Rudá Ricci Profile picture
Sociólogo, trabalho com educação e gestão participativa. Presido o Instituto Cultiva

May 26, 2021, 15 tweets

Ontem, na minha participação de toda terça na live do DCM, apareceu o incômodo que uma minoria" sente com leitura crítica sobre a esquerda. Vou me apoiar nos perrengues de ontem para propor uma leitura sobre os obstáculos para avançarmos numa proposta de Estado pela esquerda.

1) Temos algumas barreiras que dificultam a superação do nosso arcabouço institucional. Uma delas é a política como ascensão social: num país com tanta desigualdade social, ser eleito é uma possibilidade concreta de subir no degrau do seu status. Sem projeto coletivo

2) Tal lógica arrivista acaba por criar uma subcultura na prática política nacional: ser candidato é uma promessa de sucesso e pode destacar o candidato da selva de concreto que o leva ao anonimato. Acontece que essa lógica, além de egocêntrica, alimenta o conservadorismo

3) Trata-se de uma lógica conservadora porque é circular: o mundo da política é dado como uma realidade imutável e se quero participar dele, tenho que agir como os "donos do poder" agem.

4) O segundo obstáculo é a ausência de projeto nacional: nossas classes sociais não têm projeto nacional. O debate político fica perpassando por interesses corporativos. Não criamos uma identidade nacional no Brasil. Nossos símbolos criaram identidade militar, não popular

5) Um terceiro obstáculo para reformarmos o Estado brasileiro a partir de um viés mais democrático é a simbiose entre a burocracia estatal com elementos de liderança tradicional. As travas racionais que dividem o Estado em uma miríade de escaninhos, corrompida pela troca de favor

6) Aqui, vale a pena explicar como operam as duas lógicas que se cotovelam no interior do Estado brasileiro. Comecemos pela lógica burocrática. Burocracia significa poder (cracia) da administração (burot). Ela se organiza por forte verticalização na tomada de decisões

7) Além do centralismo na tomada de decisões, a lógica burocrática sugere o distanciamento das paixões populares, para não afetar a "razão do Estado": o cálculo imparcial na tomada de decisões

8) Para afastar o técnico burocrata das paixões populares, há toda uma proposta arquitetônica que coloca obstáculos para os cidadãos dialogarem com quem decide. Os que decidem se fecham em repartições especializados: cada um no seu quadrado

9) Portanto, toda democracia é antiparticipacionista. Os conselhos de gestão público ou de direitos são um espinho na garganta da lógica burocrática. Agora, vejamos qual é a lógica do líder clientelista.

10) a lógica clientelista carrega os interesses dos marginalizados pela burocracia para dentro do processo de tomada de decisão estatal brasileira. A demanda popular é filtrada pelo líder tradicional, conservador. E é transformada em políticas compensatórias.

11) Mas, a lógica política tradicional não se resume a este papel de filtro. Ela se insinua no interior do Estado através de lobbies. FHC já escreveu a respeito do que denominou de "anéis burocráticos".

12) Uma maneira de descrever o que são tais "anéis burocráticos" é a combinação do insulamento burocrático altamente tecnicista com fortes relacionamentos com o setor privado. Em outras palavras: os interesses empresariais estão nas arenas de tomada de decisão estatal

13) Esse conjunto de obstáculos impede que o debate sobre a reforma do Estado pelo viés participacionista flua em nosso país. Nem mesmo chega às organizações populares. Aliás, Lula dizia que faria a reforma política e Conceição Tavares ria dele (para seu desespero)

14) Fazer acordos com setores clientelistas e lobbies corporativos é o passo seguro para se amarrar às estruturas tradicionais do Estado brasileiro. Em suma: ou acordão ou reforma do Estado. (FIM)

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