Por incrível que pareça, a resposta é importante pra até quem odeia futebol.
Por ainda mais incrível que pareça, a história por trás da resposta é pouco conhecida e muito importante, inédita e tá na cara de todo mundo.
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A resposta padrão é:
"O Bahia está gastando muito porque foi comprado por um xeique árabe que torra dinheiro com futebol."
Ou coisa parecida. A ideia central é que eles seguem uma lógica esportiva, e não econômica.
Pois esses árabes aí são muita coisa, mas não são otários.
Primeiro: esse xeique aí é bem menos árabe do que parece. Ele está se integrando à comunidade brasileira e, apesar de ninguém falar nisso, já é o maior empresário da Bahia.
O principal ativo dele não é o Bahia, é politicamente sensível, muito sensível, e era do governo federal.
Em 1950, a Refinaria de Mataripe foi o primeiro grande fruto da campanha "O Petróleo é Nosso" e deu origem à Petrobras, criada em 1952. Ou seja, foi uma das obras mais importantes da história do Brasil.
E pouquíssimos negócios são mais politicamente sensíveis que uma refinaria.
A Petrobras foi criada como um grande monopólio. Mais que uma empresa, era quase todo o setor de óleo e gás no Brasil.
Os monopólios foram quebrados gradualmente. Até outro dia, restava o do refino. Isso permitia que o governo baixasse os preços pra agradar os eleitores.
Em novembro de 2021, a Refinaria de Mataripe foi vendida para o Mubadala, o fundo soberano (estatal) de Abu Dhabi.
Logo depois, em dezembro, o Mubadala criou a empresa Acelen para gerir a refinaria, que fica na região metropolitana de Salvador, e outros ativos ligados a ela.
Um dos primeiros atos da Acelen foi patrocinar a dupla Ba-Vi. As negociações terminaram rápido, no início de 2022.
Por que uma refinaria patrocina clubes de futebol? Eles não vendem para o público geral. Será que tem a ver com o risco político do negócio? É marketing ou lobby?
Logo após a criação da Acelen, também no início de 2022, o City Football Group começou a negociar a compra da SAF do Bahia.
O Grupo City é controlado diretamente pela família real de Abu Dhabi, que também controla o Mubadala. O executivo-chefe dos dois grupos é a mesma pessoa.
Lembra da foto que abre esse fio?
Foi tirada em abril de 2023, quando a Acelen anunciou um investimento de R$ 12 bilhões na área de biocombustíveis, além de estreitar a parceria com a Petrobras.
O anúncio ocorreu um mês depois do Grupo City fechar a compra do Bahia.
Essa outra foto apareceu na imprensa pouco depois, em junho de 2023. O rapaz de terno prometeu investimentos pesados no Bahia para formar "uma das melhores equipes no Brasil".
Ele é CEO do Mubadala e o cara de pé na foto anterior. Espertíssimo, ele adequa o traje à ocasião
Apesar de torcer pro Vitória, Jerônimo levou uma camisa do Bahia a Abu Dhabi em abril de 2023.
Quem segura a camisa é o emir de Abu Dhabi e presidente dos Emirados Árabes Unidos. Ao lado está Sheik Mansour, irmão dele que lidera o grupo de futebol.
O Mubadala gastou quase U$ 2 bilhões pra comprar a refinaria. Depois, anunciou R$ 13 bilhões em investimentos.
Em maio de 2023, o Mubadala/Acelen tentou comprar o controle da Braskem por R$ 36 bilhões.
O valor que eles querem investir no Bahia é troco de pinga perto disso.
Essa história é pouco conhecida porque o futebol costuma ser tratado como um assunto menor, à parte da sociedade.
Nada a ver, como sabiam Abramovich e Castor de Andrade. Um clube de futebol gera pouco dinheiro em comparação com uma refinaria, mas o negócio vai além do dinheiro.
Quem controla o Bahia tem uma influência imensa na Bahia, ainda mais em caso de sucesso. Se a Acelen é a empresa que mais gera receita na região de Salvador, o Bahia é a mais amada.
Eis uma combinação ótima para quem precisa atenuar o risco político do próprio negócio.
Ou seja, os investimentos no Bahia seguem uma lógica econômica bem calculista, ao contrário do que se pensa.
Um prejuízo do Bahia pode ser lucrativo para os donos do Bahia, graças à Acelen, uma empresa politicamente exposta e capaz de gerar muito mais dinheiro.
É a lógica esportiva que se submete à lógica financeira, e não o contrário, como muitos supõem. Ninguém tá torrando dinheiro pra ver bola na rede.
Eles torram dinheiro pras comunidades baiana e brasileira verem bola na rede, abrindo espaço para que a Acelen lucre tranquila.
O PT tem sido cada vez mais dócil ao lidar com a Acelen, antes demonizada por petistas e pela FUP, que é um dos maiores sindicatos ligados ao partido.
Claro, não é só por causa do Bahia. Envolve parcerias com a Petrobras etc. O Bahia é apenas uma peça central nessa estratégia.
Importante destacar: não relatei qualquer crime neste fio. É tudo legal.
A família real de Abu Dhabi até faz muitas coisas que são crimes por aqui, mas eles fazem lá no Emirado do Emir, que obviamente não é tratado como criminoso.
Esperteza não é crime.
Vale a pena observar a repercussão geral desse caso:
Existe uma revolução em curso no futebol brasileiro e ela afeta toda a sociedade, mesmo quem odeia futebol.
A estrutura de capital do futebol está mudando radicalmente, rapidamente, e não segue mais a lógica tradicional.
Cada vez mais, o futebol será um instrumento para que pessoas e empresas se integrem à elite da elite da elite da sociedade brasileira, satisfazendo os próprios interesses em áreas que aparentemente nada tem a ver com o futebol.
Castor de Andrade manda um forte abraço.
Partes dessa história já foram publicadas, mas considero inédita porque não encontrei um texto que aprofunde e conecte as partes, contando a história completa.
Se vc gostou do fio, pfvr dê RT, like etc.
Se quiser repercutir as informações noutra mídia, pfvr dê os créditos.
PS - Um adendo que explica por que classifiquei os donos da Acelen como maiores empresários da Bahia:
A Braskem costuma ser ranqueada como maior empresa da Bahia. É uma empresa gerida e controlada por baianos, com origem na Bahia, mas a sede hoje fica em São Paulo e a operação é espalhada, com uma pequena parte na Bahia.
A Acelen costuma aparecer em 2º, mas é uma empresa com operação e sede na Bahia. Além disso, a Acelen é quase toda do Mubadala, enquanto o capital da Braskem é bem mais dividido.
Por isso, considero os donos da Acelen como maiores empresários da Bahia. Se você acha que foi exagero, tudo bem, pois nada muda no argumento geral.
Dá pra escrever mais sobre o assunto, mas tentei economizar no tamanho do fio.
Pra quem quiser se aprofundar nessa história, vou escrever algumas dessas informações aos poucos, começando pelo mais importante:
1) O Mubadala fez outros investimentos no futebol brasileiro e no próprio Bahia. Compraram 20% dos direitos de transmissão de vários clubes do Brasileirão, inclusive o Bahia.
2) Isso abre espaço para novas reportagens focando especificamente nos conflito de interesses. Exemplos: o dono do Bahia é sócio de vários outros clubes por meio de outra empresa. Duas empresas com o mesmo dono (Mubadala e Bahia SAF) negociaram um contrato - no mínimo, isso precisa ser fiscalizado pelos acionistas minoritários (EC Bahia) para evitar abusos.
3) Também seria interessante se alguém perguntasse mais sobre a refinaria na próxima entrevista com Bellintani, ex-presidente do EC Bahia que negociou a venda. Idem pra todas as entrevistas com pessoas ligadas ao Bahia.
4) O Mubadala tem outros investimentos no Brasil e na Bahia, mas deixei fora do fio porque não são politicamente sensíveis. Muitos desses investimentos sequer tem a ver com futebol, além de serem incomparavelmente menores do que a refinaria. Exemplo: depois da refinaria e do Bahia, o Mubadala comprou algumas faculdades de medicina em Salvador. É interessante para dar contexto e mostrar que eles realmente estão se integrando à comunidade.
5) @Felippe_Hermes comentou uma curiosidade: foi Eike Batista quem trouxe o Mubadala pro Brasil. Não conheço esse sub-enredo, mas Hermes traz alguns detalhes interessantes num comentário abaixo.
Complemento crucial de @Cleiton_CSJ, professor de economia da UEFS e torcedor da Bahia
O fio a seguir vai me prejudicar. Vou perder oportunidades e atrair inimizades. Espero que o público valorize, pois as informações atendem ao interesse público.
O Twitter, tão criticado por jornalistas profissionais, é o único veículo de mídia onde alguém pode publicar isso.
Ainda vou escrever mais sobre o assunto porque os detalhes são assustadores, mas faço questão de publicar esse textão logo. Agradeço a quem der crédito ao citar informações daqui.
Vamos lá:
É possível cravar, com alto grau de certeza: as maiores empresas jornalísticas do Brasil eram beneficiadas pela desoneração da folha de pagamentos, mas não informaram isso ao público ao cobrir o assunto.
Os detalhes que permitem cravar isso estão registrados a seguir.
Agora entendi por que a Globo só escuta partes interessadas e ignora pesquisadores. Segundo essa profissional da palavra, as centrais sindicais MOSTRAM a Verdade. Quem tem acesso a profetas não precisa de ciência. Melhor aceitar isso aí acriticamente para não atacar a imprensa.
Já que a gente precisa desonerar a folha de pagamentos dos setores que mais empregam, que tal desonerar o consumo das famílias que mais consomem?
Não sei se é uma boa ideia. Vou esperar os jornalistas profissionais perguntarem a opinião da associação de moradores do Leblon.
Obviamente, a crítica vale pra cobertura da Globo sobre esse tema em específico. Noutros assuntos (vacina etc), escutam pesquisadores. Lamento que a economia seja tratada com esse desleixo.
Na noite do dia 11, a Receita enviou nota à imprensa confirmando o que o secretário disse na entrevista do dia 9. A íntegra está disponível no link abaixo: