Faz um ano que deixei a Universidade. Eu lecionava e orientava em um programa de pós-graduação mestrado e doutorado nota 5 na CAPES. Era uma universidade comunitária, mas que entrou em crise (por causa de gestão ~duvidosa~) e foi comprada por esses megagrupos neoliberais. 🧶 Mesmo depois da universidade ter se tornando uma particular, e o ensino, pesquisa e extensão serem corroídos semestre a semestre, fiquei por lá. Precisava da grana, era recém pai, e não queria abandonar meus alunos e orientandos. Porém, isso teve um custo psicológico mto grande.

Qualquer pessoa que estuda o Oscar sabe que se trata de um prêmio de mercado. E tudo bem. Errado é esperar dele a prevalência do critério artístico. Dito isso, o pessoal pergunta: "ué, mas Godzilla ganhou, e o Menino e a Garça levou Oscar em cima do aranhaverso".

A resposta:

Oscar, por ser um prêmio de mercado (ressalto), manda recado. É o mercado dizendo para o próprio mercado o que ele acha ser a aposta mais correta.

Ainda sobre o vídeo de domingo. Algumas pessoas vieram me perguntar se os traços que eu aponto sobre a cultura nerd não seriam na verdade sinais de autismo, e por isso a crítica não seria válida. Mas é justamente o oposto. Inclusive só reforça o que eu comentei. Eu tive muitos alunos neurodivergentes, e tenho contato próximo com autistas. E não há nada em um autista que faça dele, a priori, misógino e consumista.

E aqui reside um ponto ainda mais perverso da indústria nerd:

Não quero voltar no assunto porque o que eu tinha pra dizer, já disse. Porém, acho que seria legal um adendo em função de alguns comentários recorrentes.

Sim, lá pelo meio do ano em defendi uma "união dos divergentes" do campo progressista. Realmente acreditava que, apesar das diferenças ou equívocos, seria possível uma articulação conjunta. E via isso como necessário diante da organização de setores da direita bolsonarista na internet.

Mas mudei de opinião por vários motivos.

Janeiro deste ano falei que a esquerda radical tinha alguns problemas a resolver. Um era o narcisismo social (a eterna autorreferenciação "radical sou eu, seja como eu"). Outro ponto era o risco de produzir channers de foice e martelo que não aceitam "nada menos que o máximo". Como qualquer adulto minimamente politizado sabe, alimentar ideais difíceis de alcançar em uma juventude ansiosa e intransigente é entregar esse mesmo contigente aos neofachos de soluções rápidas (duguinismo é um sintoma, e acredito que o primeiro de muitos a surgir).

A TAL DA CULTURA WOKE

Ontem postei um bait sobre Hollywood ser dominada por judeus. Agora a real:

Uma coisa é criticar como Hollywood se apropria de pautas sociais. Eu mesmo já faço essa crítica há anos (basta ver meu vídeo sobre qdo saiu o trailer da PEQUENA SEREIA). Outra coisa bem diferente é a "denúncia" da cultura woke. Apesar de ter gente bem-intencionada nesse debate, a parada já pulou o alambrado. Cada vez mais o que prolifera são teorias da conspiração e engajamento da intolerância sob o verniz pseudo-analítico da opinião.

ISSO NÃO É PARA GERAR TRETA (embora possa virar)

Ontem, na live, comentei algo que digo há 2 anos: a cultura pop virou arena de aliciamento de extremista de direita. Nessa mesma live, falei da importância dos produtores de conteúdo, que se oponham a isso, estabelecer pontes. Conforme eu disse (e vai virar corte ainda), cada produtor de conteúdo lutar sozinho contra um movimento articulado e com mta grana tem efetividade ZERO. Pode ajudar pro influencer parecer um herói da resistência, e angariar alguns inscritos, mas a merda segue igual.

Érico Assis fez pro Omelete uma coluna sobre o preço das HQs. Comentou o círculo vicioso: HQs caras são para poucos, que cada vez menos compram, diminuindo a tiragem, o que as torna mais caras ainda, com menos público e assim por diante.

Daí a importância de algo que já falei: o ponto fundamental a ser atacado é a formação de uma "CULTURA DE QUADRINHOS". Muitos dizem que a solução para isso é dinheiro público e quadrinhos nas escolas. Mas não é bem assim. Sem formação de professores habilitados pra trabalhar HQs, gibi é só pilha de papel.

"MAS QUADRINHOS É TANANAN PQ SEGUNDO FULANO..."

Já que muita gente dá pitaco sobre quadrinhos sem estudar a respeito, resolvi compartilhar uma periodização dos estudos de HQs que apresento aos meus alunos para fins didáticos.

Segue o fio 🧶 1ª onda: 1964 - 1985

Existiram obras sobre HQs antes do ano de 64 (caso da revista Giff-Wiff, de 62). Porém, APOCALÍPTICOS E INTEGRADOS, de Umberto Eco, acaba sendo uma obra basilar, já que será mto referenciada por todo estudo subsequente no ocidente.

Vejo com muita descrença ou desconfiança a galera que anda se propondo dialogar com redpirados, incels e extremistas de direita em mesacasts etc.

Vamos aos motivos: 1 - semiótico: qdo uma feminista vai "debater" com um redpirocado, de pronto, a imagem divulgada é a de dois polos de um fenômeno social. Ou seja, produz simetria que, no caso, é falsa. Lutar pela emancipação da mulher ñ é o mesmo que inflar misoginia a partir de pseudo-ciências.

Sou professor da área de linguagens. Ou seja, praticamente só trabalho com mulheres. E sou pai de uma menina. Tem um mito que gente de direita e esquerda reproduz por aí: "mulheres são mais inteligentes". Esse povo tira por base o desempenho escolar pra dizer isso. De fato, o desempenho de mulheres é melhor. Mas isso é um falso ganho. Mulheres são acostumadas desde cedo a serem disciplinadas e subservientes. Daí que se "adaptam melhor" a um sistema de regras como o sistema escolar. Porém isso não vem sem sofrimento.

Movimentos sociais são muito maiores que o twitter. Apesar de ter gente legal aqui, quer me parecer que essa rede é mais para alpinismo social. Eu não canso de me surpreender com os feedbacks antagônicos que tenho aqui e fora da rede. Por exemplo: eu mantenho diálogo com algumas figuras importantes do movimento negro. Sempre que lanço um vídeo sobre racismo, a gente troca uma ideia. Eventualmente apontam uma questão aqui ou ali, mas gostam bastante. Já no twitter a coisa é só agressão e gritaria por lugar de falo.

Já que volta e meia alguém levanta a bandeira da "humildade", deixa o professor aqui explicar uma parada (professor pode ainda explicar?)

Muitos já discutiram a humildade, mas foram Nietzsche e Freud que chegaram na conclusão que a humildade é a maior das arrogâncias.

Explico: A humildade é antes de tudo uma operação estratégica e retórica de matriz cristã. Basicamente funciona assim: a pessoa que se diz humilde é aquela que se considera esperta o suficiente para mensurar as inteligências e relações de poder em jogo.

Aparentemente o Quadrinhos na Sarjeta virou o canal que todo mundo quer entrar na fila pra "refutar". É o neo-Olavismo cultural, a transposição do debate filosófico para a lógica de duelo de velho-oeste. E o pior: tudo na base de leituras ruins, sem atenção. Sigo na minha. O recente caso do "gibi não é literatura" é um bom estudo de caso. Disse o mesmo que tds os pesquisadores de quadrinhos disseram, inclusive gente que torce o nariz pra mim. Mas oportunistas criaram um antagonismo onde nem havia e advinha quem atacaram, quem buscaram "refutar"?

QUADRINHOS é uma forma de arte própria, com suas próprias características. HQ não é uma "arte menor" por não ser literatura. Pelo contrário, chamá-la de literatura que a reduz em sua singularidade. Tem "literacidade" nas HQs? Sim, assim como tem artes plásticas, foto, cinema etc. Esse é um entendimento consideravelmente consolidado dentro do campo dos estudos de quadrinhos. Na boa, chega de negacionismo soft na hora de lidar com saber científico. Escutem os especialistas.

Ultimamente tenho sofrido bastante por causa disso. Quem foi criança nos 90 sabe do que estou falando. O mundo no qual crescemos e para o qual fomos preparados não existe mais. Nas últimas décadas tudo mudou mto rápido. Já não é mais sci-fi: todo dia alguém perde emprego prum bot Entre essas pessoas, minha esposa, tradutora, que foi substituída por um programa de tradução automática. Lembram que até ontem trabalhar com tecnologia era "o futuro"? Pois bem, vcs devem estar acompanhando o qto empresas de tecnologia estão demitindo e se utilizando de IAs.

Eu tenho feito críticas aos canais de react. Mas essa semana tive um exemplo positivo. (óia a polêmica rs)

Deixa eu recapitular: acho que canais react são problemáticos por dois motivos: 1. A maioria dos streamers reagem a vídeos que não viram de canais que não conhecem. Para dar merda, é fácil. Afinal, o streamer não sabe se a pessoa está sendo irônica ou não, não conhece a proposta do canal, tampouco tem ideia do raciocínio usado ou da conclusão chegada. EM RESUMO, comenta algo no escuro, pausando a cada 10s e isso pode gerar MUITA injustiça.

Pessoal, uma divulgação bastante importante. Saiu o dossiê acadêmico "Quadrinhos em África(s)". Como o nome já diz, traz artigos relacionados a HQs e africanidades. Tem um artigo da minha orientanda de doutorado Micaella Schmitz sobre AFROFUTURISMO que eu assino junto.

PORÉM... ...o mais importante aqui é a somatória de publicações, todas interessantíssimas. Cabe destacar o artigo de @marcioquadrinho. Márcio relata sua experiência editando e traduzindo HQs africanas de maneira bastante crítica a setores do mercado editorial. Aliás, sobrou até pra mim!

Meu compromisso com o canal é trabalhar leituras. E obviamente, toda leitura É POLÍTICA. Daí o programa do QnS: é preciso DISPUTAR SENTIDOS dos objetos (e sujeitos) culturais. Caso contrário, é entregar pra reaçada o sentido de produções que são afetivas para milhões. Acho tolo quando a crítica se resume a "vc tá esquerdizando o Superman, personagem de uma mega-corporação". Ocorre que é pior se eu NÃO falar nada. Superman vai continuar grande independentemente de mim, e o monopólio do sentido sobre o personagem vai ser da extrema direita.

Como sempre rola "disse me disse", vou fazer esse fio para explicar de uma vez por todas qual é a minha visão sobre O MERCADO DE HQs BR. Como vcs poderão constatar, é um diagnóstico e não uma troca de ofensas. Portanto, apreciaria que ninguém apelasse para isso.

Segue o fio. 🧶 Muitos fatores explicam o mercado que temos, mas o principal, a meu ver, é a concomitância de um mercado fraco (independentes, editoras pequenas q publicam autores nacionais etc) e um império (Mauricio de Sousa Produções). Isso obviamente vai produzir assimetrias nas relações.

Agora que as crianças pararam de dar chilique, vamos ter um papo de adulto sobre COMUNISMO? Segue o fio.

Só fica a dica: meu compromisso sempre é com a crítica. Se vc veio aqui buscando conforto ideológico, recomendo procurar em outro lugar. Talvez na frente de um espelho. Vou me deter ao webcomunismo, a militância comunista nas redes.

Como vcs sabem, estou há mais de dez anos falando de quadrinhos e cultura pop nas redes. Sou professor universitário. Atuo nas áreas de cultura e estética na graduação e pós. E sim, dou aula de teoria marxista.