Ontem, pela 1ª vez em 8 anos, Netanyahu fez uma entrevista coletiva, junto ao ministro da Defesa Yoav Galant e do ministro sem pasta, Benny Gantz. Pela primeira vez respondeu perguntas de jornalistas israelenses sem seleção. E foi bizarro, o antes, o durante e o depois. Segue o🧵
Vamos aos principais pontos: ele falou sobre a união do povo na Segunda Guerra de Independência de Israel. Chamou o Hamas de barbárie e Israel de civilização, comemorou os líderes do mundo ocidental que estão em lado de 🇮🇱. Disse que Israel vai vencer. (1/26)
Tudo bravata. O que importa é o que vem depois
Dos pronunciamentos, a única coisa aproveitável foi a fala do Galant. Ele disse que os reféns são prioridade, mas que golpear o Hamas pode ser mais efetivo para a sua liberação do que um acordo. Ou seja: não são prioridade. (2/26)
Acusou o Hamas de fazer terrorismo psicológico com a questão dos reféns, e que Israel não pode se render a essa pressão. Na prática, o que ele disse é que não há chance de um acordo pela liberação dos reféns nesse momento. Não me surpreendeu. (3/26)
Mas vamos às perguntas.
Aqui eu faço um parênteses importante: Netanyahu ficou de 2014 a 2019 sem falar com quase nenhum veículo de imprensa, com exceção do antigo Canal 20 (atual Canal 14), chapa-branca da direita. Só abriu exceção pras eleições de 2019. (4/26)
Depois voltou a não dar entrevistas, nem quando fazia pronunciamentos públicos. Abriu outra exceção pra mídia em inglês, em 2023, para tentar influenciar na opinião pública dos EUA quanto à reforma judicial, muito criticada pelo governo Biden. E só. (5/26)
Desde que a guerra começou, ele fez 3 pronunciamentos (o de ontem foi o quarto), e não falou com jornalistas. Ele também não assumiu a responsabilidade sobre o massacre de 07/10, o que incomoda profundamente grande parte da sociedade. (6/26)
O máximo que ele tinha feito, era dizer que, depois da guerra, todo mundo ia ter que dar respostas pelo que aconteceu, inclusive ele.
Como o @doladoesquerdo mostrou nesse excelente fio, ele foi um dos únicos que não assumiu a sua parte. (7/26)
Por isso as perguntas da imprensa seriam tão importantes. Ele ficaria contra a parede, teria que se explicar. Mas, para quem não conhece, estamos falando de Netanyahu, o mestre da oratória, gênio da enrolação e mentiroso patológico. Acabei já dando um pouco de spoiler. (8/26)
A primeira pergunta já foi: "O senhor assume responsabilidade sobre o desastre do dia 07/10, e pretende criar uma comissão investigativa?"
Ele disse exatamente a mesma frase que já tinha dito (sobre depois da guerra), não disse nada sobre a comissão investigativa... (9/26)
..., só disse que tudo seria investigado nos seus mínimos detalhes (mas não disse quem o faria). E acrescentou que sua preocupação agora era com vencer a guerra, e nada mais. E começou a desconversar falando do seu encontro com a família dos reféns. (10/26)
O segundo a perguntar foi o repórter Yaaron Avraham, do Canal 12. Ele pediu permissão para insistir. E fez de maneira genial. Ele citou 2 discursos de Netanyahu: (11/26)
"Nos meus governos as forças de segurança são escutadas a fundo, mas no fim a responsabilidade - esse foi o termo - é nossa. Em outro discurso: a responsabilidade sobre a segurança recai sobre os ombros do governo." E perguntou: "o que mudou desde então... (12/26)
..., por que o senhor não pode dizer o óbvio como chefe de todo o sistema, que o seu poder também te incumbe de responsabilidade?"
E Netanyahu disse duas frases: "Eu não nego nenhuma palavra que eu disse, tanto naquele momento, como agora." (13/26)
Vocês entendem isso? Ele se recusa a dizer a simples frase: "eu assumo responsabilidade", que já seria muito branda. O ideal seria que ele dissesse "a responsabilidade acima de tudo é minha", seria no mínimo coerente com seus discursos anteriores. (14/26)
Depois foram outras 5 perguntas. Questionaram se a insistência na Reforma Judicial enfraqueceu a segurança do país, se o acordo pela troca de Gilad Shalit em 2011 por 1027 prisioneiros foi um erro, ele se esquivou das duas. (15/26)
Um jornalista lhe fez a seguinte pergunta: "No último mês o senhor recebeu relatórios da Inteligência e do Shin Bet, sobre uma guerra que se aproxima. É verdade que o senhor não deu importância a isso? O que seu governo fez para se preparar para essa situação?" (16/26)
Ele disse que a alegação não é correta. E depois começou a se defender de acusações de que ele fortaleceu o Hamas, dizendo que fez 3 guerras contra eles. E mudou de assunto de novo. (17/26)
Outras perguntas foram sobre o envolvimento do Irã, os objetivos da guerra e a questão dos refugiados. Vou deixar isso passar e me concentrar na última pergunta que eu citei aqui, sobre os relatórios da Inteligência e do Shin Bet. Por que? (18/26)
Porque à 1h da madrugada, Netanyahu publicou um tuíte que dizia:
"Ao contrário da alegação mentirosa:
Em nenhuma ocasião nem momento foi dada uma alerta ao primeiro-ministro sobre uma intenção de guerra por parte do Hamas. Ao contrário. (Segue)" (19/26)
"Todo o sistema de segurança, incluindo os chefes da Inteligência e do Shin Bet, avaliaram que o Hamas estava neutralizado e visando a normalidade. Essa foi a avaliação apresentada ao 1º ministro e ao gabinete de segurança vez após vez pelas forças de segurança... (segue) (20/26)
"e pela inteligência, incluindo o momento antes da guerra."
Lembram que ele disse que sua única prioridade agora era vencer a guerra? Pois bem, parece que não é. Ele, pra se defender, atacou os chefes do Shin Bet e da Inteligência, afetando a confiança da população neles (21/26)
E como explicar que o líder da oposição, Yair Lapid, que recebe relatórios bem menos detalhados, fez esse discurso 17 dias antes do ataque do Hamas?
Como explicar que Netanyahu se recusou a se reunir com o chefe do FDI pra falar sobre a situação? (22/26)
Como explicar que os governos dos EUA e do Egito alegam ter enviado informações a Israel sobre movimentos atípicos e treinamentos para uma grande ação em Gaza?
Ele está claramente mentindo. E, pra piorar, está em plena campanha durante uma guerra sem precedentes. (23/26)
Isso é o que de mais perigoso pode haver: um sujeito preocupado somente com sua sobrevivência, pode tomar atitudes cuja lógica obedeça somente a suas prioridades pessoais. Isso envolve muitas vidas e uma escalada a nível mundial. Netanyahu PRECISA ser derrubado já! (24/26)
Em tempo: Benny Gantz disse que a declaração de Netanyahu prejudica as forças de defesa, e o chamou a voltar atrás no que disse e assumir responsabilidade. Mas (ainda) não ameaçou se demitir. (25/26)
Fim do fio (26/26).
Já ouviu o nosso podcast?
Esse tema não entrou na última edição, pois gravamos na quinta de noite. Mas falamos de muitas outras coisas. open.spotify.com/episode/2G7Z1J…
Atualização: 9h25.
Ele acabou de apagar no tuíte.
Ainda não teve retratação.
Atualização 2: Yair Lapid acabou de retuitar seu pronunciamento de antes de Yom Kipur (publicado com legendas nesse fio) como prova de que Netanyahu tinha acesso às informações sobre uma guerra iminente.
Atualização 11h.
Duas horas após apagar o tuíte, ele faz um novo:
"Errei. As coisas que eu disse como consequência da coletiva de imprensa não deviam ser ditas, e eu me desculpo por isso. Eu dou total respaldo a todos os chefes das forças de segurança. (segue)
"Eu fortaleço o chefe das forças armadas, os comandantes e os soldados das FDI que se encontram na frente de batalha e lutam pelo país. Juntos venceremos."
Ele pediu desculpa por ter escrito, não pelo que escreveu.
Pra bom entendedor, meia palavra basta.
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Netanyahu segue em baixa (e caindo) nas pesquisas.
O site Ynet publicou uma pesquisa de popularidade hoje mesmo.
E a mesma reportagem aponta para uma possível demissão em massa de ministros do governo, podendo resultar em eleições em breve.
Segue o 🧵
Segundo a matéria de Moran Azoulay, 3 ministros estão prestes a pedir demissão, por não concordarem com o fato de que Netanyahu não tenha assumido a responsabilidade pelo massacre de 07/10. Ela não cita nomes, mas diz que um deles é do gabinete de segurança. (1/8)
Ela também diz que estes ministros estão descontentes com as hostilidades que vem sofrendo nas ruas (veja o fio abaixo), e que isso influenciaria na decisão de permanecer no governo ou não. (2/8)
Há 7 anos o então general Yair Golan fez um discurso muito polêmico no Dia do Holocausto, dizendo ver em Israel os mesmos processos pelos quais a Alemanha passou até a chegada do nazismo. Ele apanhou muito por isso da direita israelense. Segue o 🧵
Golan não foi escolhido para ser Chefe das Forças Armadas, e acabou entrando para a reserva e se lançando à política no partido de esquerda Meretz. Foi deputado entre 2020-2022. Neste último ano, não foi eleito. Voltaremos a ele. (2/20)
Evidente que Golan não disse que Israel era a Alemanha nazista. Golan é sionista, como eu. Que acredita que o povo judeu tem direito à autodeterminação nacional, assim como o povo palestino. E que a ocupação é um crime, que também corrompe a sociedade israelense. (3/20)
Todas as declarações diplomáticas que pedem a criação do Estado palestino como solução para o conflito são corretas, mas são tardias. Onde estavam todos esses líderes durante os últimos 15 anos? Agora que a guerra estourou eles aparecem pra dizer isso? (1/7) 🧵
Netanyahu está no poder desde 2009. Desde então ele se recusa a negociar com a Autoridade Palestina, o que fortalece o Hamas, que também não quer negociações com Israel. Bibi constrói assentamentos, intensifica a ocupação e chegou a propor anexar parte da Cisjordânia. (2/7)
Propor um Estado palestino agora no meio da guerra é como querer trocar de técnico no intervalo do jogo com o time tomando 4x0. A derrota já é certa, não vai virar o jogo. Pelo menos não agora. E isso é quase uma final de campeonato. (3/7)
Se alguém acha que Netanyahu está confortável agora, olhem essa pesquisa: 55% da população israelense acha que ele deveria sair do cargo IMEDIATAMENTE. Ele só perde pro ministro da Segurança Pública, Ben Gvir (58%). Segue o 🧵
Isso está longe de ser pouco. Ainda não houve investigação sobre a sua culpabilidade, o país está em guerra e a população tende a deixar a política de lado nessas horas. Mesmo assim, no meio da guerra, o cara que até agora recebia todas as informações secretas,... (1/11)
...que tem mais experiência em tomada de decisões como essa do que todos os outros políticos somados, que conduziu o país por 16 anos, deveria ser afastado IMEDIATAMENTE. (2/11)
Sobre ação e reação, um🧵.
Muita gente está justificando a ação do Hamas e da Jihad Islâmica. Seria justo e natural o que fizeram ontem, pois Israel os submete a um regime de ocupação colonialista, e é responsável por atrocidades muito maiores. (1/18)
Então vamos por partes.
O Hamas e a Jihad Islâmica sequer existiam antes da ocupação israelense, então é um fato que eles são resultado da ocupação. Em outras palavras, a opressão ajudou a fomentar a criação destes grupos. É uma consequência natural. (2/18)
Portanto, Israel tem responsabilidade tanto quanto ao surgimento destes grupos, quanto ao seu fortalecimento. Especialmente os últimos governos, que fizeram de tudo para enfraquecer os grupos mais moderados e seculares, e minou a esperança do povo palestino. (3/18)
O PIOR ATAQUE A ISRAEL 🇮🇱 DESDE 1973.
Israel amanheceu sob um surpreendente ataque do Hamas e da Jihad Islâmica, totalmente não convencional, que expôs fragilidades nas forças de defesa e já causou dezenas (se não centenas de mortes). Segue o 🧵 que eu tento explicar.
Quando os ataques a Israel vêm de Gaza, estamos acostumados com foguetes (especialmente no sul) e algumas raras tentativas de invasão por túneis, na maioria das vezes frustradas. Dessa vez foi tudo diferente. Olha o vídeo. (1/25)
Milhares de terroristas entraram por céu, mar e terra. E não só por meio de túneis. Eles romperam a cerca e entraram com jeeps, caminhonetes e até alguns blindados. Desde 1948, forças inimigas não invadiam o território israelense e conquistavam regiões. (2/25)