Igor Natusch Profile picture
Jornalista. Escritor. Músico. Ser humano. Testemunha ocular do fim do mundo.

Sep 17, 2018, 15 tweets

Sempre que eu vejo em algum lugar esse PAPO BRABO de que a urnas eletrônicas são fáceis de fraudar, que voto impresso / em papel é mais seguro etc, lembro de um causo maravilhoso da inesquecível ELEIÇÃO DE 1989.

SEGUE O FIO

O Brasil estava numa FISSURA danada em 1989. Em um frenesi democrático, surgiram vários candidatos. Entre eles, até o SILVIO SANTOS, que surgiu já com as cédulas impressas, virou favorito e acabou impugnado. Um bafafá daqueles, mas essa história conto outra hora.

Entre os concorrentes, algumas figuras importantes. Ulysses Guimarães, relator da Constituição, estava lá, bem como Brizola, Maluf, Mário Covas etc. E, é claro, sempre tocava o jingle LULA LÁ BRILHA UMA ESTRELA anunciando o candidato que (dizem) era o mais bonito de todos.

Outros candidatos, menos cotados, sumiram no esquecimento. Tinha, por ex, o MARRONZINHO, que propunha encarcerar criminosos perigosos em um transatlântico (sim). A LÍVIA MARIA, que queria ser a primeira presidente mulher do Brasil (Dilma Rousseff era uma desconhecida na época)

Foi nessa eleição que surgiu ENÉAS e o seu PRONA, que hoje muita gente cultua (e cultuavam na época também, deus me livre). E tinha o EUDES MATTAR (sempre lembro dele), um arquiteto que fundou o nanico PLP e nunca mais concorreu a nada
hmgazetaonline.redegazeta.com.br/_conteudo/2014…

(Aliás, ERA UMA de tirar uma horinha para contar histórias dos esquecidíssimos CANDIDATOS A VICE-PRESIDENTE em 1989 - até porque vice virou um troço horrivelmente importante hoje em dia, com Temers e Mourões podem comprovar. Mas isso eu faço outra hora também)

Enfim. No fim das contas, eram 22 candidatos à Presidência da República. Tudo isso numa simplória cédula de papel, que reproduzo aqui

(A cédula estar marcada com um voto para Eudes Mattar não é coincidência, claro. Preste atenção que é importante para a história)

Enfim, chegou o 15 de novembro de 1989, 1o turno das eleições presidenciais. Com tanto papel, tanta urna de lona e tanta margem para erros e recontagens, a apuração demorou tanto que o 2o turno (Lula x Collor) começou antes da contagem acabar. E várias urnas foram impugnadas.

Uma dessas urnas, em Esperantina (PI), chamou a atenção do país. A cidade era notório reduto petista no Piauí, estado com 20% de analfabetos à época. Em uma das seções, Lula venceu de lavada, com quase 200 votos. Até aí, tudo bem. Mas o segundo colocado era... Eudes Mattar???

Depois de horas coçando a cabeça, a ficha do pessoal caiu.

Lula, durante toda a campanha, usou o fato de seu nome ser o primeiro da cédula como uma vantagem, para facilitar o voto dos analfabetos. "Marca a cruz no primeiro quadradinho", dizia sua campanha...

O que aconteceu, então, na seção eleitoral da pequena Esperantina?

O mesário, seja por erro ou má fé, entregou a cédula DE CABEÇA PARA BAIXO para analfabetos - e eles, que tinham decorado que Lula era o 1o quadrado, acabaram marcando X no último, do desconhecido Eudes Mattar.

Não lembro mais se a urna foi impugnada. Seja como for, FICADICA:

Malandragem em eleição não falta. Tem gente que entrega cédula de cabeça para baixo. Tem gente que inventa urna que imprime comprovante. E tem candidato que denuncia fraude, mas só se ele perder a eleição...

(Demorei muitos anos para encontrar uma referência online dessa história, mas enfim achei. Dá para ler, no link, a edição do Jornal do Brasil de 16 de novembro de 1989 - onde a gloriosa história da urna de Esperantina aparece em uma nota na página 3)

memoria.bn.br/pdf/030015/per…

Adendo final. Eudes Mattar teve uns 162 mil votos ao todo - menos de 0,25%, mas suficiente para ficar à frente de Fernando Gabeira (PV), por ex. Quantos desses votos foram consequência de uma cédula de cabeça para baixo e um eleitor de Lula que não sabia ler? Jamais saberemos.

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