Uma perspectiva subestimada sobre o Plano Real: produziu uma das maiores distorções político-eleitorais de todos os tempos. Por duas décadas a direita tradicional brasileira ficou forçada a se atrelar a um partido menor de centro, centro-esquerda, por um sucesso "acidental". Collor é prova suficiente de que não só a direita tradicional podia vencer o PT e a esquerda de um jeito que o PSDB só conseguiu no rescaldo do Real. Vendo assim a emergência de um Bolsonaro parece um desenvolvimento atrasado mas inevitável.

Isso é verdade. Mas no fundo não faz diferença porque o que está havendo é um plebiscito sobre Bolsonaro em que um candidato é tão rejeitado pelo eleitorado do outro que isso inviabilizou qualquer alternativa logo de cara. Qualquer concessão seria no pré-jogo.

https://twitter.com/NPTO/status/1575608001075224579

E sejamos honestos, colocar o Alckmin de vice é uma baita concessão vinda de quem 1) provavelmente ganharia sem ele de qualquer modo, 2) terá 77 anos ao assumir, 3) está em partido que já sofreu impeachment e não terá base no Congresso à prova de outro.

Antes eu achava que vitória em 1º turno de Lula teria mais chance de gerar confusão do que uma vitória em 2º turno com margem mais ampla. Mas acho agora que dá para cravar que chance de confusão significativa é mínima em ambos os cenários.

Bolsonaro deve acabar pato manco. Ele provavelmente vai investir no discurso de que a eleição foi sabe-se lá como roubada por alguns motivos: gosta de imitar Trump, ele vê assumir derrota como vergonha, a base minion vai ficar falando, etc.

Mas não vai ter poder para fazer nada.

Boulos tem alguma chance? Mais que o Crivella, eu diria. Mas é pouco. A pergunta é se ele quer tentar perder por pouco ou se prefere consolidar a imagem de líder da esquerda paulistana. Se eu fosse ele escolheria a primeira opção, que passa por algumas tarefas difíceis. A primeira é garantir conversão de quase todos os votos de França e Tatto. A segunda é conseguir uma quantidade considerável dos votos do Russomanno. A terceira é dar um jeito de manter uma boa quantidade de eleitores do Mamãe Falei (eu até agora não entendo esse nome) em casa.

2016 ainda era interpretável como uma vitória do antipetismo. Agora não há eixo nenhum para fazer essas interpretações: o PT acabou como eixo de política nacional, ainda não houve enxugamento de partidos via fim de coligações proporcionais e presidente teve baixa influência. A falta de esforço de Bolsonaro em construir um partido (apesar de contar com boa base no PSL) acabou gerando essa mixórdia de resultados negativos. Pro bem e pro mal ele fica dependente da popularidade pessoal para 2022 e corre muito mais risco político que o necessário.

Um bom princípio estratégico é evitar ao máximo fazer aquilo que o seu oponente gostaria que você fizesse. Às vezes não dá para evitar, claro; por exemplo, boa parte das táticas de xadrez envolve deixar seu adversário progressivamente sem opções. Os democratas violaram esse princípio: deixaram ficar a impressão de que toleravam protestos violentos, de que uma causa política valia arriscar a vida de milhares, de que gostariam de policiar os americanos em seu comportamento e forçá-los a usar termos esdrúxulos.

Para quem continua acompanhando as eleições americanas, nunca percam de vista que em 2018 o Brasil apurou totalmente (100%) 117 milhões de votos em 24 horas, com mais de 99% apurados em menos de seis horas. A totalização americana levará semanas. A quantidade de filas foi irrisória em comparação com os EUA, mesmo com muito voto pelo correio e antecipado. A API do TSE tornou os resultados acessíveis e passíveis de análise de modo praticamente instantâneo, sem necessidade alguma de revisar métodos e depender da imprensa.

Por um lado Bolsonaro e seus asseclas representam de fato uma aberração, mas por outro é bom entender que não surgiram do nada. Por exemplo, Ricardo Salles já teve emprego dado por Alckmin, o pessoal do DEM (incluindo Mandetta) aceitou tranquilamente fazer parte disso... Até hoje investem demais nas características específicas da eleição de 2018 como explicação. "Ah, mas foi o impeachment", "Ah, mas foi a Lava Jato", "Ah, mas foi a facada", etc. Não, o que anima o bolsonarismo esteve na sociedade por esse tempo todo.

Tudo fica mais fácil de entender quando você supera a estranheza ou o risco do clichê e reconhece: Olavo de Carvalho é fascista e olavetes também são, salvo casos de incapacidade intelectual em entender realmente o que ele diz ou propõe. Não é profundamente original dizer isso, óbvio. Mas tudo fica mais claro quando você pensa nas implicações. Por exemplo: ele está certo sobre o risco (para eles, fascistas) de eleger Bolsonaro "cedo demais". A incapacidade de fazer o expurgo das instituições democráticas...

Depois do meu tweet de ontem sobre como o colapso do PSDB é a condição que levou ao bolsonarismo, houve três tipos de incompreensão (e sou responsável por isso porque na imensa maioria dos casos a discordância foi de boa fé e se não entenderam é porque expliquei errado): O primeiro tipo de incompreensão foi achar que eu estava eximindo o PT de toda culpa. Não é isso. É que o PT, pensemos o que quisermos dele, manteve boa parte de sua base eleitoral apesar de tudo que acometeu o partido. Quem perdeu o lugar de polo eleitoral foi o PSDB.

Há duas correntes de interpretação possíveis sobre o compartilhamento do texto semijanista feito pelo Bolsonaro. A primeira estabelece que é mera burrice, ele simplesmente gostou do texto e compartilhou sem ver o que indicaria. A segunda é como parte de plano para autogolpe. Minha proposta é que as duas interpretações não são mutuamente excludentes, mas que um ímpeto causa o outro. Bolsonaro não percebe, por ser burro, quanto poder teria condições de acumular jogando de forma razoável. Daí adota a tática do confronto total, a única que conhece.

Brasil tem em torno de 3300 salas de cinema enquanto há 40 mil nos EUA. Escassez leva a decisões difíceis. Do ponto de vista do dono de cinema, é muito melhor ter uma programação variada para atrair o máximo de público possível. Tagarelo mais abaixo. Mas como fazer com demandas diferenciadas? Se o filme X atrai 200 pessoas para o seu cinema e você só tem duas salas de 100 lugares, acomodar o filme Y que traz apenas 50 pessoas é perder dinheiro.