Quem trabalha prescrevendo, desenvolvendo, avaliando ou ensinando sobre intervenções em saúde e se preocupa com a incorporação da evidência científica na sua prática tem se deparado com um movimento que confunde pluralidade metodológica com relativismo epistemológico. Segue o fio Avaliar a eficácia de intervenções em saúde (como medicamentos, cirurgias, psicoterapia, fisioterapia etc) passa, necessariamente, por métodos experimentais, que são mais adequados para superar (ou ao menos considerar) certos confundidores e limitações da tomada de decisão.

Esse aqui foi o ápice da tentativa de defender o apelo ao natural, independentemente de qualquer criticidade.
Em uma discussão sobre os cuidados com substâncias que se apresentam como naturais e "idênticas às do corpo" (como "hormônios bioidênticos"), eis que surge a pérola: "É óbvio que essas substâncias são melhores para o organismo. Você por acaso colocaria GASOLINA ADULTERADA no seu carro?"
Vamos aproveitar como ferramenta pedagógica pra exercitarmos os erros de argumentação contidos em um exemplo como este:

Pessoal que era fã de Scooby-Doo, vocês se lembram de um Spin-off que se chamava "Pequeno Scooby Doo"? Era um derivado da série original que mostrava os personagens mais jovens e o Scooby como um filhote ainda.+ A série incluía um personagem valentão, chamado "Ruivo Hering". Devido à sua personalidade, ele frequentemente era suspeito nas investigações do jovem grupo de detetives, mas quase sempre era inocente. Mas eu não entendia na época o porque do nome do personagem.

Outro dia tive o desprazer de ler tweets de alguém que se intitula "jornalista independente" (independente do pensamento racional, pelo jeito). Entre os tristes argumentos, estava o seguinte:
" O Tratamento x é usado com sucesso pelo menos desde o século 12 na medicina chinesa" Fora o que estamos cansados de saber sobre falácias argumentativas e o fato de que apelar para o tempo ou tradição não garante ou determina que algo seja eficaz, percebo que quando esse apelo é associado à "medicina chinesa", o argumento parece ainda mais importante.

No meu post passado sobre "Engov" e ressaca, me deparei com comentários interessantes e apaixonados que podem ser divididos nas seguintes categorias:

1) Membros da "seita" engov: "Foda-se o que você falou, vou continuar tomando porque pra mim funciona e sempre funcionou" 2) "Acredito em você, mas mesmo se for placebo ou algo do tipo, prefiro continuar com esse placebo"

3) "Se engov não previne ou trata ressaca, então o que posso tomar? Você não pode afirmar uma coisa dessas e não me dar uma alternativa! Te odeio!"

PERGUNTA:
Se você planejasse se embebedar (não recomendo), você tomaria um anti-histamínico + uma aspirina + um antiácido + cafeína antes de beber e após beber, achando que isso vai prevenir/tratar a sua ressaca?

Não?

Então por que você toma Engov achando que vai funcionar? Primeiramente:não faz sentido tomar algo preventivo para a ressaca,pois isso significa que você está planejando fazer um uso abusivo do álcool, que pode ser evitado, já que você está planejando. Segundo, nenhuma dessas substâncias contidas no Engov são capazes de prevenir ressaca

Esses dias pude assistir ao filme da Whitney Houston. É uma obra maravilhosa que conta a sua história, do início da sua carreira até sua morte. Coincidentemente, em 2020 lançamos um livro, "Desafios Toxicológicos" que explica em detalhes como isso aconteceu.

Segue o fio! A cantora (e atriz) Whitney Elisabeth Houston, 48 anos, foi encontrada morta em decúbito ventral (de bruços) na banheira de um hotel em Beverly Hills, com o rosto imerso na água. A causa da morte divulgada, na ocasião, foi afogamento em consequência de doença cardíaca.

Vamos usar a cabeça aqui, pessoal: tem gente que não tem interesse que você se vacine. Gente que ganha muito dinheiro com kit de medicamento inútil. Gente que quer te empurrar um monte de suplemento vitamínico desnecessário (muito dos quais tem alúminio, ironicamente rsrs)...

Por que quando a gente usa alguns medicamentos, ou drogas como o álcool, com frequência, eles podem ir "perdendo o efeito" com o passar do tempo, necessitando aumentar a dose ou trocar o fármaco?

Esse mecanismo é chamado na Farmacologia de "Tolerância". Segue o fio pra entender! Vamos pegar como exemplo aqui o álcool (mas você pode expandir o raciocínio de maneira semelhante para qualquer substância cujo uso contínuo provoque redução de eficácia).

No exemplo do álcool: quem está "acostumado" a beber, sente menos os efeitos do álcool do que quem não bebe

Assunto importante aqui:
LIVRO NÃO É SINÔNIMO DE EVIDÊNCIA CIENTÍFICA.

"Nossa, André, mas a gente usa livros durante toda a faculdade, eles são muito importantes para a formação profissional"
São mesmo. Mas não são necessariamente evidências científicas.
Segue o fio. Já falei por aqui que Medicina, Farmácia, Enfermagem, Psicologia etc são profissões e não necessariamente Ciência/evidência científica. São profissões que representam profissionais que PODEM (e devem sempre) se orientar por meio de evidências.
Com livros acontece algo parecido

Theodor Morell foi o médico pessoal de Hitler. Ficou conhecido pelos seus "tratamentos não convencionais". Dentre diversas substâncias que prescrevia ao ditador, Morell utilizava um preparado que chamou de "Vitamultin".
Hitler dizia sentir mais "energia" usando esse "remédio" + A confiança no medicamento milagroso era tanta que passou a ser produzido pela emprese Nordmark e embalada em um papel dourado, com o carimbo: Sonderanfertigung Führer [fabricação especial para o Führer].
Mas qual seria o conteúdo desse "poderoso medicamento revigorante"?

Algo muito comum de se ouvir é:

"O Conselho Federal da profissão X reconhece determinado tratamento então funciona"
"Se o Tratamento X não funcionasse, não seria oferecido pelo SUS"
E por aí vai...
O que precisa ficar claro é que nada disso é evidência de eficácia. Segue o fio. Conselhos Profissionais são autarquias federais com a função de registrar, fiscalizar e orientar os Profissionais da sua classe, garantindo a regulamentação da profissão.
E precisa ficar claro que Medicina por si só não é Ciência. Farmácia não é Ciência, Psicologia não é ciência

Uma coisa importante para se proteger de fake news e chartatões: Dado é diferente de Informação.
Dá pra desinformar muito usando dados reais. Dá pra mentir muito usando dados verdadeiros. Dados só se traduzem em informação, em um contexto. E no contexto errado, podem desinformar+ É o processamento dos dados que gera uma informação. Informações não existem sem dados que as embasem. Mas a existência de dados não gera automaticamente informações. Muito menos informações honestas que servirão de base para conhecimentos utilizados em tomadas de decisões.

"Eu não vou tomar vacina! É um problema meu, minha decisão".

Ok, imagina a seguinte situação:
Uma rodovia é conhecidamente perigosa pelo seu número de acidentes. Após várias análises, recomenda-se que não sejam feitas ultrapassagens, e que a velocidade máxima da via seja 80km/h Vamos usar o brilhante raciocínio do antivax:
"Vocês não podem impor que eu dirija no máximo a 80km por hora e não faça ultrapassagens. É meu direito individual. É o meu carro e eu que estou dirigindo. Dirige no limite de velocidade e sem ultrapassar quem quer!"

Sua sorte do dia
(Segue o fio) "Com certeza você vai passar nesse concurso!", "Eu tenho certeza que você vai ser um ótimo profissional!", "Com certeza vai dar tudo certo!".

O que essas frases tem em comum? Em todas elas usamos a palavra "certeza" para tentar garantir "na marra" um desfecho positivo no futuro

Quem aí assistia Arquivo X?

Nessa série de ficção científica, os agentes do FBI Fox Mulder e Dana Scully investigavam os arquivos x, casos não solucionados envolvendo fenômenos paranormais e extraterrestres. Mulder tinha uma cabeça mais "crente", enquanto Scully era mais cética, porém ambos acabam sendo alvos de uma trama conspiratória. Em uma época sem Netflix e Amazon Prime, Arquivo X era uma das séries que reinava na televisão brasileira.

#FarmacoNumTweet

"Paracetamol faz mal para o fígado"
Já leu ou ouviu essa afirmação?

De fato, em excesso, paracetamol pode ser hepatotóxico. Na verdade, não exatamente o paracetamol, mas um subproduto dele gerado no organismo. Segue o fio pra entender! Ontem eu postei esse inteligente meme do @farma_memes (instagram). Hoje você vai entendê-lo.

Assunto importante:

Prática baseada em evidência é diferente de prática baseada "no artigo que eu gosto".
Basear sua prática em evidências científicas é muito mais do que ficar citando artigos. Envolve analisar criticamente a evidência e individualizar ao paciente.

Segue o fio! Nem todo artigo publicado em uma revista científica é evidência. Vamos pegar como exempo o American Journal of Biomedical Science and Research.

"Óleo de Lorenzo" é exceção e não regra.
Como assim?
Significa que você não deve achar que é essa é a forma mais adequada e convencional de se desenvolver medicamentos... Segue o fio! Quem assistiu ao clássico filme de 1992 certamente se emocionou com o enredo, baseado em fatos reais.
O filme conta a história de um casal, Augusto e Michaela cujo filho mais jovem, Lorenzo, começa a apresentar alguns sintomas aos 6 anos de idade.

Seita. Do latim secta (selecionar, dividir). É um termo comumente ultilizado para descrever a complexidade de grupos que professam uma doutrina, ideologia, sistema filosófico ou político divergentes. Geralmente seguindo líderes vivos que promovem práticas novas e não-ortodoxas + Algumas características comuns às seitas:
1 - São compostos em grupos menores
2 - Não aceitam informações e valores "mainstream" e se destacam da sociedade
3 - Demandam um grande comprometimento dos seus membros com a "causa".
4 - Tendem a deter o monopólio da "verdade"

Ultimamente tenho visto grande polarização acerca do polêmico tema "Maconha medicinal". De um lado, a demonização de qualquer produto relacionado à Cannabis, como se o estudo científico da planta fosse um estímulo ao "uso de drogas". Do outro, a bajulação da planta como panaceia+ Acredito que sobre o uso medicinal, a forma de resolver essas falsas dicotomias seja se apoiar nas práticas baseadas em evidências e na racionalidade científica.
Primeiramente, não existe "maconha medicinal". Maconha, por definição, se refere a partes da Cannabis ricas em THC...