A Lei da Ficha Limpa é um problema imenso e não respeita a presunção de inocência? É o que falamos há anos.
Mas ela está em vigor? Sim - e, portanto, "é para todos", para usar um jargão famoso em Curitiba.
~Ah mas é questionável no caso do Deltan, é vingança, etc.~
Discordo. +
O art. 1º da lei é uma regra - logo, aplicação por subsunção, não por ponderação. Vejam só a redação:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória,
que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos;
Destaco: OU que tenham pedido exoneração na pendência de PAD. É causa de inelegibilidade +
Ah, mas mesmo que não seja condenado? Sim. A lei presume má fé de quem deixa um cargo dessa natureza enquanto pende PAD pq entende justamente que vão fraudar e desviar da punição.
~Mas que horror presunção de má fé!~
Pois é, bem-vindos à Ficha Limpa, é ruim, mas é lei +
Mas e o Deltan, tinha PAD? CNMP diz que não...
Eu fiz uma brevíssima viagem no tempo pra entender, pois me lembrava que em 2021 já havia me deparado com a tese de que ele estaria inelegível. Inicio com o artigo de que eu me lembrava:
"Dois dos processos administrativos ainda não foram arquivados, o que poderia complicar uma eventual candidatura de Dallagnol: pela Lei da Ficha Limpa, procuradores que respondem a PADs não podem concorrer a cargos públicos"
Então como o CNMP diz que não tinha PAD?
Aí entra um lado "interessante" desse caso: o próprio Deltan requereu a suspensão de sanções aplicadas contra ele em PAD. Ele deu causa à existência de processo disciplinar EM TRÂMITE contra ele ao pedir que não fosse aplicada +
a punição à qual tinha sido condenado.
É tipo um "venire contra factum proprio"? É.
Prejudica ele? Sim, mas justamente pq estamos falando da Ficha Limpa. Se ele questionava a pena imposta, havia um processo, certo?
"Dias Toffoli julgou improcedente a petição ajuizada pelo deputado federal Deltan Dallagnol (PODE-PR), quando ele ainda era procurador, contra decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)."
Ou seja, o PAD não fora arquivado pq o Deltan não queria sofrer a sanção dele e seguiu questionando.
Aí entra antiga discussão sobre judicialização de processos administrativos, podemos adentrar nisso, mas o fato é que havia uma suspensão. Algo que está suspenso existe ou não?+
Até aqui nem mencionei a questão do TCU e das diárias. Deltan conseguiu liminar da Justiça Federal em Curitiba pra suspender também o Acórdão do TCU no curso da Tomada de Contas 026.909/2020-0, autuada em 30/07/2020. O Acórdão do TCU é de agosto de 2022. +
Em dez/2022 houve decisão da JF Curitiba anulando o acórdão, e já havia liminar, logo ele estaria protegido da incidência da alínea g da Lei da Ficha Limpa, que diz:
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade+
insanável que configure ato doloso de improb. administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão+
Dei uma resumida pra não alongar.
AQUI TEMOS UM NOVO PORÉM: Deltan pede exoneração em 04/11/2021. O que aconteceu apenas DEZESSEIS DIAS ANTES?
Uma condenação a demissão de um dos membros da Força Tarefa da Lava Jato +
Em perspectiva, considerando PENDÊNCIA de PAD provocada pelo próprio Deltan ao buscar a suspensão da sanção administrativa, impedindo o arquivamento, e também as respostas do CNMP tentando evitar a alcunha de corporativista, a coisa tava ruim pro Deltan. Mas isso não basta p/FL +
Não como fazer futurologia do passado e dizer "ah ele seria condenado, os PADs seriam arquivados, etc.". Jamais saberemos.
NO ENTANTO, há como saber que havia ao menos 2 PADs com pendência contra Deltan Dallagnol - além de sindâncias, procedimentos, entre outros. +
~Ah mas a pessoa não pode ser considerada inelegível por sindicância ou procedimento, essa interpretação é para além da lei.~
A verdade é que nem precisa dessa interpretação. Ele pediu suspensão dos PADs. A não ser que você entenda que algo "suspenso" equivale a "inexistente" +
O voto do Benedito Gonçalves fala de como o Deltan pede exoneração pra se esquivar dos PADs que viriam - levando em consideração a punição do outro membro da Força Tarefa. É um erro. Ele nem precisava disso. Poderia ter se fixado apenas no texto da lei e evitado a "polêmica". +
E o texto da lei é claríssimo. Voltando a ele, são inelegíveis: q) ... os membros do Ministério Público que ... tenham pedido exoneração ... na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos;
PENDÊNCIA. Suspensão é pendência? Essa é a questão. +
O voto do min. Benedito é ruim e abre uma porteira bizarra, com precedentes perigosos - concordo plenamente com isso. A fundamentação do voto nem deveria ter aventado a possibilidade de outros PADs (que não cabe na FL!!), mas sim ter focado no que se tinha de concreto. E havia. +
~Mas é injusto! Lei injusta não pode ser aplicada!~
Bom, aí já não engajo, pq se torna uma campanha pela insegurança jurídica e não posso concordar com isso. Lei "injusta" se declara inconstitucional ou se altera no Congresso.
E pior: essa foi declarada CONSTITUCIONAL pelo STF +
Inclusive com participação TENEBROSA do Fux - o mesmo do "In Fux we trust", vejam a ironia.
~Ah mas você comemorou a perda do mandato do Deltan~
Comemorei. Canalhas merecem sofrer o rigor da lei. Não sou perfeita, peço desculpas por isso. Comemorarei de novo se tiver chance +
Não quer dizer que eu defendo a Ficha Limpa, mas se está vigente e batendo em "Chicos" tem que bater em "Franciscos" também.
~Foi jogo duro constitucional?~
Pelo que li, foi a 1ª condenação do TSE pela alínea q do art. 1º da LC 64, saberemos no futuro se foi meramente político
Acrescentando aqui posição importante do @fsaesilva, um dos maiores pesquisadores sobre a Lava Jato e importante fonte pra quem quer entender melhor as relações por dentro da operação:
Só + um ponto. Há quem interprete a alínea q dizendo que valeria p/exoneração só quando o PAD pode resultar em aposentadoria compulsória ou perda do cargo. Como falei antes, trata-se de REGRA, se tivesse essa exceção estaria contida no texto. Essa visão contraria o texto da lei.
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I had the honour to chair this amazing panel today!
Great tips ahead! 👇
We have a great number of comparative constitutional scholars that present amazing researches every year. It's interesting to make parallels between different legal systems, but we need to be careful not to make it too narrow, or too wide, neither too similar, nor too different..
When you decide to write a comparative article, you should ask yourself some questions:
Professor Shreya Atrey starts by reminding us there are two types of abstracts: 1. the one we write when starting our research, to send to a Conference, for example; 2. the one we write at the end of our research. The latter is he subject of her observations today.
The first thing we should think about is the accuracy of words and the purpose of the abstract: we need to atract our reader to download and read our paper. The relevance of words is also important. We need to chose the best words to make the reader "want for more", +
🧶 Meus 10 centavos sobre o debate "impeachment x golpe"
Na minha tese, trabalhei com esses conceitos. Politicamente, penso que chamar de golpe é relevante pela narrativa.
Juridicamente, optei por utilizar o conceito de "jogo duro constitucional" (constitutional hardball).
1/n
Jogo duro constitucional é um conceito que remete a práticas que, embora estejam acobertadas (ou pretensamente acobertadas) pela juridicidade, extrapolam limites constitucionais na sua aplicação. Ou seja, é como se fosse um "golpe constitucional institucionalizado".
2/n
Mark Tushnet (Harvard), p.ex., entende que a prática engloba métodos que levam a violações constitucionais com viés político, cuja finalidade extrapola limites, ainda que as manobras perpetradas possam estar acobertadas por um véu (ou simulacro) de legalidade das ações.
3/n