Meu fio sobre a redução de mortes no trânsito em São Paulo me deixou com a pulga atrás da orelha devido às inconsistências nos dados.
Decidi ir mais a fundo e descobri que tem mais coisa aí - a começar pelos demais acidentes, que estranhamente caíram em 2018. Estranho por que?🧶
1. Óbitos por demais acidentes são causados principalmente por quedas - muito frequente em idosos. Como a população de idosos só aumenta, é de se esperar um aumento contínuo - jamais uma diminuição como a registrada.
Mas vejam que as MVCIs (causa indeterminada) dispararm!
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2. Mas afinal, o que são as MVCIs?
É um grupo de 25 causas nebulosas de óbitos, nos quais a intenção é indeterminada: ou seja, pode ser acidente, suicídio ou homicídio.
A mais obscura de todas é a Y34, na qual não se sabe nem mesmo o fato que causou o óbito.
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3. Eu já havia alertado que São Paulo tinha um sério problema de aumento de MVCIs - é sinal que pior está sendo a qualidade das declarações de óbito -> pior qualidade de dados.
Vejam aqui o que ocorre com suicídios: começam a cair, ao contrário do esperado - e MVCIs sobem.
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4. Aqui a comparação com os homicídios - chegamos à bizarra situação de ter 6 vezes mais óbitos por intenção indeterminada que por homicídios em 2023. Isto não pode estar certo...
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5. Voltando ao meu fio de ontem, vejam que as MVCIs têm alguma correlação (negativa) com óbitos no trânsito. Notem que a alta de MVCIs vem desde 2018 - são 6 anos já neste nível.
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6. Decidi abrir as MVCIs por categoria CID-10. Notem o quanto a Y29 (contato objeto contundente) é 5x maior que antes. Mas demais categorias também aumentaram.
Mas será que isto é algo local ou está igual em outros municípios?
Preparem-se...
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7. Ao comparar a % das MCIS (em relação aos óbitos por causas externas) da capital com a região metropolitana e o interior, vejam o quanto a capital destoa: quase metade dos óbitos por causas externas não tem intenção determinada!
Nos demais municípios da RMSP, vem aumentando, o que não é bom, mas não tanto quanto a capital. Nas cidades do interior, estabilidade abaixo de 10% - OK.
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8. Afinal, o que dá para concluir disto?
- para começar, não dá para cravar causalidade aí
- mas o aumento súbito de MVCIs desde 2018 não faz sentido algum
- possivelmente as MVCIs distorceram os dados de suicídios e demais acidentes, parecendo que diminuíram (inverossímil)
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9. Quanto a óbitos no trânsito, pelos dados do Infosiga houve um aumento recente. No longo prazo (desde 96), continua sendo uma queda significativa, mas bem menor que a registrada no DataSUS.
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10. Já em homicídios, tudo indica que SP capital continua com um índice baixo, mas menos baixo que os números oficiais fazem parecer.
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11. O que não dá para aceitar é que a maior cidade do hemisfério Sul registre, no principal banco de dados de mortalidade, quase 50% dos óbitos por causas externas sem intenção determinada.
Isto é um retrocesso e não é aceitável. Um escândalo não-noticiado!
FIM
ADENDO IMPORTANTE: não dá para cravar intenção de distorcer os dados. Precisaria investigar o que acontece para que em determinados anos as classificações mudem tão repentinamente. Mas eu não coloco minha mão no fogo...
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Na minha passagem recente por Brasília, fui surpreendido ao saber que o aeroporto, reformado/ampliado há poucos anos, teria sido eleito o 4o. melhor do mundo.
Não que ele seja de todo ruim, mas achei estranho...
O segredo?
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Terem considerado o ranking de um tal de AirHelp, que pondera a pontualidade, nota dos usuários e nota de lojas/alimentação. Mas tem coisas inusitadas aí...
Para começar, o AirHelp está longe de ter o ranking de aeroportos como foco - nem mesmo aparece na página inicial deles. O link para o blog deles está perdido lá no rodapé e o ranking está perdido no meio de outros posts.
O PT publicou o texto abaixo sobre os descontos no INSS e acho que vale a pena analisar 3 pontos aí:
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1. "A corrupção começou no primeiro ano do governo Bolsonaro".
Falso - por dois motivos:
- é fato sabido que o INSS é um órgão historicamente assolado por corrupção
- os descontos indevidos começaram antes, com ABRAPPS, AAPEN e RIAAM
2. "Aposentados já denuciavam descontos indevidos bem antes de o esquema vir à tona."
Verdadeiro. Houve inação tanto no governo Bolsonaro quanto nos dois primeiros anos do governo Lula quanto a isto. Como deixaram chegar tão longe?
É possível enganar apenas mostrando números reais?
É, sim senhor – e este infográfico aqui é um excelente exemplo desta forma sub-reptícia de desinformação (contém não apenas um, mas dois exemplos).
Vem comigo:
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O primeiro ponto que salta aos olhos é o eixo Y severamente truncado – o que gera a impressão de uma subida maior que a real. Veja lado a lado como os mesmos dados sem truncamento geram outra impressão.
O segundo detalhe é esta estranha linha de tendência, que eu tentei reproduzir de diversas formas, sem sucesso. Até que...
Como comentei ontem, eu era um dos últimos Homo sapiens a não ler o Sapiens do Harari – o que finalmente fiz. Eis minha resenha.🧵
Importante: é uma visão pessoal e subjetiva, não levem a ferro e fogo (até porque fiquei sabendo que o livro tem tanto amantes quanto detratores)
Antes de tudo, a única coisa que eu sabia a respeito dele é que ele vendeu muito, mas não fui atrás de resenhas e opiniões de terceiros – o que me permitiu lê-lo sem ideias pré-concebidas e expectativas.
Desde o início, fica claro que é um livro voltado ao grande público, a escrita é de compreensão fácil e tem uma narrativa ágil. Outro ponto que me chamou a atenção é que a fonte de inspiração parece ter sido Cosmos, do Sagan – pelo título, tamanho, público-alvo e ambição.
Esta matéria de ontem no G1 apresentou algo estarrecedor: os atendimentos por AVC mais que dobraram na região de Campinas desde 2020!
Vem comigo no fio para entender o porquê de este ser um caso elucidativo tanto de credulidade quanto de jornalismo de baixa qualidade:
1.Eis a plotagem que fiz com os dados apresentados, que me acendeu um alerta laranja por algo que sempre menciono nos meus treinamentos: o senso de verossimilhança (algo que se adquire com a experiência). Estava estranho, indicadores como este não costumam subir tão rápido.
2.Próximo passo: achar a fonte. Depois de alguma busca, encontrei: é o registro de atendimentos (não internações) dos CIDs I10 a I69 na DRS Campinas, que inclui 42 municípios e mais de 4 milhões de habitantes tabnet.saude.sp.gov.br/deftohtm.exe?t…