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Você sabia que esse emaranhado de cabos nos postes de nossas capitais não são de energia elétrica e sim de telecomunicações? Esse é um efeito colateral de um trunfo brasileiro: ser o país da internet. Temos mais de 20 mil empresas na cadeia produtiva do acesso à internet, o que coloca nosso acesso à rede em qualidade superior a da Alemanha, Finlândia, Reino Unido, mas nossas cidades são muito menos urbanizadas do que as desses países. Essa foto sintetiza o choque dessas duas realidades. O que pode ser feito para resolver o problema? Siga o fio.🧶Image
Os cabos elétricos costumam ser acinzentados e ocupam o topo dos postes. São nitidamente mais organizados. A 1,5 metro para baixo, os cabos de cor preta com esse aspecto emaranhado são as fibras óticas, atendendo a internet fixa, a internet móvel (levando o sinal até as torres) e as bases terrestres da Starlink (que sim, dependem também de fibra ótica).

Embora a internet comercial tenha chegado no Brasil em 1995, as privatizações do governo FHC do setor elétrico em 1998 não anteciparam essa realidade de múltiplos usuários de um poste. Hoje não só as empresas de telecomunicações como as prefeituras e a segurança pública também são usuárias dos postes e nossos gestores públicos concederam o controle deles a um único setor: as distribuidoras elétricas.

Para que outras empresas pudessem pendurar qualquer coisa nos postes, a distribuidora privada (como a ENEL) precisa aprovar o projeto técnico. Como essa não é uma atividade lucrativa para a distribuidora, tratam os pedidos de autorização do setor de telecomunicações com desdém. Já cheguei a esperar anos por algumas aprovações e outras nunca sequer foram respondidas.

Como resultado, por uma questão de sobrevivência e poder entregar um serviço tão essencial quanto a eletricidade - as telecomunicações - as operadoras começaram a instalar fibras nos postes primeiro enquanto esperam pela autorização das empresas como a ENEL. O uso não é gratuito: cada operadora paga mensalidade por cada poste, chegando a alguns casos a R$21 por poste por mês. Esse é um dos motivos de um provedor chegar até o quarteirão vizinho e no seu não.
Vejam como esse problema se retroalimenta: notando que haviam projetos instalados nos postes antes de aprovados, algumas distribuidoras começaram a caçar justamente quem tentava se legalizar.

Usavam o pedido de aprovação para saber o trajeto da fibra ótica e cortar os cabos em todos os postes. Fibra ótica não pode ser reaproveitada. Essas ações resultaram em milhões de investimento jogados fora e cidades inteiras ficaram com oferta reduzida ou nenhuma oferta de banda larga fixa.

telesintese.com.br/coelba-corta-2…Image
Isso acabou empurrando muitos projetos de telecomunicações a sequer tentarem se legalizar. Nem pagando milhões a ENEL, a Neoenergia, CPFL etc. respondiam a contento os pedidos de projeto de instalação de fibra em poste.

O resultado é esse ninho de fios pretos por nossas cidades. Esses projetos precisam ser meticulosos pois cada cabo pendurado no poste gera tração, aumentando a tendência de tombamento de postes.

Um engenheiro conhecendo todos os cabos a serem pendurados poderia calcular um diagrama para que os vetores se anulassem. Como os projetos sequer são conhecidos - é subir no poste e pendurar o cabo lá - os postes estão de pé por teimosia, porque a tendência de todos eles sem projeto é tombarem, mesmo que numa velocidade tectônica. É por isso que não temos uma internet e uma rede elétrica à prova de chuva.Image
Cheguei ao ponto de ver o que apelidei de "teleninjas", técnicos de telecomunicações, eletricistas, pedreiros que não usavam uniforme, andavam em carros descaracterizados, diziam andar sem RG e faziam obras pela cidade instalando fibra ótica.

Eles atuavam em casos onde nem a distribuidora elétrica não respondia (ou não aprovava) o projeto ou ainda quando era rede subterrânea, a prefeitura não autorizava quebrar a calçada para instalarem os dutos. Já tive dutos sob minha responsabilidade e totalmente legalizados atendendo a B3 (Bolsa de Valores) rompidos por teleninjas de madrugada.

Já deixei de atender muitas empresas no centro da cidade porque apesar de ter orçamento para as obras, a prefeitura não autorizava. Chegamos a ter o absurdo de prédios na Av. Paulista ou Faria Lima com uma única operadora como fornecedora que apesar do interesse de novas empresas, elas não conseguem autorização para instalar dutos neste nobre endereço.

Nesses casos, algumas operadoras não deixaram a oportunidade passar e apelaram para teleninjas.Image
E por que não enterramos os cabos? Bem, um quilômetro de cabos em rede aérea (ou seja, nos postes) sai por R$62 mil.Já o mesmo quilômetro em dutos subterrâneos sai por R$436 mil (VELASCO, G.D.N. et al). Para enterrar todos os cabos da capital paulista, estima-se um custo de R$150 bilhões e uma obra que duraria 20 anos. Não é de surpreender que apenas 1% da rede em São Paulo seja subterrânea.

Um custo de R$ 13 mil por habitante. Quem pagará a conta? O paulistano, seja como contribuinte, seja como consumidor. É esse tipo de preço que se paga por escolher vereador por santinho jogado no chão e prefeito por meme. O eleitor deixou esse problema crescer.

metropoles.com/sao-paulo/meno…
Há algumas empresas que fizeram esse investimento por conta própria, sobretudo as que atendem outras empresas em serviços críticos (como bancos). Trabalhei em uma e participei de reuniões na prefeitura de São Paulo sobre a reurbanização da Av. Santo Amaro, onde os postes seriam suprimidos. Na sala, representantes de todas as operadoras que você imagina e que nem conhece.

A proposta da prefeitura era simples: eles arrancariam todos os postes, quebrariam todas as calçadas e abririam uma vala onde a SABESP reorganizaria seus canos. Essa etapa seria feita com o orçamento público como "gentileza". Seria o setor das telecomunicações que teria que por suas fibras subterrâneas e com dinheiro privado fechar as valas, fazer as calçadas e seguir o projeto arquitetônico da cidade.

youtube.com/watch?v=zmDTlo…
Justamente nessa avenida a operadora para qual eu trabalhava tinha rede 100% subterrânea. Perguntei ao secretário se era justo quem já havia colaborado com a cidade ter sua rede já existente destruída e ter que entrar no consórcio para reconstruir aquilo que já foi construído. A resposta do secretário foi algo com esse mesmo teor, mas não nessas mesmas palavras:

- “Muito me admira a choradeira de vocês. Vocês vem aqui sugar riqueza de São Paulo e levam para as cidades de vocês. Na hora de devolver uma benfeitoria na cidade, vocês não querem.”

Eu respondi: - “Senhor secretário, minha sede é aqui na capital, somos contribuintes de vossa prefeitura e empregamos mão-de-obra paulistana. É certo sermos punidos por já termos feito rede subterrânea?”

Ele deu com os ombros e mudou de assunto. Temo que cada um que estava ali voltou para o escritório com o recado de que não vale a pena investir em rede subterrânea em avenidas da cidade pois há o risco da prefeitura no futuro obrigar a jogar fora e refazer tudo de novo. Mais uma vez, o poder público agindo na contramão do interesse do munícipe.
Precisamos cobrar do setor público e do privado por um modelo de gestão e controle dos postes a uma organização multissetorial, que atenda não apenas os interesses das distribuidoras elétricas, mas também as telecomunicações (principal usuário), prefeituras (iluminação e sinalização) e segurança pública (câmeras). Essa é uma ótima cobrança para fazer ao seu vereador recém-eleito e ao seu candidato a prefeito nesse segundo turno.

Não se trata de um problema paulistano. Todas as cidades brasileiras precisam criar e adotar soluções para esse desafio.

Gostou desse panorama? É sobre os bastidores da internet que falo nas minhas redes sociais. Me siga aqui para conhecer cada vez mais sobre a maior obra da humanidade: a internet.
Agradecimentos: Velasco et al em "Análise Comparativa Dos Custos De Diferentes Redes De Distribuição De Energia Elétrica No Contexto Da Arborização Urbana", que você pode ler na íntegra em

Foto da fiação no poste: @sunflowiped (obrigado por ela).scielo.br/j/rarv/a/zvFw3…
Relendo, vi que omiti um detalhe importante: parte do ranço do secretário de obras é que a maioria das empresas que estavam lá na reunião queixando do projeto da Av. Santo Amaro tem sede fora da capital. Por exemplo, TIM e Oi ficam no Rio, Algar em Uberaba, Cirion em Cotia, Ufinet em Barueri etc.

O discurso dele era de que éramos inimigos da cidade. Que vínhamos de outras cidades só sugar riqueza da capital paulista e dar retorno nenhum. Eu que estava representando uma rede 100% paulistana também se ferrou até mais do que as demais, porque teve que jogar fora toda a rede subterrânea e fazer de novo.

O justo era que quem já fez rede subterrânea ficasse isento do rateio de despesas de quem ainda tinha rede aérea.
A propósito, nossos vizinhos argentinos já conseguiram na capital superar esse problema dos postes, como demonstro nesse vídeo:

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May 3
Dos 497 municípios do RS, 147 possuem alguma operadora de telecomunicações com degradação de serviço e em 8 há apagão total. Como as intensas chuvas tem afetado às telecomunicações? Venha neste fio que te explico. 🧶Image
As pessoas se esquecem que quase integralmente os serviços de telecomunicações de dados, internet e voz se dá por cabos, não por antenas ou satélites. Nas bases das torres de celular usualmente há um cabo de fibra ótica que a interconecta ao mundo. Até mesmo os satélites da Starlink dependem de bases terrestres em solo brasileiro que convertem o sinal do satélite para a fibra ótica, o que explico nesse corte.
Esses cabos de fibra ótica tem sido rompidos pela enxurrada que derruba os postes por onde passam. Mesmo nas fibras subterrâneas, quando uma ponte desaba e embaixo dela há dutos desses cabos, eles também são rompidos. Quando o asfalto se desfaz, a calçada desmancha, os dutos subterrâneos de telecomunicações que abrigam as fibras também são rompidos. E rompido, o sinal deixa de passar pelo cabo.

Mas não tem redundância? Tem sim. Mas a extensão dos danos é tão grande que as rotas principais e as sobressalentes de redundância estão sendo rompidas ao longo do tempo sem que tenhamos a oportunidade de repará-los.

Imaginemos que uma dada operadora de telecomunicações interliga o RS à SC através de três estradas, passando por três municípios diferentes (a, b e c). Se duas destas três forem rompidas, é esperada lentidão devido à sobrecarga em horário de pico na rota que sobrou. Se as três forem rompidas, a região ficará isolada da internet e da telefonia, como está acontecendo com os 8 municípios do RS apurados pelo @telesintese.Image
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Apr 11
Nesse atrito entre o Twitter e autoridades brasileiras, muita gente pouco informada está relacionando a internet aos satélites. Não, a internet não depende de satélites. E quem usa Starlink não está livre dos bloqueios judiciais. Venha nesse fio que te explico🧶:Image
Se você quiser da sua casa no Brasil fizer uma videoconferência com alguém no Japão, por qual caminho seu vídeo e áudio percorrerá até lá? Te explico nesse corte:
Em absolutamente nenhum momento esse trajeto passa por satélite. Esses cabos pertencem a dezenas de empresas privadas (e raras estatais tendo sócios privados no cabo) e aqueles que cruzam de um país para outro custam em média a partir de U$ 1 bilhão. Se você quiser ver o mapa interativo desses cabos, eis o link: submarinecablemap.com
Read 15 tweets
Mar 7
Internet rápida em motéis é uma exigência atual da clientela. O que casais fazem com esse serviço, eu não sei. Mas eu na recepção pergunto se tem WiFi e tomada perto da mesa e não sou respondido com estranheza. Por quê? Quando falta energia elétrica em casa faço motel office e pareço não ser o único pela naturalidade que me respondem.

Mesa, cadeira, internet, banheiro privativo, frigobar, ar condicionado, TV com Globo News, almoço ou café da manhã inclusos, cama para siesta e até pole dance. Mais coisas do que num coworking. O que eu quereria mais?Image
Uma das poucas vezes que tive que dar carteirada foi justamente num motel em que fui fazer motel office e para meu desespero a internet estava fora. Eu teria que devolver o quarto e procurar outro local.

Fiz meu diagnóstico do problema e descobri que o DHCP não me dava um endereço IP. Catapimba! Na véspera fora dia dos namorados. Eu sabia que o roteador daquela marca e modelo por padrão só liberada 254 IPs por 24h de lease time (de 192.168.0.2 até .254).

Como muita gente conectou na véspera, esgotou-se a lista de novos IPs possíveis e novas conexões não seriam aceitas. A solução para zerar a tabela de IPs era reiniciar o roteador.

Liguei para a recepção e pedi pelo reboot, mas a recepcionista estava muito temerosa. Expliquei a filosofia de Tiririca (pior que está, não fica: já não funcionava) e ela ainda temia ser advertida pelo gerente que não se encontrava no local.

Expliquei com o que trabalho, sugeri ela pesquisar meu nome do CNH no Google para puxar minha capivara. Não sei se ela o fez, mas ganhou confiança: foi nos corredores internos e fez o dedoff-dedon que pedi.

Chazan! Internet funcionando e fui agraciado com 192.168.0.2, o primeiríssimo IP da lista de endereços (pool) recém-zerada pela nossa empreitada e voltei a trabalhar sob a luz negra e a cama redonda.
Para quem não reconheceu o logotipo no canto inferior esquerdo, é da Starlink. O motel está se orgulhando de por internet satelital à disposição dos clientes para... "verem estrelas".
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Nov 7, 2023
Paulistanos estão furiosos com a cia. elétrica pelo apagão que perdurou mais de 72h após temporal, o que acenteu debates sobre privatização, indenizações e troca de postes por dutos subterrâneos. E se o apagão fosse de internet em vez de luz? Siga o fio que te explico:🧵
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Não sou operador do direito, mas entendo que no caso da internet, NÃO haveria desconto em fatura e nem indenização por prejuízos causados pelo apagão. Nos contratos de banda larga fixa, você encontrará cláusulas em que o fornecedor se isenta destas duas responsabilidades.
Apresento aqui alguns trechos dos contratos da Claro Residencial Fixo e Live TIM que versam sobre esse assunto:

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Oct 3, 2023
Estou no LACNIC 40 em Fortaleza assistindo o painel de Cabos Submarinos e trarei alguns destaques a vocês ao longo dessa semana. Siga o fio. 🧵
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Do tráfego internacional de Internet do Brasil, 81,5% é com os Estados Unidos. A maioria dos cabos submarinos que nos ligam aos EUA são amplificados em Fortaleza, chegam até data centers na Praia do Futuro para tal. Image
Os impactos da construção da usina de dessalinização na mesma Praia do Futuro não ameaçam só a comunicação do Brasil, mas entre África, América do Sul, Caribe e América do Norte. Fortaleza é um hub de telecomunicações entre esses territórios e danos a ele as degradaria.
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Mar 9, 2023
Como foi p/ mim ser um dos primeiros analistas externos que revisaram o inquérito sobre a invasão aos servidores do TSE onde o invasor teve acesso ao código-fonte da urna e até hoje não foi identificado? O @Tec_Mundo me perguntou e eu respondi. Siga o fio! 🧵
Alguns pontos que destaco:

1) A PF não fez diligências p/ coleta de provas. No inquérito, todas as informações foram prestadas pelo TSE à PF. Senti falta da polícia ter coletado provas em vez de analisar apenas às apresentadas pelo TSE, que é parte potencialmente não neutra.
2) Quem analisou os logs e montou a linha do tempo dos fatos foi o próprio TSE, não a Polícia Federal. Eu esperava num inquérito encontrar uma narrativa construída pela parte investigadora e não a parte investigada.
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