Como a morte de uma jovem, vítima de uma fake news criada por páginas de fofoca, está ligada a uma indústria multimilionária que sustenta alguns dos maiores influenciadores do país.
A thread:
Essa mulher aqui se chama Fátima Pissarra.
Fátima é a CEO da Mynd, a maior agência de marketing de influência do país – que Fátima construiu ao lado da cantora Preta Gil e do publicitário Carlos Scappini.
Não é possível entender a internet brasileira sem conhecer a Mynd.
A Mynd agencia mais de 400 influenciadores.
Estão em seu catálogo nomes como Luísa Sonza, Pabllo Vittar, Cleo, Bela Gil, Pequena Lo, Deolane Bezerra, Esse Menino, Bruna Louise, Lexa, Yuri Marçal, Gil do Vigor…
E publicidade é só uma linha de receita: a Mynd também faz dinheiro através de um braço do grupo chamado House of Brands, focado em promover produtos (como perfumes, cremes hidratantes e maquiagens).
Além das celebridades, a Mynd também promove páginas de fofoca, como: Fuxiquei, Fofoquei, Gina Indelicada, Diferentona, Otariano e Alfinetei.
Elas fazem parte da Banca Digital, projeto da Mynd que reúne mais de 30 perfis de fofoca e centenas de milhões de seguidores.
Entre os agenciados pela Mynd está a página "Garoto do Blog".
Há poucos dias, este perfil publicou um print falso com um diálogo de Whindersson Nunes com uma jovem chamada Jessica Vitória Canedo.
Jessica tinha depressão e se suicidou após o episódio.
O pulo do gato da Mynd é a distribuição do conteúdo produzido por seus influenciadores em forma de pirâmide.
O sucesso do casting permite que a agência promova as mesmas campanhas em diferentes lugares; um processo que retroalimenta a sua relevância, capaz de viralizar marcas, assuntos e influenciadores.
Quando os agenciados da Mynd publicam a mesma ação ao mesmo tempo, passam a impressão de que toda a internet está falando sobre a mesma coisa.
Os seguidores entram com o engajamento; o restante fica com o algoritmo que, inundado de postagens sobre o mesmo assunto, dissemina ainda mais postagens sobre o conteúdo para fora da bolha.
Ou seja: é viral, mas artificial.
Por exemplo: a edição de 2021 da Farofa da Gkay reuniu influenciadores que, juntos, somavam mais de 334 milhões de seguidores. Boa parte deles eram da Mynd, como a própria Gkay.
Esse batalhão de perfis foi capaz de impactar mais de 66 milhões de pessoas com posts sobre a festa.
A edição de 2022 da Farofa – em um resort 5 estrelas, em Fortaleza – foi transmitida pelo Multishow.
O custo do evento passou dos R$ 8 milhões, pagos por anunciantes de peso como Avon, Listerine, XP, Latam e Vivara.
Com a máquina da maior agência de marketing de influência do país à disposição, o barulho é inevitável.
No total, a cobertura de Multishow, Gshow e Globoplay resultou em 1.700 posts sobre a Farofa, que trouxeram mais de 400 milhões de visualizações para as marcas envolvidas.
Por outro lado, os perfis de fofoca da Banca Digital tiveram mais de 300 milhões de impressões na cobertura da Farofa, impulsionando e retroalimentando a importância do evento.
O mesmo processo acontece em festivais de música.
Na última edição do Rock in Rio foram conectados pelo menos 100 agenciados da Mynd, de diferentes nichos e perfis, a 19 grandes marcas – da Coca-Cola ao Itaú.
11 músicos da agência se apresentaram no festival.
É um círculo de impulsionamento.
Em 2021, a Globo contratou o perfil Gina Indelicada, da Banca Digital, pra falar bem da novela “Um Lugar ao Sol”.
Sabe aquele comediante que publicou um tweet com uma piada sobre uma artista, e de repente começou a ser xingado por perfis de fofoca e a perder campanhas publicitárias?
Tem toda uma indústria multimilionária por trás desses ataques.
A Mynd nega que haja coordenação entre as páginas. Mas há controvérsias.
Em 2021, a Aos Fatos analisou os posts de 24 perfis agenciados pela Mynd, no intervalo de uma semana, e constatou que quase a metade desse conteúdo apareceu em mais de um perfil.
Por exemplo: em abril de 2022, a Mynd utilizou seus influenciadores (como Luísa Sonza, Pabllo Vittar e Gil do Vigor) na campanha #EhTudoOnline, estimulando jovens a tirarem o título de eleitor.
Para os críticos, o maior problema da Mynd é a falta de diversidade do seu casting.
A ampla maioria dos seus agenciados possuem posicionamentos políticos muito parecidos e trabalham para impulsionar (e criticar) as mesmas ideias e os mesmos candidatos.
A Mynd, claro, não é a única empresa a atuar nesse setor. E o seu ramo de atividade não é ilegal. Pelo contrário: a agência é muito bem sucedida exatamente por fornecer o que as marcas procuram – relevância nas redes sociais. Por isso mesmo pode se dar ao luxo de faturar centenas de milhões de reais por ano.
Mas esse debate pode ser um pouco mais profundo do que isso.
No apagar das luzes, essa indústria tem à disposição uma máquina invejável de interferência no debate público, capaz de viralizar agendas e personagens, ideias e conceitos, muitas vezes artificialmente, dentro e fora do universo político.
Mais do que isso: esse é um canhão de influência com o poder de impulsionar críticas e elogios; de proteger a imagem de marcas e agenciados, e destruir a reputação de pessoas inocentes.
Agências como a Mynd podem até abrir mão disso, mas esse poder todo está lá, nas mãos de um punhado de publicitários que você nunca ouviu falar.
No fim, mesmo que você não siga nenhum desses perfis, reconhecer o alcance dessas agendas, de forma transparente, pode ajudá-lo a manter uma relação mais saudável com as redes sociais.
Boa parte do que viraliza na internet é gente de mentirinha produzindo polêmica de mentirinha, enquanto sustenta, de mentirinha, a imagens de bom moço pra vender Avon, Boticário, Ambev e C&A.
Mas no meio dessas mentirinhas todas, altamente lucrativas, tem gente literalmente morrendo.
E essa é a grande fofoca que você precisa saber.
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Nesse final de semana haverá eleições na Alemanha.
Eu preparei essa thread sobre a Alternativa para a Alemanha, para que, daqui a um tempo, você não seja pego de surpresa sobre quem manda na AfD:
Em abril de 2024, a justiça da República Tcheca anunciou o congelamento dos bens de dois homens acusados de dirigir uma operação de influência para a Rússia na Europa. Os seus nomes eram Viktor Medvedchuk e Artem Marchevsky.
Se você acha que a Rússia não é uma ameaça à segurança mundial, e que todas as acusações recentes contra Moscou não passam de propaganda, russofobia ou histeria, você definitivamente precisa se informar melhor.
Aqui embaixo, revelo por que você está errado:
Nessa semana, publiquei essa thread, em que conto como a inteligência de diferentes nações europeias detecta a ambição russa de atacar países membros da OTAN nos próximos anos – o que poderia provocar uma guerra aberta na Europa.
Nela, disse que a principal ambição política de Vladimir Putin é a restauração dos territórios perdidos na dissolução da União Soviética. cambridge.org/core/journals/…
Putin lamenta repetidas vezes a derrocada da condição imperial russa, e chama a dissolução da União Soviética de “maior tragédia geopolítica do século”. nbcnews.com/id/wbna7632057
Ele entende que esse foi um processo de “desintegração da Rússia histórica sob o nome de União Soviética”. reuters.com/world/europe/p…
Abandonar a Ucrânia não é uma opção para a Europa. O risco de realizar esse movimento é a história se repetir e outros países europeus serem engolidos pela ambição de um ditador imperialista.
Qual a chance disso acontecer e por que isso é tão importante?
Conto aqui embaixo:
Nesse final de semana, numa entrevista para a Economist, Zelensky acusou Moscou de trabalhar na formação de 10 a 15 divisões militares, com mais de 100 mil soldados, com a intenção de enviá-los à Bielorrússia para atacar um país-membro da OTAN.
Você provavelmente já sabe o que é o TikTok, então não preciso perder muito tempo explicando.
Mas de forma resumida: o TikTok nasceu em 2016, como um app para gravar e compartilhar vídeos com sincronização labial. Nada muito revolucionário, mas sucesso imediato.
O conteúdo evoluiu bastante desde então – das dancinhas às análises políticas.
No passado, ele só existia na versão chinesa, chamada Douyin (抖音). Até hoje o Douyin é o aplicativo disponível na China.
Sim, são dois apps. Douyin e TikTok pertencem à mesma empresa, são praticamente a mesma coisa, mas os seus conteúdos são completamente diferentes.
O TikTok que você conhece é bloqueado na China.
Douyin e TikTok são da chinesa ByteDance.
A ByteDance foi fundada pelo chinês Zhang Yiming. Em 2024, Yiming virou o homem mais rico da China. bbc.com/news/articles/…