Vi há pouco "A Garota" (Eltávozott nap), longa de estreia de Márta Mészáros - e que, lançado em 1968, foi o primeiro longa húngaro dirigido por uma mulher.
E cuja abordagem deixa muito claro por que é tão precioso que a Arte nos ofereça pontos de vista diversificados.
O filme é ao mesmo tempo um estudo de personagem e de uma sociedade que se encontra em transformação (e que ao mesmo tempo se mantém estática em sua estrutura patriarcal). É um filme claramente datado nos estilos, nas roupas e na música que retrata, mas atual em seus temas.
Vivida pela cantora Kati Kovács, que diz tudo que precisa com o olhar, a protagonista é uma jovem que, depois de crescer um orfanato na capital, é moderna e independente - num contraste brutal com a mãe que (re)descobre e vive no interior subjugada pelo marido e pela "tradição".
Ao mesmo tempo, a cineasta sugere como a personagem-título está sempre sob o escrutínio (ora ameaçador, ora patético) dos homens, que a seguem/abordam onde quer que esteja - e como ela os "desarma" ao de certo modo inverter a objetificação típica do olhar masculino.
Esqueci de falar que o filme está disponível no @mubibrasil!
O segundo longa da húngara Márta Mészáros, lançado em 1969, foi "Holdudvar", que acompanha a personagem de Mari Töröcsik (uma das atrizes mais premiadas do país e que morreu há 5 dias, aos 85 anos), que, viúva recente, não sabe o que fazer da vida.
Presa por anos em um casamento sem amor no qual se acomodou, Edit (Töröcsik) se vê movida a recusar a pensão que receberia pela morte do marido e também seus bens, numa tentativa confusa, de quem acabou de despertar de um longo sono, de se livrar das amarras autoimpostas.
Para tornar seu processo ainda mais difícil, o filho mais velho de Edit, que há muito saíra de casa para morar com a namorada, não apenas retorna como se mostra determinado a impedir que a mãe "suje a memória" do pai - com o qual, diga-se de passagem, ele também não se dava bem.
Para tentar impedir as ações da mãe, ele decide mantê-la como um autêntica prisioneira, colocando a própria namorada como carcereira (ela é vivida pela cantora Kati Kovács, protagonista do filme anterior de Mészáros) - um comentário claro sobre patriarcado e sexismo estruturais.
Este tema - como mesmo mulheres independentes (ou em busca desta independência) se veem limitadas por uma sociedade organizada em torno da vontade masculina - é algo que Mészáros já havia explorado em "A Garota", mas que aqui ganha novos contornos na dinâmica entre Edit e a nora.
Além disso, a cineasta volta a abordar o choque entre gerações e suas respectivas culturas através do filho mais jovem da protagonista, cujos amigos exibem um impulso de liberdade que afronta as autoridades do vilarejo no qual parte da narrativa se passa.
Maduro e com uma linguagem cuja sofisticação pode passar despercebida em função da discrição da câmera de Mészáros, "Holdudvar" é um filme memorável que se beneficia não só do talento de sua cineasta, mas também de sua fabulosa protagonista.
Dirigido por Márta Mészáros em 1970 (seu terceiro longa em três anos), "Não Chorem, Garotas Bonitas!" (Szép lányok, ne sírjatok!) representa um experimento de linguagem que se distancia de modo considerável de seus antecessores, embora invista em alguns temas similares.
Contando com participações de várias bandas de rock húngaras que faziam sucesso na época, o filme é, em sua superfície, sobre um triângulo amoroso formado entre um operário, sua noiva e um jovem associado a eventos musicais - e o movimento de contracultura é essencial ao filme.
Há, porém, dois subtextos importantes na abordagem de Mészáros: um reside num conflito entre o jovem operário e seu adversário, cujas roupas e posição de empresário/produtor (sua função nunca fica totalmente clara) o colocam em um mundo com muito mais escolhas possíveis.
Já o outro subtexto diz respeito à protagonista (Jaroslava Schallerová) e ao seu papel dentro de uma sociedade patriarcal que espera/exige dela certas escolhas que independem de sua vontade (algo que, claro, Mészáros discutiu também nos filmes anteriores).
(E, também como nos dois primeiros filmes, aqui há uma cena na qual os jovens são confrontados por uma figura de autoridade - novamente um policial - enquanto tentam expressar seus impulsos, desejos e frustrações.)
Menos coeso em função de sua própria estrutura, que depende excessivamente dos números musicais, "Não Chorem, Garotas Bonitas!" demonstra a curiosidade e a coragem de Mészáros em expandir seu estilo, mas o resultado, infelizmente, é apenas regular.
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