Bom dia. Outro dia, retruquei uma postagem de alguém que dizia que não gostava de gente que tocava no seu corpo enquanto conversava. Como estou assustado com essa onda puritana que vem dos identitários ("não me toque, não me rele"), contestei. Mas, acho que fui superficial
1) O primeiro argumento que quero apresentar é o da "descorporificação" que a internet promove. Retomo aqui as teses do canadense Arthur Kroker em seu livro "Data Trash", de 1993. A tese central de Kroker é que a internet recalca o corpo e as relações sociais.
2) O humano se resumiria, para Kroker, aos "dedos agitados". O corpo fica paralisado, as relações sociais ficam suspensas pela decisão de continuar na tela ou mesmo de reduzir a atenção ao olhar em várias telas ao mesmo tempo. Ora, isso não é exatamente relação social
3) A saturação de imagens que se sucedem fazem do "dono do teclado" ser o proprietário da existência do Outro que está na sua tela. Uma das consequências é a limitação do contato físico ou mesmo da alteridade como elemento de construção da identidade social.
4) As gerações mais recentes já sofreram impactos causados pela AIDs e, agora, pela pandemia. É o mundo do medo em relação ao contato físico. Mas, há um elemento mais grave que viceja desse mundo recalcado da internet: o puritanismo.
5) Há uma onda irradiada por um pretenso neofeminismo dos EUA que declara guerra a quase qualquer contato físico ou mesmo sedução. Um puritanismo vitoriano que extrapola o ataque ao assédio grosseiro e agressivo e caminha para o tal "não me toque, não me reles".
6) No ano passado, Dakota do Sul discutiu um projeto de lei que proibiria médicos de fazer cirurgias de confirmação de gênero em jovens transgêneros com menos de 16 anos. A proposta foi aprovada pela Câmara estadual, mas acabou não indo adiante no Senado estadual
7) O mais surpreendente é que o PL recebeu apoio de diversos grupos e políticos conservadores que lutam para restringir os direitos dos transgêneros que se aliaram ao .... Women's Liberation Front (Frente de Libertação das Mulheres, ou WoLF, na sigla em inglês)
8) O WoLF afirma ser organização de "feministas radicais dedicadas à total libertação das mulheres". Hummmm.... perceberam? "Total libertação" tem um significado bem censor por lá, não? Há outras alianças entre o neofeminismo (que nada tem de feminista) e a direita dos EUA
9) Enfim, minha preocupação é que este puritanismo vitoriano que tem nos EUA um centro de divulgação já começa a atingir jovens brasileiros, a maioria desavisada. Nesse caso, a forma e um ou outro slogan impede que se perceba o quão conservadora é a agenda.
10) Não é a primeira vez que valores de direita tentam se insinuar sobre coletivos que lutam por direitos sociais nos EUA. O ataque aos Panteras Negras é um clássico. Toda essa conjuntura maluca que vivemos favorece a disseminação de valores castradores. Um alerta. (FIM)
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