Ontem, na minha participação de toda terça na live do DCM, apareceu o incômodo que uma minoria" sente com leitura crítica sobre a esquerda. Vou me apoiar nos perrengues de ontem para propor uma leitura sobre os obstáculos para avançarmos numa proposta de Estado pela esquerda.
1) Temos algumas barreiras que dificultam a superação do nosso arcabouço institucional. Uma delas é a política como ascensão social: num país com tanta desigualdade social, ser eleito é uma possibilidade concreta de subir no degrau do seu status. Sem projeto coletivo
2) Tal lógica arrivista acaba por criar uma subcultura na prática política nacional: ser candidato é uma promessa de sucesso e pode destacar o candidato da selva de concreto que o leva ao anonimato. Acontece que essa lógica, além de egocêntrica, alimenta o conservadorismo
3) Trata-se de uma lógica conservadora porque é circular: o mundo da política é dado como uma realidade imutável e se quero participar dele, tenho que agir como os "donos do poder" agem.
4) O segundo obstáculo é a ausência de projeto nacional: nossas classes sociais não têm projeto nacional. O debate político fica perpassando por interesses corporativos. Não criamos uma identidade nacional no Brasil. Nossos símbolos criaram identidade militar, não popular
5) Um terceiro obstáculo para reformarmos o Estado brasileiro a partir de um viés mais democrático é a simbiose entre a burocracia estatal com elementos de liderança tradicional. As travas racionais que dividem o Estado em uma miríade de escaninhos, corrompida pela troca de favor
6) Aqui, vale a pena explicar como operam as duas lógicas que se cotovelam no interior do Estado brasileiro. Comecemos pela lógica burocrática. Burocracia significa poder (cracia) da administração (burot). Ela se organiza por forte verticalização na tomada de decisões
7) Além do centralismo na tomada de decisões, a lógica burocrática sugere o distanciamento das paixões populares, para não afetar a "razão do Estado": o cálculo imparcial na tomada de decisões
8) Para afastar o técnico burocrata das paixões populares, há toda uma proposta arquitetônica que coloca obstáculos para os cidadãos dialogarem com quem decide. Os que decidem se fecham em repartições especializados: cada um no seu quadrado
9) Portanto, toda democracia é antiparticipacionista. Os conselhos de gestão público ou de direitos são um espinho na garganta da lógica burocrática. Agora, vejamos qual é a lógica do líder clientelista.
10) a lógica clientelista carrega os interesses dos marginalizados pela burocracia para dentro do processo de tomada de decisão estatal brasileira. A demanda popular é filtrada pelo líder tradicional, conservador. E é transformada em políticas compensatórias.
11) Mas, a lógica política tradicional não se resume a este papel de filtro. Ela se insinua no interior do Estado através de lobbies. FHC já escreveu a respeito do que denominou de "anéis burocráticos".
12) Uma maneira de descrever o que são tais "anéis burocráticos" é a combinação do insulamento burocrático altamente tecnicista com fortes relacionamentos com o setor privado. Em outras palavras: os interesses empresariais estão nas arenas de tomada de decisão estatal
13) Esse conjunto de obstáculos impede que o debate sobre a reforma do Estado pelo viés participacionista flua em nosso país. Nem mesmo chega às organizações populares. Aliás, Lula dizia que faria a reforma política e Conceição Tavares ria dele (para seu desespero)
14) Fazer acordos com setores clientelistas e lobbies corporativos é o passo seguro para se amarrar às estruturas tradicionais do Estado brasileiro. Em suma: ou acordão ou reforma do Estado. (FIM)
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Bom dia. Venho alertando para um certo oba-oba que envolve o campo progressista brasileiro (em especial, a base social-militante do lulismo, que vai além do PT) com a denúncia da PGR contra Bolsonaro et caterva. O fio é sobre isso: uma explicação sobre este alerta.
1) Quanto ao julgamento pelo STF, a grande imprensa ventilou a possibilidade de tudo ser finalizado ainda neste semestre. Considero um desatino típico da linha editorial sensacionalista em busca de likes. O mais provável é a sentença ser proferida em setembro ou outubro.
2) Se minhas projeções são razoáveis quanto ao calendário de julgamento, teremos um longo intervalo de 7 a 8 meses de muita turbulência pela frente. Já se esboçam algumas frentes da ofensiva bolsonarista: uma de massas e outra política, além da jurídica.
Bom dia. Postarei um fio sobre o "equilíbrio dinâmico" da política nacional. A fala de Hugo Motta sobre o ato terrorista de 8 de janeiro gerou grande agitação nas redes sociais. Contudo, a intenção não parece ter sido muito além disso: agitação. Vamos ao fio:
1) Vou começar com a "régua ideológica" da política brasileira. Para tanto, começo diferenciando esquerda de direita e ambas do extremismo. Esquerda é denominada a força (ou forças) política que luta pela igualdade social.
2) Já a direita enfatiza a diferença entre indivíduos (forte de fracos, inteligentes de pouco inteligentes, ambiciosos de indolentes) que eles classificam como base da "liberdade individual". Por aí, direita justifica a desigualdade social como fundada na diferença.
Bom dia. Inicio um fio sobre o livro de Leonardo Weller e Fernando Limongi, “Democracia Negociada”, que trata do período que vai do final da ditadura militar à queda de Dilma Rousseff. Lá vai:
1) O livro se constitui numa ilustração da encruzilhada que vive a sociologia brasileira. No século passado, grande parte da produção sociológica voltava-se para a leitura dos pares. Já no século 21, ficou patente que ser reconhecido pelos pares não bastava.
2) Dada a banalização da carreira, sociólogos passaram a buscar o grande público, cortar os excessos em citações, adotar títulos e capas chamativas, para além dos muros das universidades e think tanks muito especializados.
Bom dia. Prometi um fio sobre os atos terroristas de 8 de janeiro. E, também, sobre a origem de certo descaso popular em relação aos riscos à nossa democracia. Acredito que a fonte para as duas situações é a mesma. Lá vai:
1) Acredito que o ponto de convergência é o legado de 300 anos de escravidão no Brasil. De um lado, forjou uma elite nacional socialmente insensível e politicamente violenta, sem qualquer traço de cultura democrática
2) Nosso empresariado é autoritário e autocrático, como demonstram tantos estudos acadêmicos. Além de majoritariamente com pouca instrução, nosso empresariado desdenha eleições e procura se impor pelos escaninhos dos parlamentos e governos
Bom ida. Começo o fio sobre o futuro presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Mais um que tem seu poder local pavimentado pelas emendas parlamentares, a base do poder do Centrão. Lá vai:
1) Alcolumbre tem 47 anos e nasceu em Macapá. Trabalhou no comércio da família. Se elegeu vereador pelo PDT em 2000. Foi secretário de obras do município e em 2002 foi eleito deputado federal, sendo reeleito por 2 vezes. Em 2006, foi para o DEM
2) Em 2014, conseguiu a proeza de se eleger senador pelo Amapá, até então, um quase-protetorado dos Sarney. Aí começa sua saga nacional. Em 2019 é eleito presidente do Senado Federal, se reelegendo em 2022.
Bom dia. Aqui vai o fio sobre Arthur Lira. Daqui um mês, Arthur Lira deixa a presidência da Câmara de Deputados. Ele foi mais um da sequência iniciada com Severino Cavalcanti que passou a assombrar o establishment desta casa parlamentar
1) Severino foi apenas um susto. Mas, logo depois, veio o bruxo que alteraria de vez não apenas a lógica de lideranças e poder na Câmara de Deputados, mas a relação com o governo federal: Eduardo Cunha.
2) Lira entra nesta sequência, dando mais um passo na direção da subversão da lógica entre os três poderes: avançou sobre os governos Bolsonaro e Lula, chantageou à céu aberto e enfrentou o STF.