu tio), seu baitola!". E se davam abraços carinhosos e efusivos.
Um dia, meu pai presenciou a cena e se escangalhou de rir. E meu pai... bem, ele é engraçado do jeito dele mas se leva muito a sério. Muito mesmo.+
Acontece que "a gostosa do tio" agora é ministra da ciência e tecnologia. E meu pai é professor universitário.
Portanto, os dois vão se reencontrar, meu pai se lembrando bem da história e ela sem ter a menor ideia que o prof. Almendra é irmão do Piauí do Marisqueira.+
A carne de reator(eu gosto desse nome) tem tudo para ser uma péssima ideia. Consome uma quantidade gigantesca de energia. E ainda está há década de emular minimamente a fibra da carne(basicamente, ela produz carne em pó... eu já provei).
Eu acho que é uma pesquisa fadada ao fracasso. Não convence veganos e vegetarianos. Não é ecologicamente viável. É caríssimo. E sai ruim.
Se fosse um banimento para evitar desperdícios de recursos era uma coisa. Outra completamente diferente é banir por "tradição culinária".+
Até porque, né, tradição está numa ponta oposta à inovação. A forma tradicional de fazer pães era no forno a lenha, com grãos moídos numa mó de pedra, movido por uma roda d'água. Se hoje usamos mós elétricas e fornos a gás, já não é tradicional.
Minha opinião mais esquisita sobre a internet e os movimentos de extrema-direita é que "Loss" foi um precursor do Gamergate.
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E eu sei que isso é papo para 1% da timeline mas acho que ele nos ensina algumas coisas que valem ser pensadas. Espero ser sucinto.+
Loss foi um meme que começou como uma resposta a um quadrinho online.
Era um quadrinho bobo sobre jogo nerds de videogame. Apesar de ser uma representação do autor do quadrinho, personagem principal era um abobalhado e representado como abobalhado, bizarro, alguém a não ser.+
Seu melhor amigo e sua namorada eram os personagens "louváveis" do quadrinho. Eles jogavam videogame também mas não eram toscos, monocentrados, viciados e etc.
Em dado momento, a namorada fica grávida e depois do susto eles acabam felizes. Em Loss, ela tem um aborto espontâneo.+
Graeber era o melhor dos nossos tecnocéticos. Mas também concordava na burrice do trabalho contemporâneo, no quanto as corporações nos prendiam a rotinas idiotificantes.
Emails desnecessários, burocracias, rotinas, processos. Uma grande estrutura emburrecedora.+
Por que? Porque decisões de cima para baixo dependem da burrice para garantir previsibilidade.
O presidente do McDonald's não quer seu chapeiro experimentando novos pontos da carne. Ele quer que todo McDo sirva a mesma carne em todo canto. Para o cliente ter previsibilidade.+