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Antissionismo e antissemitismo: diferenças essenciais

Trata-se somente de falsa narrativa a equivalência entre sionismo e judaísmo – ou entre antissionismo e antissemitismo.

O sionismo é apenas uma corrente ideológica no seio do judaísmo, com várias alas, nascida no final do século XIX. Sua propostas básica, que historicamente unificou todas as frações sionistas: a construção de um Estado que fundisse supremacia étnica e domínio religioso, a ser estabelecido na Palestina de maioria árabe-muçulmana, o assim denominado Estado judeu.

Essa corrente, nacional-chauvinista, foi minoritária entre os judeus até os anos 30 do século passado. Vários grupos judaicos - religiosos e seculares - rechaçavam o pensamento sionista, classificando-o como doutrina racista.

Somente após o Holocausto, com a morte de seis milhões de judeus pelo nazismo, o sionismo passaria a ser majoritário nesse grupo étnico, especialmente a partir da constituição do Estado de Israel, favorecido e protegido pelas grandes potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial.

Esse processo foi banhado em segregação, xenofobia e sangue. Com apoio especialmente do Reino Unido, que exerceu mandato colonial na Palestina de 1918 a 1948, os grupos sionistas impulsionaram a contínua expulsão da maioria árabe-muçulmana de seus lares e terras, recorrendo a milícias armadas e outras ações de limpeza étnica.

De 1948 a 1967, através de sucessivas guerras, Israel foi ocupando ilegalmente todo o território palestino. A resolução 181 das Nações Unidas, aprovada em 29 de novembro de 1947, concedia 53,5% da região para que fosse formado o Estado judeu. Com o primeiro conflito árabe-israelense (1948-49), essa porção subiu para 79%. Após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, toda a Palestina passou a viver sob domínio sionista.

Estabeleceu-se, desde então, uma clara situação colonial, contrariando a Carta das Nações Unidas. Milhões de palestinos foram expulsos de seus locais e outros tantos milhões passaram a viver como cidadãos sem direitos, em campos sob tutela militar.

Como é comum na história, os palestinos formaram organizações de resistência e recorreram à luta armada contra o regime sionista, amparados pela resolução 3103 das Nações Unidas, aprovada em 1973. Denominados de “terroristas” pelas vozes sionistas e seus aliados, sua atividade é claramente comparável com o Congresso Nacional Africano, de Nelson Mandela, ou com a Frente de Libertação Nacional, argelina, clássicos casos de resistência anticolonial.

De tão evidente o caráter racista e colonial do sionismo, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a resolução 3379, em 10 de novembro de 1975, considerando essa doutrina “uma forma de racismo e discriminação racial”. Somente em 1991 essa resolução seria abolida, com a agonia da União Soviética e a vitória dos Estados Unidos na Guerra Fria.

São fartos os elementos históricos, contudo, para caracterizarmos o sionismo tão somente como um movimento ideológico e programático, e para identificarmos o Estado de Israel como a encarnação estatal dessa ideologia, em cujas fronteiras vive menos da metade dos judeus do mundo.

Judaísmo tem inteiramente outro significado: representa a história étnico-cultural e parcialmente religiosa (muitos são os judeus seculares) de um antigo grupo cuja nacionalidade se dissolveu nos primeiros séculos da era cristã, quando expulso pelo Império Romano da antiga Canaã, atual Palestina.

Os judeus, espalhados pelo planeta, inseriram-se nas nações e sociedades que os obrigaram, com maior ou menor assimilação, ainda que preservando, em certa medida, sua identidade comunitária. Foram vítimas, particularmente em solo europeu, de furiosa perseguição, desde a Antiguidade até o século XX.

O racismo antijudaico foi intitulado como antissemitismo somente na segunda metade do século XIX. O termo seria estabelecido e popularizado pelo jornalista alemão Friedrich Wilhelm Adolph Marr (1819-1904). Jamais teve relação com a luta contra o sionismo como ideologia, mas contra os judeus como etnia.

Ao contrário, o movimento sionista se aproveitou do antissemitismo para fortalecer seu projeto, que pressupunha a forte emigração judaica para a Palestina: quanto mais judeus fossem expulsos da Europa e outras regiões, maior o público que poderia ser seduzido pelo objetivo de criar um Estado de supremacia judaica.

Mesmo durante o nazismo, há robustas provas de cumplicidade entre grupos sionistas e o governo Hitler. O fato mais conhecido é o Acordo Haavará, firmado entre a Federação Sionista da Alemanha e o regime nazista, válido de 1933 a 1938. Haavará é a palavra em hebraico para transferência. Por esse pacto, os judeus poderiam emigrar desde que fossem para a Palestina. Levariam seus ativos financeiros, mas seriam obrigados a pagar imposto de 25%. Esses ativos, internalizados em seu destino, somente poderiam ser utilizados para importar mercadorias e serviços da Alemanha.

O acordo foi rescindo apenas quando Hitler mudou sua política para a questão judaica, passando da limpeza étnica para o aprisionamento das minorias e a utilização de sua força de trabalho como mão de obra escrava. Mesmo após 1935, quando o nazismo aprova as chamadas Leis Raciais de Nuremberg, os sionistas alemães mantiveram parceria com a ditadura antissemita.

Esse é apenas um de inúmeros episódios de colaboracionismo entre sionismo e nazismo, vitimando os próprios judeus e usufruindo do antissemitismo. Não é possível maior evidência de que antissionismo é uma coisa e antissemitismo é outra, separados por uma distância abissal.

O sionismo está para os judeus como o nazismo esteve para os alemães e o fascismo para os italianos. Ser antissionista não é ser contra os judeus, assim como ser antinazista não era ser contra os alemães ou ser antifascista não era ser contra os italianos.

Não há antissemitismo quando pessoas e grupos se voltam, mesmo com radicalidade, contra o Estado de Israel, o regime sionista e o sionismo como doutrina. Da mesma forma que racismo não havia quando se lutava, no mundo todo, contra o sistema de apartheid na África do Sul, ambicionando desmontar o Estado de supremacia branca forjado pelos bôeres.

Muitos judeus são radicalmente antissionistas e solidários com as organizações da resistência palestina. Obviamente não podem ser acusados de antissemitas. Antissionismo não guarda qualquer relação compulsória com antissemitismo. Há até pró-sionistas que são antissemitas: basta observar certos grupos da direita cristã.

Aliás, a principal fonte antissemita contemporânea é o próprio Estado de Israel: o genocídio contra o povo palestino gera ódio e repulsa em todos os povos, que indistintamente responsabilizam os judeus por esses crimes, e não os sionistas.

Antissemitismo representa comportamento repulsivo e intolerável.

Antissionismo é obrigação de quem acredita em justiça e igualdade.

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