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OS JOGADORES DO FLAMENGO SÃO INDOLENTES?

Em 1954, João Lyra Filho chefiava a delegação brasileira na Copa do Mundo. Lyra era um jurista percusor do direito esportivo no Brasil e figura mais influente na área durante o Estado Novo.

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Após a derrota para a Hungria nas quartas, cabia a João Lyra explicar num relatório as causas do fracasso. Como em 1950 com o perseguido Barbosa, Lyra recorreu ao racismo e às explicações raciais. Para ele, a mestiçagem era a grande culpada do fracasso brasileiro na Copa. Image
Lyra argumentava que os jogadores negros e mulatos eram indolentes, instáveis emocionalmente, com muito apelo ao artístico e aos dribles e pouca objetividade. Em contraposição, os educados brancos europeus tinham cultura e autocontrole.
O racismo redivivo em 50 e 54 sofreu um duro golpe com os três títulos mundiais seguintes protagonizados por Pelé, Garrincha, Jairzinho e tantos mulatos e negros protagonistas.
www1.folha.uol.com.br/esporte/2018/0…
Contudo, esse racismo será reciclado e ainda vigora para alguns setores como explicação para o fracasso. No lugar de "negro", "mulato" ou "mestiçagem", o argumento será mantido com o uso da identidade "jogador brasileiro", a maioria de negros e mulatos.
Antes, o negro seria "indolente, indisciplinado, sem autocontrole, pouco objetivo e muito arteiro". Agora, é o jogador brasileiro no geral que seria "indolente, indisciplinado, sem autocontrole, pouco objetivo e muito arteiro".
Um jogador pode agir de maneira indolente, comportar-se com a cabeça em outro lugar, mas quase TODOS são ou estão assim, inclusive, os que saíram do banco? Não passa de um velhíssimo argumento racista, sendo reciclado para explicar os fracassos recentes do Flamengo.
Será que todos os jogadores do Flamengo estavam famintos por vencer em 2022 e, de repente, TODOS os jogadores se tornaram indolentes em 2023? Essa infame anedóta está sendo sempre reciclada porque esse argumento racista é ancestral entre nós. Image
Proponho outra explicação que nos leve para longe do racismo infame. O que mudou de 2019 para cá no Flamengo e que nos aponta para o sucesso ou o fracasso na Libertadores? A organização ofensiva.
O Flamengo é um time de posse, com jogadores muito qualificados. A organização ofensiva torna-se ainda mais influente em todos os aspectos do jogo. A maneira como você se organiza para atacar muda a maneira como você pressiona o adversário após a perda da posse.
Com a mudança no pressing, muda também a sua transição defensiva. Uma transição defensiva ruim significa também uma organização defensiva mais precária. A mudança na organização ofensiva causa um efeito cascata em todo time: pressing, transição, organização defensiva.
Quando se organiza de maneira mais posicional, o Flamengo faz o pressing diferente, piora sua transição defensiva, e leva muitos mais gols. Essa mudança afeta o todo do time e derruba o anímico dos jogadores.
Com Jorge Jesus, o Flamengo jogava num 4132/442 com o 5 fazendo a saída de bola ao lado dos zagueiros, e os laterais adiantados. Com a progressão do time, os jogadores se uniam no lado da bola, e o lateral do lado oposto fazia uma diagonal defensiva:
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Vejam como o Flamengo se unia do lado direito, se aproximava, com o quarteto ofensivo sempre próximo e buscando as tabelas. A bola gira para o lado esquerdo, o time todo gira e o lateral-direito fica em diagonal defensiva.
Não só o time se aproxima no setor da bola e dispensa a amplitude total, como progride em campo através dos movimentos de apoio e ruptura. No lugar da bola viajar rapidamente de posição em posição, os jogadores oferecem apoio/ruptura, e o time avança em campo através das tabelas:
Depois de Jorge Jesus, apenas Renato Gaúcho e Dorival Júnior buscaram uma organização ofensiva com essas similaridades. Não é por acaso que com ambos o Flamengo chegou na final da Libertadores 2021 e 2022. Com Dorival, o time teve ainda mais solidez defensiva.
Dorival partia do 4312 que se transformava em 4222 com Ribeiro se aproximando de Arrasca, com Pedro e Gabi de dupla de ataque. Muita liberdade posicional, jogo interior e "toco y me voy":
Com os demais treinadores após JJ, a organização ofensiva do Flamengo era muito diferente, pois o time se organizava de maneira mais posicional, com zonas ofensivas bem definidas para cada jogador, buscando a viagem rápida da bola de posição em posição em busca do "homem livre":
Com Sampaoli, o Flamengo joga quase sempre num organização posicional em 325 ou 316, como anunciado pelo técnico. Pelas características dos jogadores, o time ataca mal e quase sempre abusca das triangulações laterais para arrumar infindáveis cruzamentos na área.
Algumas vezes, obtém o placar favorável pela união de talento e volume (mesmo que pouco qualificado). Contudo, o Flamengo sempre pressiona pior após a perda da bola quando ataca posicionalmente, pois os jogadores atacam mal e estão distantes e não são de grande imposição física.
Consequentemente, com um pressing ruim, a transição defensiva sofre bastante. Os adversários encontram fartos espaços para o contragolpe. Por isso, o Flamengo toma um elevado número de finalizações ao gol. O futebol é um todo. A maneira como se ataca influencia em como se defende

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Aug 6
Ranking dos gastos dos clubes brasileiros em contratações nos últimos três anos (em milhões de euros):

1- Flamengo: 84,95
2- Bragantino: 51,19
3- Palmeiras: 38,7
4- Atlético-MG: 31,57
5- Athletico: 29,85
6- Santos: 28,45
7- Botafogo: 24,52
8- Vasco: 23,79
9- Grêmio: 23,65
10- Bahia: 22,02
11- São Paulo: 19,94
12- Internacional: 18,03
13- Corinthians: 12,15
14- Fortaleza: 10,21
15- Cruzeiro: 9,08
16- Coritiba: 8,61
17- Fluminense: 7,65
18- América-MG: 3,72
19- Cuiabá: 2,65
20- Goiás: 0,39
Algumas observações:

1) O Fluminense é apenas o 17º em investimento, mas foi 3º lugar no Brasileirão 2022, e está em 3º no Brasileirão 2023. Sem dinheiro para ter margem de escolha, contrata os jogadores mais velhos que aparecem. Diniz tira leite de pedra. Image
Read 8 tweets
Jun 20
Por que um país subdesenvolvido conseguiu ser o maior campeão e despertar o afeto mundial no esporte que é o preferido do mundo rico europeu?

Por que esse mesmo país não está só de novo 24 anos sem ganhar uma Copa, mas, dessa vez, perdeu a admiração e as paixões que despertava? Image
Sem partir das perguntas certas, só teremos respostas desencontradas. O período entre 1970 e 94 é diferente do de hoje. Não só pela seca de gênios. Em 94, uma seleção tão difamada por setores da imprensa, chega na Copa despertando admiração em Cruyff e na imprensa internacional.
As pessoas aguardavam o jogo da seleção brasileira porque sabiam que veriam algo diferente das outras seleções. Um drible, uma tabela, uma situação inusitada. Outro esporte. Não era o esquadrão de 70, o sonho de 82, mas a identidade estava lá.
Read 13 tweets
May 4
FALSO-PONTA

Em 1967, Telê começava sua carreira de treinador nos juniores do Fluminense. Ele morava na Vila da Penha e tinha uma sorveteria. Um dos seus empregados era um jovem vizinho, Vanderlei Luxemburgo. Vinte e sete anos depois, eram os técnicos dos melhores times do mundo. Image
No ano seguinte, Luxemburgo começava sua carreira de jogador nos juniores do Botafogo. Ele era um "falso-ponta". Desde os anos 50, o futebol brasileiro recuava um ponta para se juntar aos dois médios e ao ponta-de-lança e formar um quadrado assimétrico com e sem a bola. Image
O Botafogo já jogava com o falso-ponta desde a época de Quarentinha, mas foi Zagallo que eternizou essa função no clube. Quando Luxa chega nos juniores, Zagallo é o técnico do profissional e Paulo César Caju é o encarregado dessa nobre função.
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Apr 16
ESPERANDO GODOT

O discurso oficial do futebol está dominado por um racionalismo meramente instrumental. De que serve esse jogador? O que produz? Reproduziu o treino nos 90 minutos? Tomou sempre as melhores decisões? Errou o mínimo possível?

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Ganhando ou perdendo, o Real Madrid de Carlo Ancelotti trouxe uma graça inaudita ao futebol europeu de clubes por subverter o discurso oficial e trazer o jogo para o campo das paixões, das afeições e de outras formas de racionalidade.
elpais.com/deportes/2023-…
1) O olhar contemporâneo do telespectador de futebol foi moldado na última década para enxergar apenas grandes atuações em times que operam igual os seus mecanismos por 90 minutos e subjuga o seu adversário.
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Apr 16
CRUZABOL

Dos 19 gols marcados no primeiro dia de Brasileirão, 13 nasceram de um cruzamento na área (quase todos pelo alto). Todos os gols de Palmeiras x Cuiabá, Atlético x Vasco, Botafogo x São Paulo, Athletico x Goiás nasceram assim. Image
É sintoma das escolhas que fizemos para o futebol brasileiro: a maioria de nossas equipes apostam no jogo externo, no posicionalismo, na triangulação lateral para encontrar alguma vantagem para o cruzamento por cima ou por baixo, num jogo ofensivo de estar antes de chegar na área
Botafogo e São Paulo ficaram cruzando bolas na área por 90 minutos. Enquanto isso, América x Fluminense foi o único jogo sem gols que nasceram de cruzamentos na área. É consequência de como se enxerga o jogo.
Read 5 tweets
Mar 29
O tema da má administração e do ocaso dos clubes médios e regionais causou muita discussão nas últimas horas. Então, quero explicar um pouco mais como vejo esse tema.
Vamos começar pelo óbvio: se os times médios e regionais fossem bem administrados, se Sport, Guarani, Vitória, Remo, entre outros, fossem sempre bem administrados, ainda assim, jogariam 2 ou 3 vezes na 1ª divisão numa década e teriam chances mínimas de título nacional.
Agora, vamos fazer uma projeção. Você é presidente do Santa Cruz. O seu time tem mais de um milhão de torcedores. Ele sobe para a série A. Você monta o time, faz contratos mais longos, quer dar o próximo passo.
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