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Autor de SCIFI afrofuturista 🏅2x Finalista do Jabuti, CCXP Awards 📖 O Último Ancestral, 2023: Assassin's Creed: Visionaries 🎙️ #OQueVemDepois

May 13, 2021, 18 tweets

A abolição da escravatura não pode ser reduzida a uma história da Disney, onde os heróis são simplesmente reis e princesas. Diversos nomes ecoaram como o brado da liberdade, um deles eu conto aqui: Prudhome, o José do Patrocínio #13deMaio

Conhece a expressão "filho do padre", é assim que começa a saga do José. Filho de um vigário que engravidou Justina do Espírito Santo, uma menina de 15 anos, escravizada em Campos dos Goytacazes (RJ). Mesmo sem reconhecer o moleque, o mandou pra viver na sua fazenda

Viveu entre os negros escravizados e assistia de perto cada castigo imposto aos seus iguais. As cenas alimentaram sua alma com um sentimento que ainda não tinha nome, mas que podemos chamar hoje de "liberdade negra".

Esse fato marca José como um dos únicos abolicionistas que realmente sentiram o cheiro de sangue na vida em cativeiro

Aos 14 anos recebeu autorização para ir ao Rio de Janeiro, trabalhou como pedreiro e lapidou seu próprio intelecto, estudando para ingressar como aluno de Farmácia na faculdade de Medicina.

Quando terminou o curso em 1874, não tinha emprego, nem dinheiro e precisou viver de favor na casa de um Capitão que era padrastro do seu amigo (qualquer universitário negro em 2021 reconhece em si esse trecho da história)

Só que José sabia muito bem aproveitar as oportunidades, era um cara esperto e assim como Machado sabia se movimentar dentro daquela complexa sociedade brasileira. Ele frequentou o Clube Republicano e conseguiu o amor de Maria Henriqueta, filha de um militar

Foi quando embarcou na vida de jornalista, passando os dois primeiros anos em uma publicação de humor que findou em 1875, ele ganhou confiança e percebeu como as letras poderiam mudar toda a sociedade brasileira.

Passou a assinar a "Semana Parlamentar" na Gazeta de notícias como pseudônimo Prudhome e usava esse espaço para inspirar conversas sobre o final da escravidão no país. Ele era feroz contra a escravidão e construiu discursos poderosos em sua coluna.

Em 1885 ele escreveu: "Basta o confronto da importação de africanos com a emancipação destes, para demonstrar que a escravidão no Brasil é um roubo."

Muitos intelectuais se reuniram em torno de suas ideias, até que fundou com Joaquim Nabuco, outro grande nome do abolicionismo, a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, depois comprou o próprio jornal ("Gazeta da Tarde") e ficou reconhecido como o Tigre do Abolicionismo.

José visitou e foi ovacionado pelos abolicionistas do nordeste, se reuniu com André Rebouças e construiu em 1883 uma confederação unindo todos os clubes abolicionistas do país. A abolição não seria mais barrada, nas palavras do próprio Nabuco "a revolução se chama Patrocínio"

Há quem diga que 4 anos antes da Lei Áurea ele profetizou as palavras em um artigo "Fica abolida, nesta data, a escravidão no Brasil" (Artigo de 11 de Abril de 1885)

Ninguém pode prever o que seria dos rumos da abolição sem a contribuição de José do Patrocínio, ele apoiou intensamente Isabel quando a Lei que findava formalmente com a escravidão chegou, mas quem disse que o Brasil trata bem seus heróis quando tem a pele negra?

Mesmo sendo uma das figuras centrais deste capítulo nacional, quando a república chegou seus melhores aliados se afastaram - José se manteve fiel à monarquia e criou uma guarda negra de capoeiristas e foi perseguido por isso.

Aos 35 anos tentando começar um novo jornal no Rio de Janeiro ele decidiu se tornar um republicano, sem apoio acabou exilado na Amazônia e quando voltou ao RJ em 1893 foi morar na periferia, miserável e sem seus jornais. Dedicou-se a um sonho de levantar um dirigível

Foi também um dos pais fundadores da Academia Brasileira de Letras, uma mente descolada do tempo, seu último texto ensaiava o desejo de criar no país, um sentimento de proteção aos animais, mas a morte chegou adiantada, impedindo o término dessa escrita.

Porém, bem antes do seu último suspiro, José do Patrocínio já estava morto para as elites que desfrutavam e ainda se aproveitam do prestígio que a abolição trouxe ao Brasil. Essa é só mais uma história de como a sociedade brasileira silencia seus heróis negros.

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