Pensar a História Profile picture
Nov 10, 2023 29 tweets 10 min read Read on X
Vocês lembram do caso do professor Adlène Hicheur? Ele é um renomado físico de partículas argelino que atuou como pesquisador no CERN. Em 2013, ele veio pro Brasil e passou a lecionar na UFRJ. Até ter sua carreira destruída por uma matéria da revista Época, da Editora Globo

1/24 Image
Nascido em Sétif, na Argélia, Adlène Hicheur mudou-se ainda jovem para a França. Cursou mestrado em física na Escola Normal Superior de Lyon. Trabalhou no Laboratório de Física de Partículas de Annecy-le-Vieux, colaborando em pesquisas internacionais sobre o Big Bang.

2/24 Image
Fez seu pós-doutorado no Reino Unido, no Laboratório Rutherford Appleton, onde trabalhou no detector de partículas ATLAS. Atuou também como professor da Escola Politécnica de Lausanne e como pesquisador do CERN — a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear.

3/24 Image
Hicheur foi preso na França em outubro de 2009, sob a alegação de que ele teria trocado e-mails com um recrutador da Al-Qaeda. A identidade desse suposto recrutador é desconhecida e sua conexão com a Al-Qaeda nunca foi comprovada.

4/24 Image
O diretor da Polícia Nacional francesa acusou Hicheur de ter a intenção de realizar um ataque contra um batalhão francês que seria enviado para ajudar os Estados Unidos na Guerra do Afeganistão. Os e-mails, entretanto, não fazem qualquer referência a esse suposto plano.

5/24 Image
Hicheur foi indiciado por "formação de quadrilha" junto à Al-Qaeda, mas seu processo não abarcava nenhuma acusação concreta de ato de terror — planejado ou executado. Também não trazia evidências de que o físico tivesse qualquer ligação com grupos terroristas.

6/24 Image
A polícia da Suíça, onde Hicheur vivia e trabalhava até ser preso, não conseguiu encontrar nenhuma evidência contra ele. Nas palavras de Hicheur, "a única justificativa [para a prisão] foram minhas visitas aos chamados websites islâmicos subversivos".

7/24 Image
"As pessoas não entendem o que significa ser muçulmano na França nestes dias. (...) Eu fui apresentado como como um exemplo de terrorista bem-educado, ativo na internet e que se radicalizou. Eles queriam me punir por minhas opiniões políticas", afirmou o cientista.

8/24 Image
A prisão de Hicheur ocorreu em um contexto de histeria e pânico moral de cariz islamofóbico, deliberadamente incentivado para justificar a adesão dos países europeus às intervenções dos Estados Unidos no Oriente Médio, rotuladas como uma "Guerra ao Terror".

9/24 Image
O caso de Hicheur imediatamente atraiu comparações com o de Lotfi Raissi — piloto argelino que foi preso na Inglaterra após os EUA o acusarem de ser um terrorista da Al-Qaeda. A defesa de Raissi conseguiu comprovar que as provas que o incriminaram eram todas forjadas.

10/24 Image
Hicheur foi condenado a cinco anos de prisão. Cientistas do mundo inteiro reagiram organizando comitê e uma campanha internacional para denunciar o julgamento enviesado e pressionar pela libertação do físico argelino.

11/24 Image
Mais de 100 físicos de vários países subscreveram uma carta aberta direcionada ao presidente da França denunciando a injustiça cometida contra Hicheur. O Comitê de Direitos Humanos da Sociedade Francesa de Física também pressionou por sua libertação.

12/24 Image
Entre os signatários da carta estava Jean-Pierre Lees, do Laboratório de Annecy-le-Vieux, que afirmou que os promotores "sabem muito bem que ele não fez nada". Segundo Lee, Hicheur foi usado como exemplo p/ criminalizar e desumanizar os muçulmanos de alto nível educacional

13/24 Image
Hicheur ficou encarcerado por 949 dias na prisão de Fresnes, em Paris, sendo solto em maio de 2012. Após ser libertado, o cientista argelino resolveu deixar a Europa. Mudou-se para o Brasil onde tentou reconstruir sua vida e retomar sua carreira.

14/24 Image
No Brasil, Hicheur conseguiu emprego como professor visitante do Instituto de Física da UFRJ e passou se dedicar à pesquisa científica. "Tudo caminhava muito bem. Era tudo que eu queria na minha vida e no Brasil encontrei espaço para fazer isso".

15/24 Image
A tranquilidade, entretanto, durou pouco. Em janeiro de 2016, Hicheur tornou-se alvo de uma reportagem sensacionalista publicada pela revista Época. A matéria não escondia o proselitismo antipetista, ao ressaltar no subtítulo que Hicheur recebia "bolsa do governo federal".

16/24 Image
Além de fomentar ataques ao governo Dilma e às universidades públicas, a reportagem também serviu para pressionar o congresso e o executivo a instituírem uma lei antiterrorismo — em consonância com a exigência de longa data dos Estados Unidos.

17/24 Image
Diversas organizações passaram a pressionar o governo a tomar providências, incluindo a Confederação Israelita do Brasil (Conib). Hicheur foi afastado das salas de aula pela UFRJ, passou a ser investigado pela Polícia Federal e a sofrer assédio e perseguição da imprensa.

18/24 Image
A comunidade científica saiu em defesa de Hicheur, denunciando a injustiça e o linchamento moral que o argelino estava sofrendo. Ronald Shellard, diretor do CBPF, afirmou que expulsar Hicheur significaria "a derrota definitiva de tudo por que lutamos durante a ditadura".

19/24 Image
Leandro Salazar de Paula também ressaltou o prejuízo para a ciência nacional, definindo Hicheur como "um pesquisador brilhante". "Será uma grande perda para o nosso programa de pesquisa. (...) Somos nove pesquisadores e estamos perdendo o mais atuante”, lamentou.

20/24 Image
Em julho de 2017, já sob o governo de Michel Temer, o então Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ordenou que Hicheur fosse expulso do Brasil. O argelino foi escoltado pela Polícia Federal até o aeroporto internacional do Galeão e forçado a embarcar para a França.

21/24 Image
Ao desembarcar na França, Hicheur foi posto em prisão domiciliar. O cientista contestou a medida. "Não escolhi regressar à França, estou aqui contra a minha vontade". Requisitou então a perda da nacionalidade francesa para poder retornar à Argélia, o que foi aceito.

22/24 Image
No Brasil, as investigações abertas pela Polícia Federal e pela Agência Brasileira de Inteligência não encontraram quaisquer evidências de que Hicheur mantivesse atividades relacionadas ao terrorismo ou contato com grupos fundamentalistas.

23/24 Image
O jornal O Globo admitiu que o resultado da perícia com o material recolhido na casa de Hicheur não apontou nenhum tipo de atividade suspeita.

24/24 Image
Fontes e leituras complementares:

"Caso Adlène Hicheur: Quando um cientista é usado como um peão no jogo do terror". Artigo de Florência Costa e Shobhan Saxena no Opera Mundi:

operamundi.uol.com.br/politica-e-eco…
"Físicos criticam pressão para cientista franco-argelino deixar UFRJ". Artigo do Opera Mundi

operamundi.uol.com.br/politica-e-eco…
"Adlène Hicheur: 'Estou sendo caçado pela mídia por um crime que não cometi'". Artigo de Florência Costa e Shobhan Saxena no Opera Mundi

operamundi.uol.com.br/politica-e-eco…
"Ouvimos o físico nuclear que Época acusa de "terror". Artigo do Outras Palavras

outraspalavras.net/entrevistas/ou…
Esqueci de botar no fio, mas a Nature, a mais importante revista científica do mundo, também criticou a perseguição do governo brasileiro a Hicheur.

brasil247.com/midia/nature-d…
Image

• • •

Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh
 

Keep Current with Pensar a História

Pensar a História Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

PDF

Twitter may remove this content at anytime! Save it as PDF for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video
  1. Follow @ThreadReaderApp to mention us!

  2. From a Twitter thread mention us with a keyword "unroll"
@threadreaderapp unroll

Practice here first or read more on our help page!

More from @historia_pensar

Jan 13
Aconteceu em 13 de janeiro: efemérides do dia

Há 1.493 anos, em 13/01/532, tinha início a Revolta de Nike. O descontentamento com a fome e a miséria transformou uma disputa esportiva em um levante contra o Império Bizantino. A repressão foi brutal, deixando 30 mil mortos.

🧶⬇️Image
Há 897 anos, em 13/01/1128, o Papa Honório II reconhecia a Ordem dos Templários. A ordem militar funcionaria por dois séculos, conduzindo uma série de expedições que visavam conquistar e cristianizar a Palestina.

🧶↕️Image
Há 275 anos, em 13/01/1750, os reis João V de Portugal e Fernando VI de Espanha assinavam o Tratado de Madri, definindo os limites entre as colônias americanas. O brasileiro Alexandre de Gusmão foi redator do tratado, que garantiu boa parte das atuais fronteiras do Brasil.

🧶↕️Image
Read 20 tweets
Dec 20, 2024
Imagens da minha visita ao centro histórico de Salvador, listado como Patrimônio da Humanidade pela Unesco 🧶⬇️

Igreja de São Pedro dos Clérigos, do fim do século XVIII, no Terreiro de Jesus Image
Grafite de Marcos Costa, próximo ao largo "onde Pedro Arcanjo, viveu, escreveu e amou" Image
Chafariz do Terreiro de Jesus. Inaugurado em 1856, o chafariz integrava o sistema de águas do Queimado - o primeiro sistema de água encanada do Brasil Image
Read 23 tweets
Dec 6, 2024
Há 96 anos, cedendo à pressão dos EUA, o exército colombiano abria fogo contra os grevistas da United Fruit, durante o Massacre das Bananeiras — uma das mais sangrentas chacinas de trabalhadores da história. Tratamos desse assunto no @operamundi

1/26

operamundi.uol.com.br/pensar-a-histo…
Entre o fim do século XIX e o início do século XX, a Colômbia se tornou um dos maiores produtores de bananas do mundo. A produção em larga escala, concentrada na região nordeste do país, era monopólio da multinacional estadunidense United Fruit Company (UFC).

2/26 Image
A empresa respondia por 80% do comércio internacional de bananas e detinha mais de 1,3 milhão de hectares de terras, espalhados pela América Central e Caribe. Também controlava parte substancial das redes ferroviárias, dos portos e sistemas de comunicação da região.

3/26 Image
Read 27 tweets
Dec 5, 2024
Há 12 anos, o Brasil se despedia de Oscar Niemeyer. Expoente da arquitetura moderna internacional, ele se destacou por seu estilo original, marcado pela inovação no uso do concreto armado. Ele é o tema do artigo de hoje para o @operamundi

1/25

operamundi.uol.com.br/pensar-a-histo…
Nascido no Rio de Janeiro, Oscar Niemeyer se formou como engenheiro-arquiteto pela ENBA em 1934. Ele trabalhou no escritório de Lúcio Costa, onde integrou a equipe encarregada de desenvolver o projeto de Le Corbusier para o Ministério da Educação e Saúde.

2/25 Image
Assimilou características da estética de Le Corbusier, como a ênfase na funcionalidade, a priorização da planta livre e o uso de pilotis, mas desenvolveu um estilo único, integrado às referências da cultura nacional. Em 1937, projetou a Obra do Berço, seu 1º projeto autoral

3/25 Image
Read 25 tweets
Dec 4, 2024
Há 13 anos, falecia Sócrates, um dos maiores jogadores de futebol dos anos 80. Ele foi ídolo do Corinthians, capitão do Brasil na copa de 82, militante do PT e líder do movimento Democracia Corinthiana. Esse é o tema do artigo de hoje no @operamundi

1/24

operamundi.uol.com.br/pensar-a-histo…
Sócrates nasceu em Belém do Pará, em 19/02/1954, como primogênito dos 6 filhos de seu Raimundo e dona Guiomar. O irmão caçula, Raí, também se destacaria como jogador de futebol, atuando pelo São Paulo, onde ganhou o epíteto de "Terror do Morumbi".

2/24 Image
Sócrates mudou-se para o interior paulista ainda criança, acompanhando a transferência do pai, funcionário público federal. Estudou no Colégio Marista, onde desenvolveu seu interesse por futebol, e tornou-se torcedor apaixonado do Santos, time onde atuava o rei Pelé.

3/24 Image
Read 24 tweets
Dec 3, 2024
A imagem da Coreia do Sul como uma democracia estável, moderna e bem consolidada é uma ilusão criada pela mídia ocidental — uma narrativa forjada para servir como contraponto à Coreia do Norte.

Essa ilusão serve de lastro à propaganda anticomunista ao mesmo tempo em que reforça a doutrinação ideológica exaltando as “democracias” liberais burguesas. A Coreia do Sul seria um baluarte do "progresso", do desenvolvimento", das "liberdades individuais", em contraponto ao "atraso" e ao "totalitarismo" da Coreia do Norte.

Mas a verdade é que nunca houve nada de democrático, estável ou moderno no sistema político da Coreia do Sul. É um país cuja história sempre foi repleta de golpes de Estado, ditaduras brutais, autoritarismo, repressão contra a sua população e uma série interminável de massacres e genocídios.

Nós publicamos uma série de artigos sobre os massacres e atrocidades cometidos pelo governo sul-coreano no @operamundi. Seguem abaixo:

👇
Os Massacres da Liga Bodo: em 1950, a ditadura que governava a Coreia do Sul iniciou o extermínio sistemático de opositores e cidadãos suspeitos de serem simpatizantes do comunismo. 200 mil pessoas foram mortas.

operamundi.uol.com.br/pensar-a-histo…
O Massacre No Gun Ri: durante a Guerra da Coreia, o governo norte-americano, apoiado pelas autoridades da Coreia do Sul, assassinou centenas de refugiados sul-coreanos que buscavam fugir das zonas de conflito.

operamundi.uol.com.br/pensar-a-histo…
Read 7 tweets

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3/month or $30/year) and get exclusive features!

Become Premium

Don't want to be a Premium member but still want to support us?

Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal

Or Donate anonymously using crypto!

Ethereum

0xfe58350B80634f60Fa6Dc149a72b4DFbc17D341E copy

Bitcoin

3ATGMxNzCUFzxpMCHL5sWSt4DVtS8UqXpi copy

Thank you for your support!

Follow Us!

:(