Anteontem aconteceu em Jerusalém a convenção "Voltamos à Faixa de Gaza". Com presença de 15 ministros (!) e outros deputados, o evento clamou pela recolonização israelense em Gaza, e pela expulsão da população local. Vai ficar difícil se defender em Haia. Segue o 🧵.
As estrelas do evento foram o ministro da Segurança Pública, Itamar Ben-Gvir, e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, líderes de seus partidos. Mas também estiveram presentes ministros do Likud e até do Judaísmo da Tora (chegaremos lá). (1/19)
Ben-Gvir deu seu tradicional show de horrores. Pediu pena de morte para os terroristas (um a um), a reconstrução dos assentamentos judaicos na Faixa de Gaza, e o incentivo à "imigração voluntária" dos palestinos da Faixa de Gaza. Deixou a platéia em êxtase. (2/19)
Smotrich disse que o soldado que foi expulso de Gaza quando criança em 2005, deve ter a oportunidade de construir sua casa lá. A Desconexão de Gaza foi um acontecimento muito traumático para os eleitores da extrema-direita religiosa (veja abaixo): (3/19)
Shlomo Kery (Likud), ministro das Comunicações, disse que "o transfer (expulsão) é o único caminho real de cobrar um preço alto aos nazistas do Hamas e trazer segurança, a imigração voluntária." E completou: (4/19)
"Mesmo que a guerra transforme a imigração voluntária em uma situação na qual eles sejam obrigados a dizer 'eu quero'". Houve outros discursos do gênero. Na faixa abaixo, um manifestante segura um cartaz: "só o transfer trará a paz". (5/19)
Foram mostrados vídeos de soldados em Gaza, pedindo a reconstrução das colônias (o chefe das FFAA vem tentando combater a politização dos soldados). Outros gritavam que não havia inocentes em Gaza. O show de horrores não parava. (6/19)
A representante do grupo extremista de colonos Nachalá, Daniela Weiss, disse: "Há duas opções: ou Gaza será judaica e florecerá, ou será árabe e assassina." E emendou: "Milhões de refugiados de guerra vão de um país para o outro em todo o mundo,..." (7/19)
"...só esses monstros que precisam estar conectados com a sua terra? Justamente eles têm que ficar nessa faixa de terra que transformaram num inferno? O 07/10 mudou a história, Gaza e o resto do sul serão abertos para o bem-estar da população,..." (8/19)
"...os habitantes de Gaza irão para o mundo inteiro, e o povo de Israel se assentará em Gaza."
Bizarro, né?
Enquanto isso, um mapa com os assentamentos hipotéticos era apresentado, e dezenas de famílias se inscreveram para habitá-los (inclusive dentro da Cidade de Gaza). (9/19)
A surpresa foi a presença do ministro da Construção, Yitzhak Goldknopf. Os ultraortodoxos geralmente não se envolvem em questões relacionadas ao conflito, uma vez que a maioria de seus grupos não são sionistas. Goldknopf, líder do partido Judaísmo da Tora, foi ao evento. (10/19)
E, como se não fosse suficiente, discursou. Se referiu aos palestinos como inimigos, e disse: "Cabe ao governo israelense corrigir a terrível injustiça e regressar a Gush Katif e à Faixa de Gaza, que foram o local de uma colônia judaica na época bíblica." (11/19)
Ele também se colocou à disposição, como ministro da Construção, a tocar adiante o plano. Isso é um péssimo sinal, de que ao menos parte da população ultraortodoxa está se envolvendo no tema da pior maneira possível. (12/19)
Sabemos que a maioria da população israelense é contrária à recolonização de Gaza. A pesquisa da Iniciativa de Genebra mostra que a população não é favorável nem à presença do exército na região por muito tempo, quanto mais de colonos. (13/19)
Mas a vontade da população não é relevante quando o governo está repleto de extremistas com tendências psicopatas. Netanyahu não deu uma palavra sobre o evento ou sobre o que disseram seus ministros. Está a 48 horas em silêncio. A oposição, Gantz e Eizenkott protestaram. (14/19)
O mais assustador é ver esse tipo de declaração poucos dias depois do CIJ cobrar que a incitação ao genocídio seja coibida em Israel. Vejam um dos pontos que caracterizam genocídio segundo a Convenção para a Prevenção de Genocídio, do qual Israel é signatária: (15/19)
"Submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial"
Agora voltem e vejam o que disse Shlomo Kery. Ele está propondo algo muito semelhante, não? (16/19)
O Estatuto de Roma também considera um crime contra a humanidade a "Deportação ou transferência forçada de uma população".
E as resoluções 446 (1979) e 2334 (2016) do Conselho de Segurança da ONU consideram ilegal a construção de assentamentos nos territórios ocupados. (17/19)
"Ah, mas isso não tem nada a ver, porque não vai acontecer, os EUA não permitiriam, etc..." Os caras estão falando claramente que vão fazer, armaram um puta lobby, arrecadaram milhões. Vocês vão pagar pra ver? Com esse governo, refém de cada um dos deputados da coalizão? (18/19)
A história nos ensina que os sinais devem ser levados a sério. A população razoável tem que se manifestar. Caso contrário, corre o risco de ser cúmplice.
Fim do fio. (19/19)
Falaremos disso no nosso próximo podcast. Já escutou o último? open.spotify.com/episode/7IA72C…
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Sobre os mísseis do Irã e a defesa israelense. Um 🧵.
(Spoiler: o Domo de Ferro tem um papel secundário).
Tenho visto muita gente questionando a defesa israelense, muitas vezes sem base. Preparei aqui um material, a minha principal fonte é a entrevista do coronel da reserva Ran Kochav ao podcast do Haaretz. Vamos por partes. (1/15)
Se calcula que o Irã tivesse no dia 12/06 entre 2 e 3 mil mísseis e 300 lançadores, que podem ser mais caros que os próprios mísseis e cuja fabricação é mais complexa. Israel diz ter destruído cerca de 2/3 dos lançadores. (2/15)
Muita gente tem perguntado sobre a popularidade do Netanyahu após a ofensiva contra o Irã, e finalmente ontem saiu a primeira pesquisa, do Canal 13. Chega aí nesse 🧶 que eu conto. 13tv.co.il/item/news/poli…
Comecemos pelo final:
Nota do primeiro-ministro Netanyahu na gestão da guerra
7,65
Nota do chefe das FFAA Eyal Zamir na gestão da guerra
8,31
Nota do governo na defesa civil frente aos ataques do Irã
6,41
(1/12)
Vemos aí que a nota de Netanyahu na gestão da guerra até o dia de ontem era positiva, só abaixo da de Eyal Zamir, chefe do FDI. A única nota mais baixa é a da defesa civil, a população não parece estar tão satisfeita com o efeito dos ataques do Irã. (2/12)
Vamos fazer um exercício de prever o futuro da guerra entre 🇮🇱 e 🇮🇷. Como ela poderia acabar?
Vejamos aqui os cenários e vocês vão entender porque eu não estou otimista. Segue o 🧵
Comecemos pelo Irã. O principal cenário de fim da guerra que seja positivo para o Irã, é derrotar Israel. O que isso significa? Vamos às opções.
1. Destruir o reator nuclear israelense e as capacidades militares do país, impondo uma humilhação. (1/16)
Este cenário é possível, embora não parece ser provável frente à aparente superioridade militar de Israel e o apoio dos EUA. Mas, suponhamos que o Irã seja capaz: Israel se renderia? É muito pouco crível. A maior possibilidade seria de um confronto estendido por meses. (2/16)
CESSAR-FOGO EM BREVE?
O Hamas anunciou agora que libertará o refém Idan Alexander, que tem cidadania estadunidense. Não foi assim do nada, o jogo de cartas está se reconfigurando, e pode ser que o cessar-fogo esteja próximo. Segue o 🧵
Quem nos acompanha no podcast (link abaixo) sabe que nós sempre dizemos a mesma coisa: Netanyahu e o Hamas têm objetivos conflitantes (ambos lutam por sobrevivência), e a única forma de haver um cessar-fogo no momento é por exigência dos EUA. (1/12) open.spotify.com/episode/2HsLEQ…
E há dois meses, já percebendo que o cessar-fogo não ia ser consolidado, o governo Trump iniciou conversas diretas com o Hamas para libertar os reféns de cidadania norte-americana. O governo israelense não gostou, mas sabem que não podem mexer com o Trump. (2/12)
Vasco, Bahia, Botafogo, Corinthians, Sport e Inter da Séries A. Além de Remo, Náutico e Souza. 9 times em todo o Brasil, 6 entre 20 da Série A.
Foram esses os que fizeram alguma manifestação sobre os 51 anos do golpe de 1964. Faço aqui um 🧵 com uma reflexão (cada post, uma foto)
1. Memória nacional.
Os clubes de futebol têm a obrigação de preservar a memória da ditadura? Como clubes, não. Como sociedade civil, todos têm. No Brasil, isso jamais foi bem trabalhado. Teve a famigerada Lei da Anistia, não há grandes eventos públicos. (1/17)
O governo evita tocar nesse ponto com medo dos militares. A educação pública não dá uma direção. Não fossem por algumas manifestações culturais e intelectuais, o tema seria ainda menos lembrado. Há até uma dúvida sobre a data do golpe. E, para piorar, o governo anterior... (2/17)
Netanyahu decidiu demitir Ronen Bar, o comandante-chefe do Shin Bet (ou Shabak - sigla de Serviço de Segurança Geral). Isso é nada menos que o passo mais significativo para a instauração de um regime de exceção em 🇮🇱.
Segue o 🧵 que eu explico e dou o contexto.
O Shin Bet é uma agência que atua em Israel e nos territórios ocupados, cuja função é combater crimes contra a nação. Tem prerrogativas legais que a Polícia não tem, além de um complexo e desenvolvido sistema de espionagem. E está alocado no gabinete do primeiro-ministro. (1/24)
O comandante do Shin Bet é nomeado pelo primeiro-ministro, mas não se trata de um cargo de confiança. É como o chefe do Estado Maior das forças armadas, trata-se de um cargo do Estado (não do governo), que passa por um escrutínio antes da nomeação. (2/24)