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Apr 21, 2021 18 tweets 12 min read Read on X
Vi há pouco "A Garota" (Eltávozott nap), longa de estreia de Márta Mészáros - e que, lançado em 1968, foi o primeiro longa húngaro dirigido por uma mulher.

E cuja abordagem deixa muito claro por que é tão precioso que a Arte nos ofereça pontos de vista diversificados. ImageImageImageImage
O filme é ao mesmo tempo um estudo de personagem e de uma sociedade que se encontra em transformação (e que ao mesmo tempo se mantém estática em sua estrutura patriarcal). É um filme claramente datado nos estilos, nas roupas e na música que retrata, mas atual em seus temas. ImageImageImageImage
Vivida pela cantora Kati Kovács, que diz tudo que precisa com o olhar, a protagonista é uma jovem que, depois de crescer um orfanato na capital, é moderna e independente - num contraste brutal com a mãe que (re)descobre e vive no interior subjugada pelo marido e pela "tradição". ImageImage
Ao mesmo tempo, a cineasta sugere como a personagem-título está sempre sob o escrutínio (ora ameaçador, ora patético) dos homens, que a seguem/abordam onde quer que esteja - e como ela os "desarma" ao de certo modo inverter a objetificação típica do olhar masculino. ImageImageImageImage
Esqueci de falar que o filme está disponível no @mubibrasil!
O segundo longa da húngara Márta Mészáros, lançado em 1969, foi "Holdudvar", que acompanha a personagem de Mari Töröcsik (uma das atrizes mais premiadas do país e que morreu há 5 dias, aos 85 anos), que, viúva recente, não sabe o que fazer da vida. ImageImage
Presa por anos em um casamento sem amor no qual se acomodou, Edit (Töröcsik) se vê movida a recusar a pensão que receberia pela morte do marido e também seus bens, numa tentativa confusa, de quem acabou de despertar de um longo sono, de se livrar das amarras autoimpostas. Image
Para tornar seu processo ainda mais difícil, o filho mais velho de Edit, que há muito saíra de casa para morar com a namorada, não apenas retorna como se mostra determinado a impedir que a mãe "suje a memória" do pai - com o qual, diga-se de passagem, ele também não se dava bem. ImageImage
Para tentar impedir as ações da mãe, ele decide mantê-la como um autêntica prisioneira, colocando a própria namorada como carcereira (ela é vivida pela cantora Kati Kovács, protagonista do filme anterior de Mészáros) - um comentário claro sobre patriarcado e sexismo estruturais. Image
Este tema - como mesmo mulheres independentes (ou em busca desta independência) se veem limitadas por uma sociedade organizada em torno da vontade masculina - é algo que Mészáros já havia explorado em "A Garota", mas que aqui ganha novos contornos na dinâmica entre Edit e a nora. ImageImage
Além disso, a cineasta volta a abordar o choque entre gerações e suas respectivas culturas através do filho mais jovem da protagonista, cujos amigos exibem um impulso de liberdade que afronta as autoridades do vilarejo no qual parte da narrativa se passa. ImageImage
Maduro e com uma linguagem cuja sofisticação pode passar despercebida em função da discrição da câmera de Mészáros, "Holdudvar" é um filme memorável que se beneficia não só do talento de sua cineasta, mas também de sua fabulosa protagonista. ImageImage
Dirigido por Márta Mészáros em 1970 (seu terceiro longa em três anos), "Não Chorem, Garotas Bonitas!" (Szép lányok, ne sírjatok!) representa um experimento de linguagem que se distancia de modo considerável de seus antecessores, embora invista em alguns temas similares. ImageImageImage
Contando com participações de várias bandas de rock húngaras que faziam sucesso na época, o filme é, em sua superfície, sobre um triângulo amoroso formado entre um operário, sua noiva e um jovem associado a eventos musicais - e o movimento de contracultura é essencial ao filme. ImageImageImageImage
Há, porém, dois subtextos importantes na abordagem de Mészáros: um reside num conflito entre o jovem operário e seu adversário, cujas roupas e posição de empresário/produtor (sua função nunca fica totalmente clara) o colocam em um mundo com muito mais escolhas possíveis. ImageImage
Já o outro subtexto diz respeito à protagonista (Jaroslava Schallerová) e ao seu papel dentro de uma sociedade patriarcal que espera/exige dela certas escolhas que independem de sua vontade (algo que, claro, Mészáros discutiu também nos filmes anteriores). ImageImage
(E, também como nos dois primeiros filmes, aqui há uma cena na qual os jovens são confrontados por uma figura de autoridade - novamente um policial - enquanto tentam expressar seus impulsos, desejos e frustrações.) ImageImage
Menos coeso em função de sua própria estrutura, que depende excessivamente dos números musicais, "Não Chorem, Garotas Bonitas!" demonstra a curiosidade e a coragem de Mészáros em expandir seu estilo, mas o resultado, infelizmente, é apenas regular. ImageImage

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May 23
Ah, faça-me o favor. A pessoa PROPOSITALMENTE mistura duas questões completamente diferentes para posar de vítima. Porque ela SABE que são duas questões diferentes. Mas já percebeu que ganha seguidores adotando certa postura e mistura questões pra potencializar isso.

Vamos lá:
1) Eu não citei NINGUÉM em particular por tirar foto com apoiadora de genocídio. E muito menos falei se tratar de homem ou mulher. Eu falei sobre QUALQUER UM que tire e poste essas fotos com pessoas que batem palmas pra quem mata criança.
Aliás, nem reproduzi as fotos (são várias) e, sim, passei a ignorar TODAS as pessoas que apareceram/postaram fotos com ela e que eu tenha visto. (Com UMA exceção por motivos logísticos óbvios.) Aliás, isso fez desta edição do festival algo bem solitário, porque muitos tiraram.
Read 14 tweets
Jan 23
Bom... em primeiro lugar, a disputa já acabou. Oppenheimer vai sair da cerimônia carregado de troféus. A equipe de marketing da Universal pode até economizar na campanha se quiser.
Em segundo lugar, qualquer chance que Assassinos da Lua das Flores pudesse ter foi eliminada com a não-indicação a Roteiro Adaptado. O fato de DiCaprio também ter sido esnobado sugere, além disso, que o apoio da cadeira (ou branch) da categoria está longe de ser unânime.
Terceiro, que há chances cada vez maiores de Paul Giamatti finalmente vencer um Oscar depois de ter sido esnobado pela Academia ao não ser nem indicado por Sideways e Anti-Herói Americano, duas performances brilhantes.
Read 10 tweets
Nov 10, 2023
Porque é uma das coisas mais horríveis que vi em toda minha vida. 11 mil pessoas mortas em um mês - mais de 4 mil crianças. E não só ninguém faz nada como vários países tentam REPRIMIR protestos contra os criminosos. Por uma questão humanitária básica, preciso(amos) gritar.
Daqui a vinte ou trinta anos (se eu chegar lá, o que duvido), não quero ter que ler os relatos sobre o horror do que está acontecendo e me envergonhar por ter ficado calado.
De mais a mais, eu nunca aprendi a ficar calado, mesmo em situações que eu sabia que me prejudicariam profissional ou pessoalmente. Se algo me choca/provoca inconformismo ou revolta, eu falo. E depois vejo como me ferrei. História da minha vida inteira. Tarde demais pra mudar.
Read 5 tweets
Nov 8, 2023
Spielberg é um cineasta cujo judaísmo é presente em praticamente todos os seus filmes, de uma maneira ou outra. Em "Munique", há uma cena em que um membro da OLP expõe ao protagonista (ligado ao Mossad) por que os palestinos resistem à opressão de Israel - e é belíssima.
Infelizmente, Ali (Omar Metwally) acaba revelando um otimismo em relação à humanidade que estamos vendo ser injustificado.

Avner: Vocês não têm nada com o que possam barganhar. Nunca irão recuperar a terra. Morrerão de velhice em campos de refugiados esperando a Palestina. +
Ali: Nós temos muitos filhos. Eles terão filhos. Podemos esperar para sempre. E se precisarmos, podemos deixar o planeta pouco seguro para os judeus.

Avner: Vocês matam judeus e o mundo se sentirá mal por eles e achará que vocês são animais. +
Read 10 tweets
Sep 21, 2023
Acabo de receber release informando que a produtora do filme O Som da Liberdade fechou “parceria” com o Brasil Paralelo. O filme foi abraçado nos EUA pela extrema-direita e pelos malucos conspiracionistas QAnon.

Agora querem saber uma coisa interessante? +
O protagonista do filme, vivido por Jim Caviezel (outro maluco amado pelo QAnon), é um sujeito chamado Tim Ballard (aliado de Trump, por sinal) que na última semana foi alvo de várias denúncias de assédio sexual, sendo afastado da organização que ele mesmo fundou.
É a hipocrisia típica dos ídolos da extrema-direita, que pregam moralismo barato em público enquanto fazem coisas indizíveis entre quatro paredes (ou mesmo em público, como a congressista Lauren Boebert fez na última semana durante um espetáculo infantil).
Read 4 tweets
Aug 16, 2023
Vamos lá: quem sabe se eu desenhar esse pessoal entende?

1) Bruna Marquezine está muito bem em Besouro Azul. Inclusive com um inglês tão bom que, caso emplaque outros trabalhos, posso garantir que algum dia algum diretor pedirá que ela force um sotaque.
2) O filme em si é - sendo gentil - medíocre. Genérico, condescendente, previsível. O tipo de filme que traz alguém dizendo que o outro "deve ouvir seu coração".

3) Para a atriz, estrelar uma superprodução de um grande estúdio É uma conquista.

4) "Nosso" é um pronome coletivo.
5) O fato de Marquezine atuar em uma superprodução não é uma conquista coletiva. É dela e ponto final. Não acrescenta e não beneficia em nada nosso cinema, nosso país, nada.

6) Que fãs fiquem felizes por ela é compreensível; que acreditem se tratar de uma vitória nacional, não.
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